quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Escolinha de craques

Muito se reclama no mercado profissional da falta de talentos disponíveis. Em toda parte é comum ouvir queixas a respeito do baixo nível do mercado, da falta de opções de contratação e da constante evasão de talentos para a concorrência ou para sonhos de empreededorismo. Não demanda três neurônios para perceber que essa é uma crise anunciada e que a situação só não é muito pior porque o mundo lá fora está em um buraco só, porque o real está hipervalorizado há muito tempo e porque o custo Brasil é altíssimo. Caso contrário veríamos uma fuga de talentos ou uma onda de empreendedorismo sem precedentes, o que tornaria os salários dos profissionais que ainda estivessem nas empresas muito mais alto.
É uma simples questão de oferta e procura: enquanto o país do jeitinho ainda tiver como herói o Didi Mocó ou algum presidente que se orgulhe de não ler, valorizar o talento "mágico" de suas reboladoras de palco e jogadores de futebol e desprezar o trabalho árduo, inglório, arriscado e de prazo indefinido, o mercado profissional tenderá a ser cada vez mais inflacionado. É muito fácil colocar a culpa neste ou naquele governo ou política pública e reclamar da má qualidade das escolas quando poucos imaginam o que querem que elas façam. Acredito sinceramente que, mesmo se todo o problema da educação no Brasil fosse resolvido por algum milagre neste final de semana, a situação na segunda-feira não seria diferente de hoje. Provavelmente seria ainda pior.
O Futebol aprendeu isso há algum tempo. Os grandes clubes perceberam que não poderiam contar com os eventuais Romários, Rivellinos ou Ronaldos que aparecessem e passaram a investir em escolinhas de treinamento antes que virassem sucursais de um Manchester United ou Barcelona. A mudança na qualidade profissional é uma questão de valores, e isto pode ser uma excelente notícia. Todo mundo sabe que é mais barato comprar brócolis do que Doritos, e mesmo assim a obesidade só tende a aumentar. São poucos os povos ocidentais que ainda vêem graça em estudar, que acompanham documentários com o mesmo prazer do que assistem a programas de auditório, e que lotam cursos de férias e fim de semana. Mais raros ainda são os governos que vêem a educação e a pesquisa como patrimônio estratégico, e não como dever do Estado.
A má qualidade do ensino em escolas de diversos níveis é um problema muito maior do que a qualificação de professores e a capacitação técnica de laboratórios. O pai que não se envolve com a escola, que a trata como uma espécie de creche para deixar seus filhos ocupados enquanto trabalha ou que só a procura para reclamar de professores rígidos demais com seus pobres e mimados coitadinhos está criando incompetentes, que provavelmente passarão boa parte da vida adulta fritando seu patrimônio e chorando pelos cantos. A família que não se envolve no jogo dos filhos, que empresta o smartphone para os rebentos em restaurantes e que liga o vídeo no carro para que não importunem, está criando cidadãos autistas e egoístas, cujo consumo de informação tenderá a ser pragmático, pornográfico, indiferente. Não há lugar para a cultura no ambiente das resenhas. Pais que não gostam de salada não conseguirão fazer com que seus filhos a comam.
A mídia e o mercado editorial também têm sua parcela de culpa ao cultuar figuras como Steve Jobs ou Richard Branson, tratando-os como divindades iluminadas em vez de tentar desvendar o mistério de pesquisa de mercado e engenharia que torna suas empresas tão eficientes em entregar o produto ou serviço imaginado por eles.
Líderes inspiradores estão presentes em todo tipo de sociedade organizada. Não há nada de errado em se ter um rei, um papa, um presidente, um Deus. O problema está nos valores e atitudes que esta figura inspira. Empresas com executivos magnéticos atrairão os melhores profissionais do mercado, mas não serão capazes de mantê-los depois de algum tempo, quando confrontados pelo valor pragmático do dinheiro. É o velho dilema Feijão - Sonho.
É preciso valorizar o aprendizado, e isso pode ser feito agora, em qualquer ambiente. Só assim será possível criar uma massa crítica capaz de demandar boas políticas de ensino. Enquanto neste hemisfério empresários ainda se comportam como donos de monoculturas, buscando talentos em "feiras", arrogantes em sua ignorância, países mais silenciosos têm estratégias de dominação mais coerentes e consistentes. A Coreia do Sul usou escolas para sair da miséria e invadir o mercado de automóveis e eletrônicos dos Estados Unidos. O Japão desenvolve patentes para permanecer imune a crises, terremotos e acidentes nucleares. A China e a Índia, imensos em sua população e desigualdade, despistam o mundo ao vender equipamentos e mão de obra barata, e usam seus recursos para aprender inglês, lotar programas de doutorado e assumir diretorias de tecnologia daquelas empresas que se dizem inovadoras com seus gestores imberbes, sem título superior.

Leli Radfahrer

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