quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Contagem regressiva!



Blog de Josias de Souza

Feliz Brasil Novo

Incluo-me entre os céticos com as celebrações dezembrinas, principalmente o Natal, esse simulacro nórdico, um sincretismo importado e deslocado que esteriliza nossas originalidades.
Se ainda fosse o Saci-pererê a distribuir presentes montado na mula sem cabeça, ou aquele outro velhinho barbudo sorridente, o Papai Lula, atrás de nova função que lhe permita dar alegria a milhões de brasileiros.
O que gosto nesta ditadura do calendário é que ela nos força à reflexão: qual o saldo do ano que passou e quais as metas do vindouro.
Atolados no presente da agenda intensa, parar alguns dias para fazer esse balanço e pular ondinhas pode trazer entendimentos e planejamentos inusitados, um exercício a ser sorvido com a calma do feriado prolongado ou no luxo de férias de verão.
Daqui da praia, com essa brisa atlântica que refresca a cara do país, sinto o clima de felicidade e confiança nunca sentido nas décadas que tenho de Brasil. Você conhece algum brasileiro que piorou de vida neste ano?
2010 marca o fim do ciclo FHC-Lula, que empoderou na sequência dois líderes de extrema capacidade e inteligência, luminares de seus grupos políticos (que deveriam agora, pós-tudo, tentar aproximá-los).
Foi uma era complementar de 16 anos que acaba em pleno emprego, moeda forte, mercado interno robusto, recorde de exportações, crédito crescente, investimentos crescentes, projeção global, democracia consolidada, estabilidade consensual, confiança, explosão imobiliária. Escolha o índice.
Não vou aqui ser completamente Poliana (só um pouquinho, que é gostoso e inédito).
Temos problemas enormes: corrupção desembestada, lacunas estruturais, carga tributária terrível, insegurança pública, insuficiência educacional, fragilidade jurídica etc. Mas também não vamos fazer como alguns balanços de fim de governo que se viu por aí, destacando esses problemas e tratando quase como apêndice o fato de que dezenas de milhões de brasileiros melhoraram de vida, descobriram sentido e orgulho na brasilidade.
O personalismo e a soberba de Lula (essa de batizar o maior campo do pré-sal com o seu nome foi demais), aliados à ganância despudorada e ilegal que mancha a política nacional, dificultam a justa apreciação deste governo de mais poucos dias. Mas fico feliz ao ler que outros não-petistas chegam à mesma conclusão que eu, manifesta aqui há mais de ano, de que Lula é até agora o maior presidente que o país já teve.
O Brasil estava destinado à grandeza desde o berço, diz o hino, mas burrice e imaturidade incrementais impediram a realização mínima desse potencial.
16 anos de estabilidade político-econômica e consenso em torno das regras básicas do capitalismo mudaram a cara e o espírito do país. A democracia brasileira vingou com a inteligência erudita de FHC e a inteligência intuitiva de Lula.
FHC trouxe ordem e estrutura ao caos. Lula mostrou o caminho dentro dessa ordem. E o caminho do Brasil sempre foi óbvio: envolver e incluir na prosperidade a enorme massa excluída desde a colônia. Nunca teríamos começado a realizar nosso potencial se a maioria de nós seguisse vivendo às margens da produção e do consumo.
Isso é tão lógico quanto óbvio, mas precisamos de um retirante miserável no poder para dar urgência e prioridade ao ululante. Lula sabia como nenhum outro dirigente brasileiro das necessidades dessa massa e como era indispensável envolvê-la no desenvolvimento. Suas políticas sociais, sua valorização do salário mínimo e do emprego, seu controle da inflação abriram as portas do mercado a dezenas de milhões de novos cidadãos, e cidadania, hoje, é consumo.
Na campanha eleitoral deste ano vimos como é profundo o entendimento de que o consenso é forte, popular, seminal. Nenhum candidato relevante ameaçou o modelo atual, muito pelo contrário.
Ao governo que entra todo o apoio para que melhore ainda mais as condições econômicas e sociais do país. O incremental está dado. Nossas deficiências expostas são o mapa do caminho. O desenvolvimento virá do enfrentamento de questões mapeadas.
E depois do primeiro presidente pobre, a primeira presidente mulher pode também surpreender. (Já foi emocionante ver o ensaio da posse, com aquela dublê de presidente solitária de pé no conversível escoltada por seguranças mulheres correndo. O país de chuteiras virará o país de saias?)
O ciclo FHC-Lula acaba com o Brasil confiante como nunca.
2010 foi um ano memorável que encerrou uma década transformadora.
2011 tem tudo para iniciar uma década ainda melhor. 2014 tem Copa, 2016, Olimpíadas.
Feliz Brasil Novo para você.

Sérgio Malbergier

O "bico"

Um dos principais problemas que a presidente Dilma Rousseff vai enfrentar a partir de 1º de janeiro é o da segurança. Ou melhor, o da falta de segurança, que está crônico nas capitais e demais áreas urbanas.
Com as Forças Armadas no controle de favelas no Rio de Janeiro, uma operação que vem sendo preparada há anos, a coisa até que deu uma melhorada por lá. Mas essa é uma guerra que está longe de ser vencida e é preciso ir adiante, melhorar os sistemas, sofisticar o adestramento dos efetivos policiais e militares.
Agora mesmo, oficiais do Exército estão abismados com a declaração do governador Sérgio Cabral institucionalizando o "bico" para os policiais do Estado. Como eles têm um sistema de folga de 24 por 72 (trabalham 24 horas e folgam três dias seguidos,) já estão liberados na prática para trabalhar na iniciativa privada e, agora, como anuncia Cabral, também par a as prefeituras.
Em resumo: os policiais têm "folga" para trabalhar. Hoje, muitos dão segurança à paisana para os mesmos criminosos que combatem quando estão fardados, naquelas 24 horas de trabalho. A partir de agora, darão segurança extra para as Prefeituras. É ou não legalizar o "bico"?
Eis o que diz o governador:
"Lá (nos Estados Unidos), você vê o policial fardado, trabalhando para o supermercado, com o carro da polícia na porta. Aqui não. Aqui nós vamos tirá-lo da clandestinidade. Ele vai continuar com o seu distintivo e fardado, mas trabalhando para o poder público. (No passado) O Estado criou uma série de barreiras que levavam a pessoa à ilegalidade. Nós estamos rompendo essas barreiras da melhor maneira possível para servir ao público".
Leia-se: já que não pagamos convenientemente nossos policiais, já que eles estão por aí mesmo fazendo segurança privada até para marginal, já que não há controle nenhum e cada um faz o que quer... então vamos dar ordem à bagunça. Como? Formalizando a bagunça.
Os oficiais acharam um acinte. Para eles, significa que os soldados vão trabalhar para os policiais, enquanto estes tiram três dias seguidos de folga para trabalhar para terceiros. "Assim, não dá", disse um militar de alta patente.
Na opinião de setores do Exército, o ideal é mudar essa escala, até porque ninguém, nem policial, nem bombeiro, nem médico, nem enfermeiro, trabalha seguido 24 horas. Boa parte dessas horas são usadas para um descanso, um sono razoável. Então, acabem-se com as 72 horas consecutivas de folga remunerada que não são folga coisa nenhuma. e pensem-se em outras compensações.
O Exército já subiu o morro do Alemão, por exemplo, e a expectativa é de que a operação, até agora tão bem sucedida, seja ampliada para os demais complexos do Rio. Veja que a polícia já endurece na Rocinha às vésperas do Reveillon e da posse de Dilma em Brasília e a de Cabral para o segundo mandato no Rio. Chamar o Exército para a Rocinha também parece uma questão de tempo.
Mas, com os soldados fazendo papel de polícia e e a polícia de folga, fica complicado.
PS - Ótimo Ano Novo, sem medo de ir às ruas e de ser feliz!

Eliane Cantanhêde

Vazamento vira guerra de versões

Bom, eis que surgiu nesta quinta-feira, em "El País" o primeiro papel que atiça minhas reticências a respeito do uso dos vazamentos vindos do site WikiLeaks.
Um jornal sério e cuidadoso como o diário espanhol publica uma versão que a embaixada dos Estados Unidos, citada no vazamento, admite não ter como comprovar.
A história em resumo é assim: em abril de 2009, um grupo de elite da polícia boliviana invade um hotel de luxo em Santa Cruz de la Sierra, mata três pessoas e prende outras duas.
A versão oficial: os cinco eram terroristas contratados pelos líderes da Província de Santa Cruz, em conflito com o governo Evo Morales, para preparar uma rebelião armada e matar o presidente.
Versão da embaixada dos EUA, conforme o vazamento: os mercenários foram contratados pelos próprios serviços de inteligência bolivianos para montar uma falsa trama terrorista e justificar a perseguição desatada depois contra os dirigentes de Santa Cruz.
A fonte da embaixada não é identificada e ela própria, diz o jornal, "assegura que não tem forma de comprovar a versão, mas acrescenta que a fonte é uma pessoa bem situada e com uma trajetória confiável".
Trajetória confiável para quem, cara pálida? Para a embaixada, claro. Mas dá para confiar nela se o procurador-geral da Bolívia afirma terem sido decodificados correios eletrônicos de um dos mortos (Eduardo Rozsa Flores, húngaro-boliviano) que supostamente demonstrariam que ele teria contatos com a CIA, a indefectível presença em todas as conspirações, supostas ou reais.
Mas dá para acreditar em autoridades bolivianas, se for correta a versão de armação preparada pelos serviços de inteligência?
Tudo somado, trata-se tão somente de uma guerra de versões sobre um episódio de extrema gravidade, seja qual for a versão correta. A vítima da guerra é o leitor que não tem meios de saber qual das versões é a correta, se é que alguma delas o é.
Não é exatamente o que se espera de um jornal sério. Mas culpar o mensageiro é a maneira mais fácil de escapar pela tangente. Daria para não publicar, ante a avalanche informativa desencadeada pelos vazamentos e a credibilidade que os meios de comunicação em geral atribuíram ao WikiLeaks? Haveria condições de o próprio jornal apurar a fundo qual a verdadeira versão?
Fica claro que, pelo menos nesse caso, turvou-se ainda mais o panorama boliviana, frustrando completamente a transparência que o WikiLeaks diz buscar com seus vazamentos.
De todo modo, Feliz Ano Novo.

Clóvis Rossi

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Até breve!



Blog de Josias de Souza

Última promessa

Luiz Inácio Lula da Silva deixa o Palácio do Planalto com a sensação do dever cumprido. Claro que não fez tudo o que desejava e deixou de fazer muito do que deveria ter feito, mas sai do governo com dados altamente positivos. Mais do que suficientes para se orgulhar de sua administração e buscar um descanso merecido, para depois ir atrás de novos desafios.
Nesse período de ócio, que ele merece, Lula deveria fazer uma boa reflexão e engavetar uma de suas promessas: a de que, fora do governo, irá se dedicar a desmontar o que classifica de "farsa do mensalão". O ainda presidente tem lá seus motivos para não gostar desse período de seu governo e de como muitos falam sobre ele, mas não deveria remexer no tema.
O fato é que, se for realmente fundo no assunto, pode trazer à tona coisas indesejáveis. Talvez não para ele diretamente, mas para alguns amigos e ex-auxiliares, o que pode tornar a coisa pior do que já foi. Por exemplo: a famosa lista elaborada pelo publicitário Marcos Valério com os nomes dos beneficiários do mensalão teve mais de uma versão antes de ser divulgada naquela época.
Nos bastidores de Brasília, há quem diga ter visto a relação original, logo depois de ter sido produzida, sendo manuseada num hotel da cidade. Ali estavam os nomes de quem foi beneficiado com saques no Banco Rural, onde a grana era distribuída. Quem viu deu uma olhada no documento. Percebeu, depois, que alguns nomes desapareceram da lista final, a que foi divulgada, e alguns valores foram reduzidos.
Claro que a tal lista original poderia não bater com a realidade. Mas também pode ter sido ajustada depois de algumas negociações. Isso, até aqui, ficou apenas no mundo dos bastidores de Brasília. Não foi investigado a fundo. Se alguém remexer no tema, quem sabe essa história não pode ser tirada a limpo.
Daí que Lula deveria refletir bastante durante seu período de descanso pós-presidência sobre o assunto. Muita gente em Brasília vai agradecer. Se bem que, em nome da transparência, seria um grande serviço ao país. Além de evitar que a impunidade só cresça. A conferir se essa última promessa será cumprida.

