quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

O terror à solta

* Assim é impossível chegar ao trabalho.
* Essa falta de segurança em toda parte.
* Filho meu não vai à escola.
* Sempre, sempre à espera de uma providência das devidas autoridades.
* Parece até que é a primeira vez que isso acontece.
* Essa gente não aprende ou não quer aprender?
* Melhor equipados que eu, estão. Sentirão o mesmo medo que sentimos, esta insegurança já familiar?
* Até mesmo ficar em casa parece perigoso.
* E mesmo assim não há garantia. Nunca houve.
* Que dirá por os pés lá fora?
* Olha ali uma incauta tentando atravessar a rua.
* Pronto, essa já era. Eu sabia. Pobre diaba. Onde será que queria ir?
* Deus protege as crianças mesmo. Duas na esquina brincam como se nada estivesse acontecendo.
* O telefone não funciona. Bem que eu deveria ter ido de celular. Fui burro.
* Nesta terra, o que é que funciona nestas horas?
* Haverá algum santo pra gente rezar numa situação assim?
* Só tenho perguntas. Eles, os homens --politiqueiros, demagogos--, na hora das eleições têm todas as respostas, tudo solucionado bonitinho.
* Bem feito pra mim, que é para eu deixar de ser besta e acreditar neles.
* Eu quero o direito de ir e vir, eu quero a paz, eu quero a segurança, eu quero o bem estar prometidos para mim e a minha família. Cadê? Que gato gordo e guloso terá comido?
* Me deu uma coisa, uma espécie de luz, e eu fui conferir a água. Nada. Nem uma gota pinga de torneira alguma. Faz sentido.
* Olha um carro tentando subir a ladeira. Ou melhor. Ouve só um carro. Não paga dez que ele não vai chegar a lugar nenhum.
* Pelo menos ainda tem luz. Dá para acompanhar a pauleira pela televisão.
* O casal do lado pediu para ver com a gente. Ainda perguntou se podia trazer os dois filhos maiorzinhos. Claro. Tudo bem.
* Expliquei que não tinha cerveja gelada para oferecer. Nem nada de fresquinho.
* Pelo menos fazem companhia.
* E nós a eles.
* Ninguém menciona o fato