Valdo Cruz

A escola de cinema que Videla inaugurou

O período de festas natalinas trouxe pelo menos uma boa notícia. Finalmente o ex-ditador Jorge Rafael Videla, aos 85 anos, foi condenado por crimes contra a humanidade. Cabe recurso em tribunais superiores, mas mesmo assim a decisão já é um alívio para familiares de vítimas da ditadura e para os argentinos em geral. Videla fez parte da primeira Junta que tirou do poder Isabelita Perón em 1976 num golpe de Estado, junto com Orlando Ramón Agosti e Emílio Massera (que morreu em novembro).
Videla esteve à frente do governo da Argentina nos primeiros cinco anos da ditadura militar (que durou até 1983). No período como um todo, cerca de 30 mil pessoas desapareceram. Torturas, sequestros de bebês e execuções ocorreram nos centros de detenção clandestinos do governo, enquanto outros opositores foram simplesmente arremessados de aviões no Rio da Prata.
Em 1985, durante o primeiro governo democrático do país pós-regime militar, o presidente Raúl Alfonsín colocou em julgamento os responsáveis pela repressão. Videla foi então condenado à perpétua. Porém, durante o governo Menem, em 1990, foram decretados indultos que puseram em liberdade muitos dos julgados anteriormente, incluindo Videla. Veio o governo Néstor Kirchner e virou o jogo mais uma vez ao anular, em 2003, as leis de anistia e os indultos. Foi essa decisão que permitiu que Videla voltasse ao banco dos réus.
Na semana passada, o ex-ditador fez um horripilante discurso de defesa um dia antes da decisão. Falou por 48 minutos, defendendo suas ações como uma "guerra justa" contra "terroristas" de organizações guerrilheiras. Também disse que os "inimigos de ontem hoje governam o país", referindo-se aos kirchneristas. O pronunciamento de Videla mobilizou e chocou o país, ganhando amplo espaço na mídia local.
Na última quarta-feira, porém, a novela, acompanhada febrilmente nos últimos instantes pelo Twitter e pelo Facebook, parece ter chegado ao fim. Videla foi condenado à prisão perpétua, que deve cumprir num cárcere comum.
O período traumático praticamente consolidou um gênero no bom ciema argentino contemporâneo, os filmes sobre a ditadura. Abaixo vai uma seleção dos 8 principais, que ajudam a entender o período de diferentes pontos de vista.
"A História Oficial"
(Luis Puenzo, 1985)
Vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro, conta a história da professora de história Alicia Manet de Ibáñez, vivida por Norma Aleandro (uma espécie de Fernanda Montenegro da Argentina). Apesar de dar aulas sobre o passado do país, Alicia ignora o presente e só depois de questionada por estudantes começa a refletir sobre o que está acontecendo e a desconfiar de que sua filha adotiva possa ter sido roubada de guerrilheiros mortos pela repressão. O filme tem o grande mérito de refletir sobre o período no calor dos acontecimentos, com a nova democracia ainda engatinhando e a incerteza sobre uma possível volta dos militares no ar.
"Tangos, o Exílio de Gardel"
(Fernando Solanas, 1985)
Também filmado pouco depois da retomada democrática, o filme conta a história de um grupo de argentinos exilados em Paris (como o próprio diretor), que tenta armar um espetáculo dedicado ao cantor Carlos Gardel. Solanas dirigiu outros bons filmes sobre a política argentina, como "La Hora de los Hornos", mas recentemente perdeu-se em produções panfletárias e tentativas patéticas de eleger-se a cargos públicos.
"Buenos Aires Viceversa"
(Alejandro Agresti, 1996)
Uma espécie de "Short Cuts" portenho, mistura diferentes linhas narrativas para contar a história de filhos de desaparecidos depois de adultos. A protagonista, uma órfã que não sabe nada sobre seus pais, é contratada por um casal de idosos para filmar Buenos Aires para eles. Os dois se negam a sair de casa, à espera da filha que foi para a universidade e nunca voltou. No caminho da moça, passarão diversos personagens com vínculos íntimos, porém dissimulados, com a ditadura.
"Garage Olimpo"
(Marco Bechis, 1999)
Uma jovem de 18 anos, Maria Fabiani, é levada pelo exército argentino e torturada na prisão clandestina conhecida como Garage Olimpo. Seu torturador, curiosamente, é um jovem que vivia de aluguel na casa da mãe de Maria e tinha por ela uma paixão não-resolvida. Enquanto Maria passa pelas sessões de tortura e vive um inusitado flerte com o torturador, sua mãe sai em busca dela por Buenos Aires.
"El Mismo Amor, la Misma Lluvia"
(Juan José Campanella, 1999)
Do mesmo diretor do premiado "O Segredo de Seus Olhos" (e com o mesmo casal protagonista, Ricardo Darín e Soledad Villamil), o filme conta uma história de amor com muitos encontros e desencontros, que começa nos anos 80 e vai até o final da década de 90. O pano de fundo é a história argentina durante o final da ditadura, a Guerra das Malvinas e o começo dos anos Menem.
"Kamchatka"
(Marcelo Piñeyro, 2002)
A ditadura vista pelos olhos de uma criança de dez anos. Seus pais, fugindo dos militares, vividos por Cecila Roth e Ricardo Darín, levam o garoto para uma casa fora de Buenos Aires. No lugar, uma das poucas alternativas de passar o tempo era jogar uma variante do nosso War, em que Kamchatka, uma província russa, parecia um lugar de refúgio e esperança. Quando por fim o casal desaparece, é a lembrança desse lugar que o garoto guardará dos pais.
"Iluminados por el Fuego"
(Tristan Bauer, 2005)
A tentativa de suicídio de um ex-soldado que lutou na Guerra das Malvinas (1982), nos dias de hoje, faz com que um de seus companheiros relembre o período em que participaram do delírio dos comandantes militares de então, que fizeram suas tropas formadas por garotos acreditarem que seria possível vencer a Inglaterra numa batalha pelas ilhas Malvinas/Falklands. As comoventes cenas finais foram gravadas nas próprias ilhas pela primeira fez no cinema argentino.
"Crónica de una Fuga"
(Adrián Caetano, 2006)
Baseado numa história verídica, conta uma tentativa de fuga de um grupo de prisioneiros da temida Mansion Seré, um centro de detenção e tortura. Entre eles, estava Claudio Tamburrini, goleiro de um time de futebol que virou símbolo da luta contra a repressão depois do episódio. Realizado num momento de alta do cinema argentino no cenário internacional, o filme teve ampla repercussão internacional.

Sylvia Colombo

América Latina prefere os velhos diabos

A temporada eleitoral 2011 na América Latina promete uma onda de continuísmo/conservadorismo.
Ou, se você prefere uma versão popularesca, o eleitorado parece inclinar-se pelos velhos diabos em vez de sentir-se tentado por eventuais novos anjos. Claro que diabos e anjos, no caso, são figuras de linguagem, não julgamento de valor.
Por ordem cronológica:
Peru (abril) - O favorito, por enquanto, é um ex-presidente, Alejandro Toledo, que saiu muito desgastado da Presidência em 2006. Tão desgastado que acabou cedendo o lugar a Alan García, que passara anos nos ostracismo devido ao desastre que fora sua primeira gestão (1985/90).
Outra candidata forte não é ex-presidente, mas filha de um deles, Alberto Fujimori, que, "out-sider" na política, só se elegeu na esteira do fracasso de Alan García. Chama-se Keiko Fujimori.
Única potencial novidade é Luis Castañeda, prefeito de Lima até outubro, quando renunciou para candidatar-se a presidente. Mesmo assim, é novidade muito relativa, pois já disputou o cargo no ano 2000.
Fecha a lista dos nomes principais o populista ou quase fascista Ollanta Humala, que também foi candidato em 2006.
Guatemala (setembro) - Aqui, a candidata favorita não é ex-presidente, mas a mulher do atual, Álvaro Colom. Chama-se Sandra Torres de Colom, que promete definir-se no mês que vem. Se se candidatar --e ganhar-- dar-se-ia o que o "site" Infolatam chama de sucessão à lá Kirchner --alusão ao fato de que, na Argentina, Néstor Kirchner foi sucedido pela mulher, Cristina.
O principal rival, até agora, tem igualmente sabor a velho: é Otto Pérez Molina, que perdeu o pleito anterior para o marido de Sandra.
Há mais potenciais candidatos, mas, até a definição de Sandra de Colom, pouco vale especular sobre suas possibilidades.
Argentina (outubro) - Tudo leva a crer que a presidente Cristina Fernández de Kirchner será candidata à reeleição, agora que morreu seu marido e antecessor, Néstor Kirchner.
Outro ex-presidente, Eduardo Duhalde, antecessor de Néstor, já se lançou candidato pela dissidência peronista. O vice-presidente Julio Cobos, rival dos Kirchner, pode tentar tirar o "vice" de seu posto. O filho do ex-presidente Raúl Alfonsín, Ricardo, também aparece na lista dos presumíveis candidatos.
Nicarágua (novembro) - É o país de continuísmo potencialmente mais forte: o candidato favorito até agora é o atual presidente, Daniel Ortega, cuja primeira presidência já pertence à pré-história. Ortega governou a partir de 1985, na esteira da revolução sandinista.
Depois, aliou-se ao que há de pior na política centro-americana, usou manobras escusas para ter o direito de tentar a reeleição e se beneficia do fato de a oposição de verdade estar muito fragmentada. Seu candidato tende a ser o empresário do setor radiofônico Fabio Gadea.
O outro candidato é Arnoldo Alemán, da extrema-direita, com quem Ortega se aliou e depois rompeu. Alemán também é ex-presidente (governou de 1997 a 2002, depois de derrotar Ortega) e foi condenado, um ano depois de deixar o governo, a 20 anos de prisão acusado de corrupção.
Como se vê, a expressão "velhos diabos" nem sempre é figura de linguagem.

Clóvis Rossi

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Verdades e amizades

Então o ano acaba, acaba a década, e a revista "Time" elege Marck Zuckerberg, o fundador do Facebook, o homem do ano de 2010, batendo Julian Assange, o fundador do Wikileaks. Foi uma boa disputa.
Heróis do nosso tempo, entendê-los ajuda a entender o que vivemos e o que viveremos, pois seus feitos parecem apenas o começo, um vislumbre.
Existem revoluções incrementais e existem rupturas. É fácil perceber que a web, cada vez mais veloz, capaz e abrangente, será cada vez mais disruptiva.
Nem Zuckerberg nem Assange têm escritório. Eles não respeitam hierarquias e regras, foram hackers e militam por um mundo mais aberto e conectado. Aberto e intrusivo demais para alguns, mas é a vontade da maioria.
Segundo a contabilidade da "Time", já defasada em mais de uma semana, o Facebook tem 550 milhões de participantes, ou uma em cada 12 pessoas do planeta, que gastam 700 bilhões de minutos no site por mês. E ganha por dia 700 mil novos membros, ou uma Santo André.
Zuckerberg foi quem, até aqui, descobriu a melhor forma de conectar as pessoas nesta era da conexão total, permanente e crescente. Queremos, isso tudo indica, compartilhar com nossos amigos nossos hábitos, nossos gostos, nossa rotina, nossas opiniões. O tempo todo.
Os usuários do Facebook já colocaram 15 bilhões de fotos no site, elas estão chegando em levas de 100 milhões por dia. Sim, 100 milhões por dia.
Quem sabe onde isso vai dar? Sabemos apenas que é apenas o começo da transformação. Das transformações.
Assange é outra face desse caleidoscópio cibernético mutante em que vivemos. Montou uma rede de vazamentos de documentos que inundou o mundo de informações confidenciais com rapidez e abrangência que nem os EUA nem as grandes corporações conseguem tapar.
A conexão total de todos com todos o tempo todo está liberando forças incontroláveis. E é excelente que sejam forças privadas, não-estatais. Não será a China que substituirá os EUA como hiperpotência global. Será a web. Seus usuários. Nós!
O sucesso de Zuckerberg e de Assange, do Facebook e do Wikileaks aponta para esse mundo de transparências pessoais e institucionais, um mundo de poucos segredos, de conhecimento radical e subversivo.
"Na disputa entre o segredo e a verdade, parece inevitável que a verdade sempre vencerá", dizia em 1958 o também visionário Rupert Murdoch, então dono de um jornal em Adelaide, na sua Austrália natal.
Seu conterrâneo Julian Assange usou essa frase para abrir uma carta que escreveu ao jornal "The Australian" defendendo suas ações. "Minha ideia é usar as tecnologias da internet de novas maneiras para reportar a verdade", escreveu Assange na carta.
E nisso Zuckerberg e Assange estão alinhados. Assange revelou ao mundo o mundo dos relatórios secretos dos diplomatas americanos nos quatro cantos do mundo, nos seus detalhes mais monótonos e picantes. A rede social de Zuckerberg faz o mesmo, mas expondo a vida íntima de sues usuários, mais monótona do que picante, uma exposição voluntária e muitas vezes compulsiva.
"Estamos tentando mapear o que existe no mundo", disse Zuckerberg candidamente à "Time". "Acho que, como humanos, basicamente analisamos o mundo através das pessoas e das relações que temos. Então, no fundo, o que estamos tentando fazer é mapear todas essas relações de confiança, o que se pode chamar, na maioria das vezes, de amizades."
Verdade e amizade. O Wikileaks e o Facebook nos mostraram como as novas tecnologias podem promover essas grandes virtudes. É um promissor final de década, e o século da informação mal começou.

Sérgio Malbergier

Companhia

O sistema de saúde nacional do Reino Unido, entre seus serviços livres de críticas rigorosas, oferece, sempre grátis, é claro, algo dos mais simpáticos: um ou uma carer, ou seja, alguém que cuide, que faça principalmente companhia aos velhinhos com 75 anos ou mais.
Funciona melhor ou pior dependendo da parte do país em que se está. Quase um jogo de sorte. Ou azar.
Sempre simpatizei com as pessoas que se oferecem para serem carers e nunca me ocorreu perguntar se ganham alguma coisa pelas horas que passam cuidando e zelando pelos aqui chamados OAPs (old age pensioners), ou seja, velhinhos e velhinhas aposentados. Só aguardando. E, sabemos, aguardando alguém que não Papai Noel.
Na casa em que moro há mais de 30 anos, datada do período final da época vitoriana, somos cinco flats, ou apartamentos. Sou o residente veterano. Mas não o mais velho.
Moro no que chamaríamos de segundo andar, mas que para eles é o terceiro. No flat térreo, há alguns anos, mora, sozinho, um velho que eu acreditava indiano e que só agora vim a descobrir que é paquistanês. Sozinho.
O Paquistão, entre suas complicadas fronteiras, tem mais de 162 milhões de habitantes. Algumas centenas de milhares vieram desfrutar da diáspora britânica.
Meu vizinho, repito, vive sozinho. Sempre viveu, ao menos desde que para cá se mudou.
Não sou de me dar com as pessoas. Nada sei dele. Nada sabe ele de mim. Cumprimentamo-nos com muxoxos estrangeiros no saguão de entrada, quando vamos conferir a correspondência.
Vez por outra, na rua. Ele com seu jornal debaixo do braço e um saco plástico por certo cheio de exotismos culturais. Eu com os meus: sucos e a comida para a gata.
Mais de uma vez dei com uma senhora, em tudo britânica, entrando ou saindo de seu apartamento.
Ora, muito bem, meu espírito maroto exclamou baixinho, só para eu ouvir. E o vizinho esse me parece alguns anos mais velho do que eu. Vive-se apenas uma vez, comentou outro espírito mais compreensivo, que também não me larga.
Na segunda-feira desta semana de Natal, a vizinha de cima me procurou (com ela tenho mais papo: alô, tudo bem, como é que vai) e, da porta - ela jamais pensaria em pedir para entrar --, me expôs uma situação.
O senhor Patel, do térreo, tem uma carer que vem todos os dias e fica com ele das 10 da manhã às 4 da tarde. Acontece que, com essa nevasca e suas complicações, ela não poderia vir na quarta-feira, dia 22, será que eu... Notara que eu não saíra de casa há umas duas semanas para cá. Sabia que era apenas uma gripe mais forte (minha mulher bate papo com vizinhos), e, com a maior delicadeza, perguntou se eu me incomodaria de passar as 6 horas da quarta com mister Patel.
Eu disse que teria o maior prazer. A vizinha de cima me deu as coordenadas. Ele tinha 81 anos, era paquistanês, viúvo há mais de 15 anos, bonérrima pessoa -- e coisa e tal. Tudo bem, disse eu. quase que com um pequeno ho, ho, ho, de Papai Noel inglês enfeitando minha anuência. Pois nada mais anuente do que ficar quase que um dia inteiro com um paquistanês. Ainda mais, desconhecido. Só desejei que ele também estivesse tão ansioso quanto eu.
Resumindo: passei as 6 horas, de 10 da manhã às 4 da tarde, com o senhor Patel.
Ele numa poltrona quase tão bege quanto sua pele, eu numa verde como já foram meus olhos. Serviu-me chá com biscoitos por volta de 1 da tarde.
O papo foi um horror. Ele não gostava de livro, cinema ou televisão. Tinha apenas saudades de Islamabad e dos amigos e parentes que ficaram para trás ou se foram de vez. Não demonstrou a menor curiosidade pelo meu país ou cidade de origem, embora eu o tenha feito falar mais de 10 palavras sobre toda a história do Paquistão, que não é tão antiga assim, começou em 1947. Falou muito mal dos ingleses. 'Uma gente terrível. Mandona. Todos com o rei ou a rainha na barriga. E isso aqui, a cada dia, vai de mal a pior.'
Esta sua tônica, e sem gim. Algo tímido (afinal estava no papel de zelador), tentei defender. Depois me deu uma coisa e eu também comecei a baixar a lenha. Até onde percebi, só aí foi que ele me aceitou. Passando a falar dos 5 mil cristãos britânicos em sua terra, com suas igrejas anglicanas e suas roupas novas no Natal e a missa nas igrejas lotadas, missas que eles chamam de Bara Din (O Grande Dia) no dia 25.
Não entendi se esse 'eles' eram os ingleses expatriados ou os paquistaneses patriados. Tanto fazia. O importante eram as seis horas passarem. Pois passaram. Deus, Alá, seja quem for, é grande.
Voltei para minha gripe e solidão, sem carer, mas com aromas sedutores e imaginários nas narinas das especiarias do país que eu acabara de visitar. Ou que me visitara.
Até hoje, respirando fundo, sinto cheiro de um curry amarelíssimo, açafrão, gengibre. Cominho, pimenta e alecrim.
Espero ter deixado, atrás de mim, em seu flat, como um modelo de tevê da colônia de Calvin Klein, um rastro de feijoada, um aroma de vatapá, uma fragrância de munguzá.
Continuamos, eu e o senhor Patel (nunca soube seu primeiro nome, nem ele o meu), dois velhos mistérios numa velha casa inglesa. Ele, com carer, eu com gata.

Ivan Lessa

Só faltava o terror ao drama italiano

Desta vez, não dá para acusar Silvio Berlusconi pelo mais recente drama italiano, os dois atentados de ontem contra as embaixadas do Chile e da Suíça. De todo modo, é um problema a mais a somar-se às intermináveis dores-de-cabeça do premiê e, por extensão, da Itália.
É pesado acrescentar terrorismo a uma lista que vai de escândalos em cascata à perda da maioria na Câmara, passando pela revolta estudantil e chegando à entrada da Itália na lista de países que podem ser as próximas vítimas dos ataques especulativos dos mercados.
Pior: não estava claro a que terrorismo culpar pelos atentados. O ministro do Interior, Roberto Maroni, preferia a chamada "pista grega", alusão aos pacotes-bomba enviados no mês passado à missões diplomáticas em Atenas, ao que tudo indica por grupos anarquistas. Um dos pacotes, aliás, atingiu a embaixada da mesma Suíça ontem atacada.
"A Grécia, a Espanha, a Itália, vigiam a presença de grupos anarco-insurrecionais estreitamente vinculados entre si", diz o ministro.
Por que a Suíça, com sua longa tradição de neutralidade seria alvo? Porque grupos anarquistas tidos como "eco-terroristas" pedem a libertação de seus camaradas presos em cárceres suíças, casos por exemplo de Marco Camenisch, militante antinuclear, preso na Itália nos anos 90 e extraditado para a Suíça, e de "Costa, Silvia e Billy", cujos nomes constavam de mensagem deixada junto a uma bomba que não explodiu encontrada na cerca da embaixada de Roma da Suíça, em outubro.
Há, portanto, consistência na "pista anarquista", ainda que ela não explique porque o Chile foi o segundo alvo.
Como, de todo modo, ninguém havia reivindicado os atentados até o anoitecer, o que não é procedimento padrão do terrorismo anarquista, suspeita-se igualmente da indefectível "pista islâmica".
Afinal, a neutra Suíça entrou na lista de alvos do fundamentalismo islâmico depois do referendo de novembro de 2009 no qual foi aprovado o veto à construções de novos minaretes, decisão interpretada como parte da crescente "islamofobia" que varre a Europa - e da qual, de resto, a Itália não está isenta com a atual coalizão de governo, de forte inclinação xenófoba.

Clóvis Rossi

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Sangue e porrada

Nas últimas semanas, gregos, irlandeses, italianos e ingleses arregaçaram as mangas e foram "para o pau" contra seus governantes. São ainda os reflexos da crise de 2008/2009.
Os países europeus vêm anunciando novas rodadas de cortes em seus orçamentos, aumentos de impostos e taxações de todos os tipos para diminuir o rombo nas contas públicas.
Foi entrando no vermelho (assim como nos EUA) que esses países conseguiram evitar (ou adiar) o colapso do sistema bancário há dois anos. Quem vai pagar por isso são os contribuintes.
Com o desemprego já elevado, a renda estagnada ou em queda, restou à população reclamar do novo arrocho, em muitos casos violentamente.
Nesta que deve ser a última coluna de 2010, um resumo "quadro a quadro" mostrando em que pé o mundo está. Clique nos números e, abaixo, leia as explicações correspondentes:
1 - Apesar de cortes orçamentários e aumentos de receita, a trajetória do endividamento de várias economias europeias continuará ascendente pelo menos até 2012. Isso pode ir além por conta de uma combinação venenosa: a necessidade de se reduzir gastos, que leva a um crescimento menor, e uma nova deterioração nas contas dos bancos.
Em particular dos bancos que têm em demasia nas suas carteiras títulos lastreados em dívidas públicas ou em créditos imobiliários.
2 e 3 - O mercado já tem certeza de que a crise será duradoura. Por isso, pede juros cada vez maiores para rolar as dívidas dos países europeus mais endividados. Nos últimos dois meses, o custo médio da "rolagem" dos débitos de Irlanda, Grécia, Portugal e Espanha ultrapassou o dos países emergentes, tradicionais caloteiros do passado.
Em relação aos europeus, essa mesma palavra, calote, já aparece "preto no branco" em relatórios da banca.
4 - Um pepino adicional de enormes proporções está a caminho, especialmente nos EUA. O estouro da chamada "bolha imobiliária" foi o estopim da crise global em 2008. Mas os calotes que se seguiram ficaram restritos ao segmento de imóveis residenciais.
O quadro mostra que uma onda de vencimentos de dívidas vem aí, desta vez concentrada no segmento de imóveis corporativos. Com o mundo ainda de joelhos, milhares de imóveis comprados financiados por empresas estão ficando inadimplentes, exigindo que os bancos os refinanciem por mais tempo.
É mais água no moinho do endividamento, que está na base desta crise global onde empresas, famílias, bancos e agora governos devem como nunca.
5 - O desemprego segue elevadíssimo nos países avançados e baixo entre os emergentes (à esq.). A produção industrial (à dir.) voltou a fraquejar neste final de ano, o que prenuncia talvez um 2011 mais morno entre os emergentes, com fortes reflexos nos combalidos países avançados.
Se os emergentes esfriarem, as economias mais ricas (já deprimidas internamente) terão menos mercados para exportar. Isso só alimenta a combinação venenosa descrita acima.
6 e 7 - Para completar, a inflação está de volta no mundo todo, em especial no Brasil.
Isso exigirá apertos nos gastos e, eventualmente, aumento de juros para segurar a atividade econômica e os preços. Sobretudo entre os emergentes, que hoje importam grandes quantidades de produtos que as economias ricas não conseguem vender internamente.
No Brasil, por exemplo, as importações avançaram 41% no trimestre julho-setembro sobre igual período de 2009.
Mas, não custa tentar: ótimo Natal e 2011 para todos!

Fernando Canzian

Crônica de um fracasso não anunciado

Bem que Fidel Castro avisou, tempos atrás, que o modelo cubano já não servia nem para a própria ilha caribenha quanto mais para exportação.
É verdade que ele deu um leve desmentido depois. Aliás nem desmentido foi. Afirmou apenas que fora "mal interpretado".
Não foi, não. Agora, no fim de semana, seu irmão e sucessor, Raúl Castro, disse rigorosamente a mesma coisa, com outras palavras e maior contundência.
Depois de criticar os "erros" de meio século de socialismo, o presidente afirmou, com todas as letras: "Ou retificamos ou já se acaba o tempo de continuar caminhando à beira do precipício". Mais: "Afundaremos e afundaremos o esforço de gerações inteiras".
Raúl Castro estava traçando os rumos para o 4º Congresso do Partido Comunista de Cuba, previsto para abril e cuja tarefa central será, sempre segundo o presidente, "transformar conceitos errôneos e insustentáveis a respeito do socialismo, muito enraizados em amplos setores da população durante anos, como consequência do excessivo enfoque paternalista, idealista e igualitário que instituiu a revolução em busca da justiça social".
É o mais perto que consegue chegar um dirigente político, mais ainda em uma ditadura, de confessar: "Fracassamos".
Fracassar talvez seja uma palavra forte demais. Se fosse possível abstrair o fato de que se trata de uma ditadura --e eu não acho que seja possível fazer tal abstração-- até daria para dizer que o castrismo trouxe alguns progressos para a ilha, especialmente em termos de educação e saúde.
Mas fica claro que os progressos se deveram, em grande medida, ao patrocínio da União Soviética. Cortado este, começou o que eufemisticamente se chamou de "período especial", uma era de penúrias intensas que só foram amenizadas quando surgiu um novo patrocinador, na figura da Venezuela de Hugo Chávez.
O problema, para os cubanos, é que Chávez não tem bala suficiente para sustentar Cuba, como tinha a extinta URSS.
Consequência: tornou-se inevitável mudar o socialismo para um regime em que a iniciativa privada conviverá com um Estado ainda muito presente, mas que já não controlará toda a economia (hoje, controla 90%).
Na verdade, o que se pretende mudar é o que os cubanos ironicamente chamam de "sociolismo", uma mistura de socialismo com ócio e com compadrio. Um exemplo basta: país agrícola, Cuba importa 80% dos alimentos que consome, enquanto a metade das terras aráveis, em mão de empresas estatais, simplesmente não produz.
O excesso de paternalismo aparece no fato de que o Ministério da Construção emprega 8 mil pessoas, entre operários e pedreiros, para sua atividade-fim, mas tem 12 mil vigilantes na folha de pagamento.
Vigiam o quê? Em tese, nada, porque, em sendo uma propriedade estatal, ninguém teria interesse em roubá-la porque estar-se-ia roubando de si mesmo, certo?
Errado: o "homem novo" que a revolução deveria construir, segundo Che Guevara, imbuído dos nobres ideais igualitários do socialismo, não foi parido nem mesmo depois de 50 anos de comunismo.
Eu deveria ter me dado conta dessa lacuna no já remoto ano de 1977, na primeira viagem a Cuba, quando ainda era uma ilha proibida para brasileiros.
Cheguei impregnado do espírito do livro "A Ilha", de Fernando Moraes, então apenas um repórter, não o autor consagrado de hoje. O livro era um tremendo oba-oba para a revolução. O detalhe menor mas que me chamou a atenção era assim: Moraes dizia que os trabalhadores cubanos não aceitavam gorjetas, esse feio hábito capitalista.
Acreditei. O "boy", não tão "boy" assim, que levou minha mala ao apartamento do Hotel Nacional, depositou-a no chão e ficou esperando. Como eu achava que gorjeta não entrava na cabeça dele, também fiquei esperando que ele saísse. E ele esperando que eu pusesse a mão no bolso e sacasse pesos cubanos para afrontar o espírito revolucionário. E eu esperando que ele se imbuísse de tal espírito e fosse embora sem gorjeta.
Ao fim de cinco minutos, desisti, dei a gorjeta, ele agradeceu e finalmente foi embora.
Assim como Fernando Moraes, um punhado grande de intelectuais e artistas brasileiros e de muitos outros países também ficou entoando canções de amor incondicional e eterno à revolução. Por cegueira ou covardia, foram incapazes de dizer "o rei está nu" ou, ao menos, "ei, vocês estão caminhando à beira do precipício", para usar a imagem de Raúl Castro.
Foram os irmãos Castro que tiveram que fazer o papel de intelectuais porque a grande maioria deles preferiu demitir-se de seu dever inalienável de funcionarem como grilos falantes de qualquer modelo. Triste.

Clóvis Rossi

Trapero e Coppola

Estão em cartaz em São Paulo o excelente "Tetro", do norte-americano Francis Ford Coppola, e o bom "Abutres", do argentino Pablo Trapero. São filmes bastante diferentes, mas que têm em comum dois elementos que, juntos, ajudam a configurar a tragédia de cada história: Buenos Aires e acidentes de carros.
A obra mais recente do diretor de "Apocalipse Now" e "O Poderoso Chefão" se passa principalmente nas regiões de San Telmo e da Boca. Ou seja, a Buenos Aires que passou a ser ocupada por italianos principalmente no século 19. A vinda desses europeus foi estimulada pelos intelectuais da época, mas vista com muito preconceito pela aristocracia local, que os responsabilizou até mesmo pela terrível epidemia de febre amarela que assolou a cidade na segunda metade daquele século. Com o tempo, o lugar acabou virando uma zona meio marginal mas irresistivelmente boêmio, famoso por seus cafés, bares e casas de tango e espetáculos.
É nesta zona que Coppola ambientou a trama de "Tetro", nos dias de hoje. Bennie é um rapaz norte-americano de 18 anos que vem buscar respostas sobre sua origem com o suposto irmão, Tetro. Este não aceita bem a visita, por razões que descobriremos mais tarde. Tetro abandonou a casa paterna nos EUA fugindo de dois traumas. O primeiro, ter sido responsável pela morte da mãe num acidente de carro. O segundo, ter tido a namorada roubada pelo pai, um maestro famoso.
Invertendo um clichê, as cenas do presente são filmadas em preto e branco, enquanto as do passado são coloridas. A trilha sonora é do renomado compositor contemporâneo Osvaldo Golijov (que coincidentemente passou uma curta e exitosa temporada com a Osesp neste ano).
Rejeitado por Tetro, Bennie é acolhido pela mulher dele, Miranda (a espanhola Maribel Verdú, que agrega um toque do cinema mágico deste país). É ela quem o leva para o hospital depois que ele é atropelado por um carro e quem o alimenta, durante a recuperação, com os manuscritos de uma obra inacabada de Tetro.
Bennie vê nesses papéis a possibilidade de colocar um ponto final num mistério, e inventa um fim para o texto de Tetro, à revelia deste. A obra vira uma peça de teatro que é aclamada pela temida crítica local, uma mulher chamada Alone (que parece saída de um filme de Almodóvar ou David Lynch). Na noite em que a montagem seria consagrada, porém, há uma reviravolta e um desenlace que por pouco não é interrompido por um novo acidente de trânsito.
Já "Abutres" ocorre numa região sem nada do glamour da Boca ou de San Telmo. Estamos na San Justo natal de Trapero, região da grande Buenos Aires. Um subúrbio parecido ao local onde foi ambientado "El Bonaerense", talvez o filme do argentino mais conhecido internacionalmente. A maior parte da trama ocorre durante a noite, o que torna o filme propositadamente incômodo. A médica Luján (Martina Gusmán) atende acidentados quase sem parar durante intermináveis turnos. E só aguenta o tranco porque aplica em si mesma doses de alguma droga.
É nas ruas que Luján conhece Sosa (Ricardo Darín), um "abutre". Ou seja, um sujeito que aparece ao morto-vivo recém-acidentado e se oferece para ser seu representante para a obtenção do seguro. Os "abutres" são aproveitadores sem dó de suas vítimas, e chegam até a encenar acidentes (às vezes com consequências trágicas) em troca de alguns pesos. Tão logo o filme entrou em cartaz, a imprensa local de Buenos Aires pôs-se a fazer reportagens sobre os verdadeiros "abutres", que viraram assunto de debate nacional.
Luján e Sosa se apaixonam e têm um romance nada adocicado devido à desesperança em que vivem e à dureza de seu cotidiano. Decidem sair desse universo, mas é tarde demais e Sosa se vê enredado numa encrenca muito mais séria, que logo se materializará num crime.
Se "Tetro" quase acaba num acidente de trânsito, "Abutres" sim. E apresentado num sensacional plano-sequência que deixa um gosto amargo na boca. Ao final, a noite de Buenos Aires acolhe as duas tragédias, a familiar de Coppola, e a da "dura realidade" de Trapero.
O filme de Coppola não foi bem recebido pela crítica internacional, injustamente. Já o de Trapero vai representar a Argentina no Oscar, com menos chances de repetir o feito de "O Segredo de Seus Olhos" no ano passado. De todo modo, ambos estão no circuito comercial por aqui e merecem ser vistos.

Sylvia Colombo

domingo, 19 de dezembro de 2010

Semana de Amor

Viagem de volta ao passado!



Blog de Josias de Souza

Primeiro diploma!



Blog de Josias de Souza

Congre$$o!



Blog de Josias de Souza

Lula e o povo

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva intensificou o ritmo de viagens pelo Brasil no último mês de governo. As despedidas ao estilo Silvio Caldas têm sido criticadas.
Para alguns, Lula estaria quebrando a liturgia do cargo, comportando-se como um caudilho que não consegue suportar a perda das mordomias presidenciais.
Na opinião de outros, ele seria emotivo demais para um cargo que exigiria maior compostura. Fala-se até em desrespeito institucional.
São críticas injustas. Mais uma vez, o presidente é subestimado. Atribuem a ele intenções menores, como se o contato com a população fosse uma manipulação e não um sentimento real.
Ora, Lula é um presidente com uma trajetória pessoal e política diferente dos que governaram antes. É o primeiro metalúrgico eleito para comandar o país. Não esconde que é emotivo, chorão. Fala que governa com o coração. Nunca quis se comportar como um intelectual ou um lorde na Presidência.
Nos dias 13 e 14 de dezembro, em viagem ao Ceará, Paraíba e Pernambuco, Lula fez discursos e gestos civilizadores do ponto de vista político.
Em Missão Velha (CE), falou para uma multidão que aguardava sua chegada numa estação de trem. Ele havia andado no vagão de passageiros VIPs da ferrovia Transnordestina. Encontrou homens e mulheres sorrindo e chorando ao ver um presidente com o qual se identificavam.
No característico estilo informal, deixou o discurso escrito de lado e improvisou. Disse que os nordestinos tinham o direito de ambicionar ser mais do que serventes de pedreiro em São Paulo. Subiu o tom de voz para afirmar que podiam sonhar em ser médicos, arquitetos, advogados. Retratava a sua própria história. Desceu do palanque e foi abraçar, beijar e tirar foto com quem quisesse.
Na visita a São José de Piranhas (PB), andou dentro de um túnel que está no começo da construção. Quando ficar pronta, em 2012, a obra servirá de leito à transposição das águas do rio São Francisco. Terá 15 quilômetros.
Informado de que um grupo aparecera fora do roteiro, ele, mesmo atrasado, foi falar com cerca de 100 pessoas _a maioria funcionários da obra e seus familiares. Um adolescente veio com o pai e a mãe de João Pessoa (horas de carro em estrada ruim) para conhecer o presidente. Os dois se abraçaram e choraram.
Lula discursou sobre a emoção de um "filho de dona Lindu" executar algo que o imperador Pedro 2º sonhara realizar. Mais uma vez, repetiu que as mudanças inegáveis no Nordeste, região que tem crescido acima da média nacional, criaram oportunidades para melhorar de vida de todos ali. Incentivou nordestinos a ter orgulho de sua origem. Reconheceu que faltava muito por fazer, mas que todos deveriam ajudar Dilma Rousseff a fazer mais e melhor. Disse que, fora da Presidência, gostaria de voltar ali e participar da inauguração do canal.
Nesse mesmo dia, em Salgueiro (PE), numa tarde com 38ºC, entregou títulos de propriedade a famílias que serão reassentadas numa área rural beneficiada pela transposição. O discurso das outras solenidades se repetiu em linhas gerais, mas despertou atenção uma conversa entre uma moça e o presidente ao final, quando ele tradicionalmente desce do palanque para atender aos pedidos de fotos, beijos e abraços.
Sem os incisivos superiores, ela pediu a Lula que lhe arrumasse os dentes. Quando um repórter se aproximou, ela fechou a boca.
Passou a falar com Lula aos murmúrios. Olhos marejados, o presidente chamou o prefeito da cidade. Perguntou se ele havia recebido verba do programa "Brasil Sorridente". O prefeito disse que sim.
O presidente pediu, então, que o prefeito cuidasse pessoalmente do caso da moça, que ele iria acompanhar mesmo depois de sair do Palácio do Planalto. Virou-se para ela e deixou claro que não seria preciso pagar nada. Repetiu que era um direito dela e que ela fazia muito bem em querer colocar dentes novos, para ficar mais bonita.
Despediram-se com um beijo e um abraço daqueles de urso que Lula costuma dar. Ela se afastou e sorriu. O repórter quis saber seu nome. Envergonhada, ela tapou a boca e disse que não queria conversa.
Antes de entrar no carro para outro ato, Lula falou com Júlio Bersot, assessor que pega todos os bilhetes e pedidos nos eventos. Pediu que acompanhasse o caso da moça e que cobrasse o prefeito.
Nesses dois dias, Lula discursou e chorou muito. Não consta que tenha dito algo impróprio para um presidente com a sua biografia.

Regra do jogo

As críticas sobre o comportamento de Lula em relação às instituições devem ser vistas pelos dois lados. É fato que ele passou a mão na cabeça de muitos companheiros acusados de crimes, o que é um erro para quem deve ser o primeiro a dar o exemplo. Mas tem a seu favor, pelo menos, duas atitudes que valeram mais do que palavras.
Nomeou quatro vezes para procurador-geral da República o candidato mais votado na lista do Ministério Público. Esse cargo tem o poder de pedir abertura de investigação contra o presidente no STF (Supremo Tribunal Federal).
Também fugiu da tentação de mudar a Constituição para concorrer a um terceiro mandato.
É salutar que Lula seja criticado, mas ele tem o direito de espernear e de apresentar seus argumentos. Tem o direito de ir aonde o povo está. Tem o direito de defender o seu governo. Não faz nada contra a regra do jogo. Está fazendo política.
Se o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e os tucanos tivessem feito o mesmo em relação ao bom trabalho do PSDB entre 1995 e 2002, não estariam no mato sem cachorro em que estão.
Lula deixa Brasília com popularidade recorde. A fotografia na história será bem mais positiva do que negativa. Cumpriu a promessa básica de melhorar a vida dos mais pobres. Ampliou a relevância do Brasil no mundo. Elevou a auto-estima dos brasileiros. Errou na política, sobretudo ao contrariar a pregação ética do PT, como mostrou o mensalão. Houve excesso de pragmatismo nas alianças políticas, mas ele precisou delas para governar um país complexo, ainda atrasado em muitos aspectos.
No balanço geral, fez um bom governo. Se comparado às expectativas que o cercavam na eleição de 2002, realizou uma ótima administração.

Kennedy Alencar

Ele, o tédio

Tédio. Que palavra é essa afinal? Pra resumir, segundo o Dicionário Houaiss: sensação de enfado produzido por algo lento, prolixo ou temporariamente prolongado demais. Enfim, a gente sabe muito bem. Mas e eles, o que sabem? Pouco, arrisco. Deveria ser terminantemente proibido para menores de 15 anos o uso da expressão: "Estou entediado..." Isso, assim mesmo, com reticências, como se o aborrecimento não tivesse fim e se alongasse, alongasse, alongasse... E dá-lhe reticências. Pois não é que os meninos entraram em férias esta semana e a primeira, vejam bem, a primeira coisa que o João falou foi: "Nossa, começaram as férias! O que vou fazer amanhã? Que tédio..." Caramba, não sei direito o que anda acontecendo com essa molecada pois, ainda me lembro muito bem que, os meus primeiros dias de férias, com toda aquela infinidade de folgas que ainda estava por vir, eram, disparado, o momento mais aguardado do ano. Sobretudo em dezembro, que, de quebra, ainda trazia o Natal como brinde. Agora, se dizer entediado logo de cara, no primeiro dia, ora, faça-me um favor!
No começo, achei que se tratava de um fenômeno localizado. Sei lá, o menino aprendeu essa palavra nos livros, nos filmes, na escola e, achando-a incrivelmente "adulta", tinha decidido usá-la com toda a pompa que o termo exige. Talvez. Mas mais elucidativo foi um papo que tive com alguns amigos também na semana que passou sobre o tema. E, vejam bem, todos, todos, relataram a mesmíssima situação: crianças de 8, 9, 10 anos se dizendo entediadas em casa com o início das férias escolares. Puxa vida, foi aí que caiu a ficha. O negócio era mais grave do que eu pensava. Estávamos vivendo uma verdadeira epidemia de tédio! E, pior, gravíssima, dada a natureza do fenômeno que tende a paralisar impulsos, vontades e atitudes dos pequenos sobretudo numa época em que eles tem todo o tempo do mundo à sua disposição. Meu Deus, o que fazer??? Contratar animadores de circo em tempo integral? Matriculá-los em cursos de férias de Kumon? Interná-los em acampamentos saturados de outros meninos igualmente entediados e potencialmente melequentos? Nada disso. Resolvi investigar. E, só depois, agir.
A primeira constatação tem a ver com nós mesmos, pais, que visando o futuro perfeito e dourado de nossos rebentos, fazemos de tudo para preencher o tempo deles com atividades "instrutivas e fundamentais à construção do seu intelecto e cidadania". E olha que eu nem sou daqueles que entulham a rotina dos pequenos de cursos e mais cursos. Nada disso. O que eles fazem, o fazem 90% do tempo na própria escola. Ok, tem aí aulas de natação, judô, capoeira, futebol e línguas, claro --mas este último tá no currículo, então não conta. Ou será que sim? Bem, não sei, o que notei é que ainda que não saiam correndo de um lado para o outro atrás de aulas e mais aulas extras, os meninos passam o dia inteiro no colégio numa imersão total com seus amigos e professores. Assim, é natural que sintam falta da rotina e dos seus "pares". Ok. Mas não é só isso.
Outra constatação diz respeito à quase ausência de amigos de "bairro". Não sei se isso acontece com vocês, mas com os meus ocorre em certa medida. E já foi pior, principalmente porque moramos num prédio antigo, com poucos apartamentos, sem área de lazer comum, o que acaba se convertendo num empecilho para a socialização. O problema foi em parte sanado com amiguinhos que vivem nos arredores, a três, quatro quadras de casa, distância que pode ser facilmente vencida a pé e em poucos minutos. O complicado é conciliar as agendas, já que todos vivem em constante movimento, saltando de uma atividade para outra. Mas no fim tem rolado um entrosamento bacana, que, espero, possa ser utilizado de forma eficiente no combate contra esse nosso terrível inimigo comum, "aquele que tememos dizemos o nome", ele, o tédio!
No fim de tudo, concluí que a junção dos dois fatores talvez seja responsável por, quem sabe, 50% do problema. A outra metade, tenho certeza,não depende de ninguém mais, a não ser de nós mesmos. É a solução é muito, mas muito mais simples do que parece. Basta lembrar da época em que éramos pequenos. Bem, primeiro preciso admitir que eu só fui saber da existência dessa palavra (tédio), depois dos 15 anos (época braba....) e, jamais, vejam bem, jamais cheguei pro meu pai chorumelando algo como: "Pai, estou entediado..." E se tivesse tido, imagino que a reação dele teria sido algop na linha: "O quê? Entediado? E que tal pegar numa enxada para carpir o mato? Ora, vai brincar moleque e não me amola!" Pronto. E eu teria ido imediatamente. Aí está o antídoto: brincar. Não importa de quê, nem com quem. Videogame, carrinho, jogo de tabuleiro, pega-pega, futebol, laboratório, bonecos de ação, tudo vale. Se cansar, pode ler um livro, uma revista em quadrinhos, ver um filme no DVD. Ainda não acabou com ele, pode ir pra cozinha, fazer pipoca, sorvete, pão de queijo. Sobrou um tempinho? Aproveita pra dar um mergulho na piscina, correr na pracinhas, encher o saco do irmão menor. Enfim, o fato é que, definitivamente, não há porque uma criança se sentir entediada nas férias. Nunca, jamais! De jeito nenhum! "Vai brincar, moleque!"
Em tempo: Esta semana tem Natal. Aproveito para desejar a todos muitas felicidades e um ano novo muito, mas muito melhor do que este que passou. Volto em 2011. Grande abraço a todos!

Luiz Rivoiro

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Instintos primitivos!



Blog de Josias de Souza

O primeiro pedaço!



Blog de Josias de Souza

Temer sobre Ciro: ‘Ele vai tomar as cautelas verbais’



Blog de Josias de Souza

Crepúsculo!



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Natal novo, decoração antiga!



Blog de Josias de Souza

Neopoodle-toy!



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A ficha limpa da educação

Imagine governantes sendo processados por não cumprirem metas educacionais --e isso significaria, além do vexame, perdas de recursos para seus Estados e cidades. Não tenho dúvida de que essa medida criaria mais pressão e obrigaria prefeitos a serem mais comprometidos com o ensino público. Esse projeto acaba de entrar no papel, enviado ao Congresso pelo ministro da Educação, Fernando Haddad. Se vai sair do papel é o que vamos ver.
A lei da responsabilidade educacional era conversa de alguns especialistas da educação, dessas conversas que parecem que não vão levar a nada. Foi ganhando adeptos. E, enfim, virou projeto oficial dentro do Plano Nacional de Educação, que acaba de ser anunciado --o conjunto de metas para os próximos dez anos.
Já está crescendo (menos do que gostaríamos, mas está), a pressão da opinião pública por melhor qualidade de ensino. O tema se transformou em consenso entre líderes empresariais. Uma lei punindo governante pelo descaso ou incompetência com os alunos seria uma espécie de "Ficha Limpa" da educação.
É daqueles assuntos, assim como o Ficha Limpa, que deveria virar uma bandeira de todo o pais.
Um grupo dos mais importantes educadores brasileiros se reuniu num encontro fechado em torno de uma questão: o que você faria,se fosse presidente, para melhorar o ensino? Era um convite para o sonho, a construção de uma agenda do futuro. Esse documento é lançado nesta semana, Vale a pena ler a íntegra no www.catracalivre.com.br.

Gilberto Dimenstein

Lulamania, o teste

De cerimônia oficial em cerimônia oficial, Lula vai celebrando sem muita cerimônia o final de sua era com os costumeiros autoelogios e um inusitado e volumoso balanço de seu governo registrado em cartório, cuja íntegra está disponível no site da Secom (secom.gov.br)
Se o nosso presidente não fosse o democrata que é, suspeitaria de um culto à personalidade extemporâneo. Prefiro crer, porém, que seja o justo registro de um espantoso êxito.
Os preconceituosos que me perdoem, mas Lula foi o maior presidente do Brasil até aqui.
E justamente pelo motivo que o diferencia de todos os seus antecessores: sua origem. Lula foi o nosso primeiro presidente oriundo da base da base da pirâmide social. Ele trouxe um senso de urgência e uma visão do país que nossos outros presidentes não trouxeram: a do Brasil miserável, cujos problemas são urgentes há séculos e cujas soluções são a chave para o progresso.
Esse input mostrou-se fundamental para destravar o país.
Mesmo com um discurso muitas vezes acusatório em relação às elites, Lula entendeu finalmente que não a luta, mas a união de classes seria a chave do desenvolvimento brasileiro.
Como Vargas, pai dos pobres, mãe dos ricos, Lula colocou os dois extremos do país no mesmo eixo de desenvolvimento.
Seu abraço ao capitalismo anulou a bestialidade da esquerda, fechou o consenso em torno da estabilidade político-econômica e liberou o nosso potencial. Sua sensibilidade biográfica o levou a valorizar o salário mínimo, as transferências de renda e o controle da inflação. Mais de 30 milhões de brasileiros emergiram da pobreza ao consumo, fortalecendo nosso mercado interno e dinamizando toda a economia.
Oito anos depois do pânico que a eleição de Lula causou no mercado (e como o mercado estava errado), o Brasil vive o melhor momento de sua história. Nossos defeitos, tão colossais quanto óbvios, são o mapa para o avanço. Os 16 anos de Fernando Henrique Cardoso e Lula deram ao país rumo claro e confiança para enfrentá-los.
A Lulamania terá seu grande teste a partir de 1º de janeiro, quando sua ungida, Dilma Rousseff, assume a Presidência.
Ouso dizer que vamos sentir saudades do presidente, mesmo aqueles que amam odiá-lo. Mas não creio que Lula vá muito longe. Pelo que fala e faz nesses últimos dias de governo, ele não deve se recolher à sua biblioteca.

Sérgio Malbergier

O Jogador

Ainda não foi desta vez que o jogo foi legalizado no Brasil. A turma ligada à moral e aos bons costumes se juntou à bancada da bala (polícia, Ministério Público, Fisco) e conseguiu barrar o projeto de lei dos bingos, que era defendido por setores associados à indústria do turismo e sindicatos de trabalhadores.
Não estou na folha de pagamento de nenhum desses lobbies e muito menos na dos donos de bingo, bicheiros e traficantes de drogas. Nunca entendi, porém, em qual lógica se baseia a ideia de que o Estado precisa proteger o indivíduo de si mesmo. Ou melhor, até compreendo, mas é uma lógica meio torta. Ela é, para dizer o mínimo, contrária a todos os princípios que fundamentam as sociedades abertas contemporâneas, que têm como pressuposto a noção de que os cidadãos são, na maior parte das vezes, seres capazes de tomar decisões racionais e por elas responder. Se não fosse assim, a própria lei penal deixaria de fazer sentido, para ficar num exemplo caro ao pessoal da segurança.
Receio, entretanto, que já esteja me antecipando. Comecemos pelo lado obscuro do jogo. Casos de pessoas que desenvolvem sérios problemas psicológicos e financeiros por causa da mania de apostar são conhecidos desde a Antiguidade. Foram imortalizados por autores como Dostoievski, cujo clássico "O Jogador" vale por um tratado de psiquiatria.
O jogo compulsivo, a exemplo das dependências químicas, é uma patologia crônica e progressiva. Associa-se ainda a outras moléstias psiquiátricas, como alcoolismo, tabagismo, depressão e até ideações suicidas. Contrariando o estereótipo das velhinhas viciadas em bingos, o que a literatura mostra é que a população mais suscetível é composta por homens jovens. O fator genético parece ser relevante. Filhos de jogadores têm maior probabilidade de desenvolver a moléstia.
E a ideia de que há uma correlação entre a exposição ao jogo e a maior prevalência de apostadores patológicos é não apenas intuitiva como está até certo ponto amparada por dados empíricos. Numa série de trabalhos realizados nos anos 90, Rachel Volberg, uma das maiores especialistas dos EUA no assunto, apresentou números que apontavam para um crescimento da prevalência de jogadores-problema e patológicos e para uma maior concentração destes nos Estados em que havia mais oportunidades para fazer apostas. Não por acaso, Nevada, onde fica Las Vegas, era o campeão.
Mais recentemente, porém, surgiram algumas meta-análises sugestivas de que a situação pode não ser bem assim. Um trabalho realizado em 2007 a pedido da Comissão de Jogo do Canadá e assinado por Jamie Wiebe e pela própria Volberg indica que a introdução de novas oportunidades de apostar (loterias, cassinos, internet) faz com que, num primeiro instante, aumente a prevalência de jogadores patológicos, mas, após algum tempo, esse número tende a estabilizar-se e até a declinar. Depois de analisar mais de uma centena de estudos, os pesquisadores estimam que a proporção de jogadores patológicos na população mundial gravite em torno de 1%.
Mesmo os dados referentes a Nevada podem ser relativizados, quando se considera que a fatia dos jogadores-problema é significativamente maior entre os que se mudaram para o Estado há menos de dez anos do que entre os que nele nasceram: um dos sintomas da patologia é fixar residência perto de um cassino.
Outro aspecto interessante é que o jogo é literalmente um negócio para trouxas. Trabalho de 2001 do Instituto Australiano para Pesquisas em Jogo mostrou que 48,2% das receitas de caça-níqueis no país vinham de jogadores-problema ou patológicos uma fatia de menos de 10% da população. O apostador comum, que gasta uns poucos trocados numa noite num cassino, pode até estar fazendo um "investimento" razoável, se o custo da diversão entrar no cômputo. O jogador habitual certamente está perdendo dinheiro, pois a única certeza probabilística é que, no longo prazo, os exploradores de jogos saem ganhando. É verdadeira a máxima segundo a qual a única forma de ganhar num cassino é sendo o dono dele.
A lista de problemas não acaba aqui. A associação entre jogo e crime é mais do que uma fatalidade histórica. Cassinos são lavanderias perfeitas para toda espécie de dinheiro obtido ilegalmente. Como proprietário de uma igreja, posso assegurar que só o pessoal do jogo rivaliza conosco na facilidade de oferecer "origem" para recursos financeiros que aparecem do nada.
Não devemos, contudo, ser ingênuos. Ninguém deixa de cometer um crime lucrativo porque a taxa cobrada para lavar o dinheiro resultante é elevada. A analogia é com o IR: nenhum trabalhador recusa um aumento salarial porque a elevação o faz cair numa alíquota de recolhimento maior.
Apesar de todos esses poréns e de outros que poderíamos acrescentar, acho que o jogo deve ser, sim, legalizado. Ninguém disse que o mundo é um lugar seguro. Todo indivíduo tem um ou mais pontos fracos e se sujeita diariamente a dezenas de tentações que podem atirá-lo em seu inferno particular. Assim como o alcoólatra e o diabético, que excedem os 10% da população, não podem pretender eliminar todos os bares e plantações de cana de açúcar do planeta, a existência de uma fração demográfica com propensão para desenvolver transtornos de impulso não recomenda a proibição de todo um ramo de atividade.
É difícil encontrar um problema de saúde pública mais premente do que o dos acidentes automobilísticos, que deixam um saldo próximo de 40 mil mortes anuais no Brasil. Poderíamos levar essa cifra para algo bem perto de zero se simplesmente proibíssemos carros e motos de circular em todo o país. Não o fazemos porque estamos convictos de que, apesar da questão sanitária, que é grave e real, vale a pena termos a liberdade de possuir e conduzir veículos automotores. Pelo menos fora dos grandes centros urbanos, eles nos permitem locomoção rápida e constituem uma importante engrenagem da economia nacional, gerando milhões de empregos diretos e indiretos.
De resto, como bem o atesta o drama dos viciados em drogas ilícitas, a proibição raramente é uma solução. Ela pode, no máximo, contribuir para reduzir a prevalência. Mas, no caso do jogo no Brasil, talvez nem isso. Quem quiser apostar dinheiro contra as forças do acaso pode perfeitamente fazê-lo dentro da lei e até sem sair de casa, seja numa das dezenas de loterias federais e estaduais seja nos milhares de cassinos virtuais disponíveis na internet. Quem usa as loterias pode pelo menos dizer que está ajudando a financiar a previdência, a educação, o esporte, a cultura e a segurança.
Os que estão muito preocupados com a associação entre jogo e crime poderiam facilmente superar o obstáculo advogando pela criação da Embrassino (Empresa Brasileira de Cassinos), que, ao lado na Narcobrás, explorariam o monopólio natural do Estado nas áreas de jogo e drogas. Essa medida simples bastaria para afastar o risco de traficantes tornarem-se bingueiros ou de as máquinas serem calibradas para roubar. Mas é claro que isso não vai acontecer. Pelo menos para os políticos, o filé mignon nessa história toda é criar uma nova e opulenta categoria de empresários-doadores de campanha.
No fundo, a questão diz respeito aos limites da interferência sobre a vida do cidadão. Estou entre os que acreditam que o poder público só deve se valer de seu direito de proibir em situações extremas, ou seja, quando há risco real e desproporcional para terceiros. Penso em casos como o de trafegar pela contramão ou de dirigir embriagado. Se o mal resultante da ação está limitado à própria pessoa (uso de drogas) ou está dentro dos limites discricionários facultados a cada cidadão (ficar doente por fumar ou comer muito churrasco) não compete ao Estado senão orientar, oferecendo a melhor informação disponível e, se for o caso, tratamento.
É claro que eu também não sou um pacóvio. Nem Kant achava que éramos racionais o tempo todo. Ou, para colocar a coisa em termos mais modernos, somos previsivelmente irracionais. Ainda assim, é preciso reconhecer que a maioria de nós somos capazes de pelo menos acompanhar uma argumentação racional. E isso basta para validar o princípio de que, no geral, cada indivíduo é o melhor juiz para decidir o que mais lhe convém. Mesmo que isso não seja verdade sempre, precisamos agir como se fosse, ou instituições como a democracia e o direito deixam de fazer sentido. Façam suas apostas.

Hélio Schwartsman

domingo, 12 de dezembro de 2010

sábado, 11 de dezembro de 2010

TPMDB!



Blog de Josias de Souza

(Cha)cota!



Blog de Josias de Souza

Hay que desencarnar, pero sin perder la faixa jamás!



Blog de Josias de Souza

Psicose!



Blog de Josias de Souza

O iPad e a rendição

Li outro dia, na Folha-papel, crônica do extraordinário Ruy Castro em que ele dizia que apenas o amor paterno o fizera, por fim, entrar em uma loja da Apple, para comprar um iPod solicitado pela filha. Acrescentava que havia sido a hora mais angustiante de sua vida.
Pois bem, Ruy, sou obrigado a confessar que minha rendição à marca da maçã, embora também tenha algo a ver com amor paterno, se deu para comprar algo para meu uso.
É verdade que, primeiro, meu filho, que poderia ser descrito como sócio militante da Apple, me deu de presente do Dia dos Pais um iPhone (o 3, que o 4 ainda não havia saído). Gostei, é útil para trabalhar. Mas vicia: dei por mim, uma noite em Londres, durante o jantar, consultando as notícias do dia nas aplicações do telefoninho, em vez de curtir o que a gente chamava de repasto antes dos iQualquerCoisa.
Acontece que, na minha idade, a vista já não enxerga nem tela de 32 polegadas, quanto mais a do telefoninho.
Aí, meu filho veio com a pressão para que eu me rendesse ao passo seguinte ao iPhone, que é o iPad. Como, ao contrário do Ruy Castro, que parece detestar esse tipo de engenhocas, sou neutro em relação a elas (nem fanático nem refratário), topei. Compramos juntos, um para cada um, na loja da Apple em Paris, que fica no subterrâneo do Louvre.
Confesso que o local me intimidou algo, como se estivesse cometendo uma traição a um templo de arte clássica, comprando algo tão tecnológico (ainda não cheguei ao ponto de achar que arte e tecnologia são perfeitamente compatíveis, mas paciência). Aliás, só agora estou me dando conta de que as lojas da Apple também estão se transformando em local de culto.
Na de Londres, na Regent Street, fui comprar um complemento qualquer e trombei na porta com três brasileiros que combinavam assim: apenas um deles queria ir à loja e pediu para os outros dois que viessem buscá-lo duas horas depois - ou seja, depois de transcorrida a sua "missa" de consumo.
O iPad, confesso, Ruy, me conquistou, mas, ainda assim, me causa angústia por motivo diferente do seu.
Conquistou-me porque descobri rapidamente que, naquele pequeno retângulo de um palmo de altura por algo menos de largura, cabem todos os jornais que eu gostaria de ter tempo de ler todos os dias (da "Folha" ao "Financial Times", do "Monde" ao "Estadão", do "Corriere della Sera" ao "Washington Post" mais um montão de etc), todos os canais de notícias 24 horas (da velha CNN à nova Al Jazeera, em inglês, claro), algumas revistas, como a "Economist", até a minha rádio favorita, a CBN.
Cabem também livros, sim, Ruy, livros. No momento, levo dois: "Vozes de Israel e da Palestina", livro de uma canadense que me pareceu enviesado demais para o lado palestino, mas, de todo modo, uma boa rememoração dessa área que é meu fascínio permanente; o segundo, que nem abri ainda (livro eletrônico se abre?), trata do Irã depois de Khomeini, a minha fascinação do presente.
Por engano, "baixei" também um livro falado, que comecei a ouvir mas não gostei.
Aí é que entra a minha angústia: serei realmente capaz de trair o papel (o papel-jornal, o papel-livro), esse companheiro inseparável dos meus últimos 60 anos de vida, pouco mais ou menos? Tudo bem que dá para ler no banheiro o jornal na telinha do iPad, outro salutar hábito de toda a vida com o papel. Mas fico na dúvida se não se trata, no fundo, de trocar a mulher de toda a vida por uma boneca inflável.

Clóvis Rossi

Cyberguerra, em gotas

Não é o conteúdo, mas a forma a grande novidade do WikiLeaks, a notória e obscura organização que vazou na rede mundial toneladas virtuais de documentos da diplomacia americana.
O episódio vai entrar para a história mais como um marco da emergente, opaca e assimétrica cyberguerra global do que pela rica coleção de obviedades e fofocas ultraqualificadas reveladas até agora.
Quem é o inimigo dos EUA neste caso? O esquisito Julian Assange, fundador do Wikileaks? Ou seus apoiadores? Quais apoiadores? Seria ele um testa de ferro? De quem?
Uma coisa sabemos: o ataque do Wikileaks contra os EUA mostra como mesmo o país mais poderoso do mundo pode sangrar diante de um inimigo minúsculo, mas incontrolável.
A prisão de Assange no Reino Unido por acusação de estupro na Suécia e o cerco aos sites que publicam suas gotas de informação não parecem capazes de estancar o vazamento. E há promessas/ameaças de que chumbo mais grosso vem por aí.
Rumores sobre a divulgação iminente de documentos comprometedores de um dos maiores bancos do mundo derrubaram suas ações na Bolsa de Nova York.
É uma guerra que de virtual não tem nada e que pode ser travada entre pessoas, empresas, organizações, países ou qualquer combinação desses atores.
Sites de pessoas e organizações que de alguma forma ajudaram no cerco ao WikiLeaks e na prisão de seu chefe sofrem agora cyberataques furiosos do que dizem ser hackers solidários.
E hackers podem ser de solitários cavaleiros da web a militares armados de super computadores.
Todos somos hackers. Pense na sua capacidade de acessar, armazenar e divulgar dados sobre terceiros. Ela é imensa. E não pára de crescer. O mundo real está cada vez mais convergente com o mundo digital.
Nossa dependência total da internet mostra como a rede mundial é o fenômeno mais importante no mundo hoje. Não pode haver nada mais poderoso do que conectar todas as pessoas do mundo ao mesmo tempo e sempre.
Mal começamos a sentir os efeitos desse novo "big bang". Para o bem e para o mal.
O WikiLeaks é só um aperitivo do que vem por aí. Prepare-se se puder.

Sérgio Malbergier

O dia em que a paz perdeu sua chance

"Recomeçar, John Lennon, nunca mais".
Trinta anos atrás, o ainda vetusto jornal "O Estado de S.Paulo" estampava em sua contracapa o título acima, bastante ousado para a época e para o jornal, encabeçando todo o noticiário sobre a morte do ex-Beatle em Nova York.
Não tinha como não lembrar agora daquele título, mesmo depois de tanto tempo, por dois motivos: um, fui eu que o criei e, dois, eu fiquei muito, muito chocado com a morte de Lennon naquele momento, naquelas circunstâncias.
O "recomeçar" do título referia-se, aqui também, a duas coisas: um, ao nome da principal música do novo álbum de Lennon, que estava sendo lançado ("Starting Over", ou seja, recomeçar ou começar de novo) e também remetia ao momento mesmo que o músico estava experimentando em sua vida e carreira.
Até o dia da morte de Lennon, o novo álbum dele e de Yoko Ono, "Double Fantasy", não havia sido lançado no mercado brasileiro. Mas poucos privilegiados haviam recebido a chamada cópia de divulgação, normalmente distribuída a jornalistas, críticos, emissoras de rádio.
Eu me encontrava entre os felizardos e estava absolutamente encantado com o disco, ouvindo-o dia e noite. Não apenas pela beleza e qualidade de músicas como a própria "Starting Over" ou a maravilhosa "Beautiful Boy", entre outras, mas pelo que o conjunto todo significava em termos da carreira de John Lennon de de sua representação no mundo naquele início de anos 80.
Lennon havia sido o Beatle mais barulhento, ativo, e interventivo da sociedade "pós-sonho", cujo final ele mesmo havia anunciado anos antes. Seu último trabalho datava já de cinco anos antes e se resumia na verdade a uma coletânea, cujo carro-chefe era o "hino" "Give Peace a Chance", "Dê uma Chance para a Paz".
Nestes cinco anos de intervalo, nada ou quase nada se sabia de Lennon e quase nada mais se falava de suas maluquices estético-musicais com Yoko. Estava quieto no seu canto novaiorquinho, criando o filho Sean (cinco anos à época) e certamente pensando, pensando. E o que ele pensou e pensou surgiu resumido em "Double Fantasy", um disco romântico, lindo, intimista, otimista, que fala de amor pela mulher, amor pelo filho, de esperança e paz.
Daí o choque profundo quando aquele débil mental que provavelmente nunca mais sairá da cadeia resolveu dar cinco tiros no peito de John.
Acertou o coração de muita gente, inclusive o meu.
Depois de toda a agitação dos anos 70 e do vácuo que naturalmente surgiu no final daqueles anos loucos, a balada de Lennon então sugeria uma linha de pensamento totalmente calma, equilibrada, doce. Uma doçura e uma calma que estava se buscando para contrapor, por exemplo, ao estertores do punk, do dark e do gótico que nos enchia o coração de mágoa e dor e tristeza.
Mas olha só, dizia Lennon em "Beautifull Boy", fique ligado porque "vida é o que acontece enquanto você está ocupado fazendo outros planos".
O toque era o seguinte: com amor, doçura e postura a gente é capaz de se reinventar e, quem sabe, começar de novo...
Não, disse o infeliz do Mark Chapman, não há mais chance para a paz, acabou, dançou e, recomeçar, John Lennon e todos aqueles que acreditaram no mundo bom e justo que havia ficado para trás com o sonho hippie, nunca mais.
Se os anos 80, como dizem, foi a década perdida, certamente ela começou a se perder ali, naquela calçada em que o corpo de Lennon tombou, 30 anos atrás.
Desde então muita, mas muita gente mesmo está procurando alguma coisa sem saber exatamente o que...

Luiz Caversan

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Inimigo oculto!



Blog de Josias de Souza

A maconha e a coragem de Sérgio Cabral

Legalizar a maconha é vista como um perigo para o brasileiro, segundo todas as pesquisas de opinião. Essa posição é geralmente confundida como estímulo ao uso. Daí a coragem e a lucidez do governador do Rio, Sérgio Cabral, que está defendendo, dentro de um acordo internacional, a legalização da maconha. Ele acha (e com razão) que essa medida não é ideal, mas traria menos danos O acordo dele é fundamentado em estudos científicos: a maconha causa menos problemas do que álcool e tabaco. E muito menos ainda do que as demais drogas.
Além disso, se a produção da maconha fosse legalizada, seria possível tentar zelar pela qualidade do produto. Há cientistas que defendem, como todos sabem, que essa droga tem efeito terapêutico, em determinados casos. Uma produção controlada poderia, segundo ele, levar à geração de uma maconha com efeitos menos deletérios, graças à engenharia genética.
Tirando a maconha de cena e transformando-a num problema de saúde, o poder público e a polícia, na visão do governador do Rio, poderiam se concentrar nas drogas mais pesadas.

Gilberto Dimenstein

Nem o Serra...

"Nem o Serra faria assim. Nem ele colocaria tanto paulista em seu ministério." O comentário é de um aliado da presidente eleita, Dilma Rousseff, insatisfeito com o predomínio paulista na relação de nomes até agora anunciados oficialmente e entre os dados como certos no governo da petista.
Para evitar "curto-circuito" na relação com a futura presidente, o aliado pediu que seu nome não fosse identificado. Mas ele faz as contas: dos seis ministros anunciados oficialmente até aqui, cinco são paulistas e petistas. Todos ocupando os principais cargos do governo. Antonio Palocci (Casa Civil), Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral), Guido Mantega (Fazenda), Miriam Belchior (Planejamento) e José Eduardo Cardozo (Justiça).
Sem falar em outros que estão na fila apenas aguardando a oficialização: Aloizio Mercadante (Ciência e Tecnologia), Fernando Haddad (Educação) e Alexandre Padilha (Relações Institucionais). Na avaliação do aliado de Dilma, que fez intensa campanha pela eleição da petista, trata-se, por enquanto, de um verdadeiro paulistério, que nem o candidato tucano, José Serra, teria de coragem de montar.
Como Serra não ganhou a eleição, é difícil dizer se ele realmente não faria algo parecido. A frase do apoiador de Dilma demonstra, porém, como a montagem da primeira equipe da presidente eleita está gerando insatisfação entre os que integram a sua base de apoio.
ESTRANHO, MUITO ESTRANHO
De um integrante da equipe de transição sobre os movimentos do PMDB nos últimos dias: "Eles estão estranhamente muito na deles. Pararam de fazer barulho e aceitaram a oferta da Dilma, mesmo perdendo ministérios mais importantes em troca de outros nem tanto assim". O receio é que o PMDB esteja armando algo nos bastidores para mostrar, mais à frente, a importância do partido no Congresso. Dono da maior bancada no Senado e da segunda na Câmara, sem os votos peemedebistas a presidente eleita não consegue aprovar seus projetos mais importantes no Legislativo.
O PMDB pode cobrar a fatura quando for feita a distribuição de cargos nas estatais. Até aqui, porém, Dilma tem emitido sinais de que, no caso de algumas empresas federais, não tem a intenção de nomear políticos para as principais diretorias. A conferir. Afinal, uma coisa é o desejo da presidente. Outra é a realidade de ser obrigada a montar uma base aliada no Congresso.
E O PP VAI FICANDO...
Quando Dilma começou a montar sua equipe, todos diziam que o PP perderia o comando do Ministério das Cidades. Afinal, o partido ficou neutro na disputa presidencial, não apoiou a petista. Em outras palavras, não podia reclamar. E Cidades entrou na lista de ministérios a serem oferecidos aos peemedebistas. Só que conversa daqui, conversa dali, aos poucos a equipe de Dilma foi notando que não pode dispensar o apoio do PP. E, agora, tudo indica que a pasta das Cidades ficará mesmo com os pepistas. Presidente do partido, Francisco Dornelles fez chegar aos ouvidos da presidente eleita o peso dos senadores e deputados do PP dentro do Congresso. Ao mesmo tempo, o partido fechou acordo com o PMDB da Câmara em torno da eleição da presidência da Câmara. Com isso, fez os peemedebistas desistirem da pasta das Cidades. Diríamos que teve gente no PP fazendo mágica. Até aqui, pelo menos.

Valdo Cruz

Os papéis do site WikiLeaks

Apesar de estar de folga, não poderia deixar de compartilhar com algum eventual leitor a análise de Moisés Naím sobre os papéis do site WikiLeaks. Saiu domingo em "El País". Reproduzi em espanhol mesmo porque o leitor é suficientemente apto para entender no original.
O autor é um acadêmico venezuelano radicado há anos nos Estados Unidos. Dirigiu a trimestral "Foreign Policy" até recentemente, é doutor em Economia pelo mitológico Instituto de Tecnologia de Massachusetts e meu companheiro no International Media Council criado pelo Fórum Econômico Mundial.
O texto me pareceu de extrema sensatez, o que não quer dizer que concorde com ele de A a Z. Discordo por exemplo do item 5. Acho que transparência, no fim do dia, sempre acaba favorecendo a democracia.
Mas você julgará melhor que eu. Segue o texto:
Despues de los ataques terroristas del 11-S, el lugar común repetido hasta la saciedad fue que el mundo había cambiado para siempre. No fue así. Cambiaron algunas cosas, pero para la inmensa mayoría la vida siguió igual. Lo mismo está pasando con Wikileaks. Las filtraciones sin duda tendrán consecuencias; algunas importantes. Pero en general serán menores de lo que ahora se anticipa. En torno a WikiLeaks se ha venido conformando un consenso que tiene varios aspectos que merecen discusión y refutación. Por ejemplo:
1. WikiLeaks ha debilitado a Estados Unidos. Para un país que gasta 50.000 millones de dólares al año en inteligencia es una vergüenza que le hayan robado todos estos secretos. Y es obvio que muchos de sus aliados están furiosos con los estadounidenses. Pero los cables difundidos hasta ahora muestran que Estados Unidos tiene el Gobierno con mayor coherencia entre lo que dice en público y lo que hace en privado. Aún no se nos ha revelado una hipocresía estadounidense comparable con las flagrantes mentiras de algunos de los jefes de Estado que aparecen en los cables. Por ahora parece claro que las filtraciones de Wikileaks han dañado más a otros países que a Estados Unidos.
2. La diplomacia estadounidense sale muy mal parada. No. Más bien todo lo contrario. Sorprendentemente, hasta ahora nadie ha encontrado errores garrafales en las informaciones o en los pronósticos contenidos en los cables. Hay chismes y aseveraciones temerarias. También se destapan actos bochornosos como las preguntas sobre el estado mental de Cristina Kirchner o el espionaje a Ban Ki-moon, el jefe de la ONU. Pero estos no son errores. En el mundo de la diplomacia, el error hubiese sido no haberlo hecho. "¡Para eso les pagamos!", exclama Leslie Gelb, el presidente emérito del Consejo de Relaciones Exteriores de Estados Unidos, un think tank privado. Según Gelb, los cables muestran al Gobierno estadounidense tratando de resolver seria y profesionalmente los problemas más acuciantes del mundo sin realmente tener el poder para imponerles a otros las soluciones. "Lo que veo en los cables", escribe Gelb, "es a diplomáticos sonsacando información sensible de líderes extranjeros, buscando caminos para la acción común y luchando por aplicar la dosis adecuada de presión a otros países. ¡Y ese es su trabajo!". Y añade: "El villano que claramente emerge de los cables no es Washington; son los líderes de otros países, que eluden tomar decisiones difíciles y se refugian en la hipocresía, la cobardía y las mentiras que les dicen a sus pueblos".
3. WikiLeaks ha sido manipulado por servicios de inteligencia. Según esta perspectiva, es lógico suponer que la CIA está detrás de esto. O el Mosad. O ambos. Puesto que los cables revelan que los países árabes mantienen en privado un rechazo a un Irán nuclear tanto o más furibundo que el sostenido públicamente por Israel y Estados Unidos, entonces, dicen algunos, es natural suponer que sus espías hayan adulterado los cables. Lo mismo ha insinuado Vladímir Putin con respecto a las revelaciones sobre Rusia: "Alguien está engañando a Wikileaks por motivos políticos", ha dicho. En el mundo del espionaje todo es posible. Pero lo que ya sabemos sobre los objetivos y la manera de operar de Wikileaks y su jefe, Julian Assange, no permite darle mucho crédito a esta visión de una conspiración encajada dentro de una - o varias - más.
4. Ningún alto funcionario compartirá información con los estadounidenses. Así es. Pero esto no durará mucho. Ningún país se puede dar el lujo de mantener truncadas sus vías de comunicación con Estados Unidos. Habrá intereses, emergencias y necesidades que obligarán a restablecer intercambios diplomáticos más fluidos. Y Washington ya está trabajando activamente en crear nuevas tecnologías, canales de comunicación y procedimientos que le permitan ofrecer garantías creíbles y recuperar la confianza que le han perdido sus interlocutores foráneos.
5. La absoluta transparencia gubernamental es lo mejor para la sociedad. No. El problema es que las democracias son más vulnerables a la presión en este sentido que las dictaduras. Esta asimetría lleva a que, en la arena internacional, las democracias se ven obligadas a competir en desventaja con las tiranías, los terroristas y redes criminales que son sociedades secretas. Otro efecto indeseado de filtraciones como las de WikiLeaks es que la lucha por un mundo transparente, donde forzamos a los Gobiernos a revelarlo todo, puede conducir a que, sin quererlo, le hagamos más fácil la vida a los tiranos.

Clóvis Rossi

Guadalajara

Passei cinco dias em Guadalajara, no México, para cobrir e acompanhar a 24ª edição da Feria Internacional del Libro. Trata-se do maior evento literário da América Latina, voltado ao mercado de língua hispânica, reunindo 1.900 editoras e 620 eventos com autores durante uma semana.
Reprodução
Neste ano, a festa aconteceu num momento muito particular para o México. Apesar de estar lidando com números assombrosos de violência --consequência da ofensiva declarada pelo presidente Felipe Calderón contra o narcotráfico--, duas datas têm trazido à tona discussões sobre a história do país. A saber, os 200 anos do começo das lutas de independência (em setembro) e os 100 anos da Revolução Mexicana (em novembro).
O México, tradicionalmente, sempre teve uma produção editorial grande na área de história. Porém, neste ano, por conta das efemérides, esta parece ter ganho novo fôlego. Uma rápida conferida nos estandes de editoras importantes, como a Fondo de Cultura Económica ou a Siglo XXI, demonstram isso. Surgiram reedições de obras famosas, como as de Martín Luiz Gusmán ("El Águila y la Serpiente", "Memórias de Pancho Villa"), biografias dos líderes revolucionários e novos estudos sobre o período da ditadura de Porfírio Diaz.
Mas uma das coisas mais interessantes relacionadas ao tema foi uma exposição que vi paralelamente, no Museu Regional de Guadalajara, imponente edifício no coração do centro histórico da cidade.
Trata-se de uma mostra que reúne fotografias e filmes de várias etapas do processo revolucionário que sacudiu o país por praticamente dez anos a partir de 1910. Como bem observou o escritor Juan Villoro em artigo recente para o "El País", a Revolução Mexicana chegou acompanhada de um potente invento do século 20, o cinema. Assim, "os olhos de Zapata, os sombreiros largos, os ataques das cavalarias passaram do campo à tela e desde aí ao imaginário".
Reprodução
Nas fotos e filmes reunidos no museu estão imagens como estas e muitas mais. Foram captadas por fotógrafos e cinegrafistas mexicanos, inicialmente, depois também por norte-americanos que cruzaram a fronteira para cobrir o conflito. Veem-se milícias formadas por adolescentes, pelotões de fuzilamento prontos a atuar, mortos e feridos espalhados pelo chão, além das aparições públicas de governantes, como o ornamentado Díaz, e depois Francisco I. Madero e Venustiano Carranza, todos imortalizados em fotos amareladas e em película.
A FIL Guadalajara também abrigou lançamentos de livros sobre os processos de independência de outros países latino-americanos, que também comemoram o bicentenário em 2010. Uma das obras mais elogiadas foi a do colombiano William Ospina, "En Busca de Bolívar" (Ed. Norma).
Nela, o autor dialoga com as principais biografias já existentes do prócer, como as de Gerhard Masur ("Simón Bolívar) e de John Lynch ("Simón Bolívar - A Life"), mas propõe um caminho distinto.
Sem deixar de seguir um roteiro cronológico, Ospina menospreza datas de decisões e batalhas e faz um ensaio em que tenta especular sobre como Bolívar teria se sentido ou pensado antes de cada uma delas. É, antes de tudo, uma análise das ideias então em debate naquele contexto.
Entre as passagens mais marcantes do livro está aquela em que ele investiga a ambígua e trágica relação de Bolívar com o veterano revolucionário Francisco de Miranda. Ou os momentos em que tenta mapear as origens do pensamento do libertador, remontando à influência que teve sobre ele o filósofo e tutor Simón Rodriguez --imortalizado numa curiosa foto, que estampa hoje uma das notas dos bolívares venezuelanos, em que aparece com os óculos fora de lugar.
O ponto alto da obra, porém, é quando Ospina especula sobre a força que a imagem de Napoleão teve sobre o jovem Bolívar. O colombiano analisa a ambiguidade dessa referência. Se por um lado Bolívar era contra o novo símbolo de poder absoluto no qual Napoleão se transformava, admirava seu ideal de dar uma unidade a uma grande área.
No final, temos um retrato complexo do aristocrata que abriu mão de sua fortuna em nome da independência das Américas, mas que sempre se sentiu dividido entre sua origem e o que propunha de novo para o futuro. Não há referências sobre o uso político que hoje se faz de seu personagem, mas fica claro que nada poderia ser mais distante entre a figura retratada por Ospina e o ícone a que Hugo Chávez recorre a todo instante.
Também topei, na FIL, com outros novos trabalhos históricos de vários países latino-americanos. É de se ficar torcendo para que editoras aqui no Brasil manifestem algum interesse na tradução e publicação de pelo menos alguns deles.

Sylvia Colombo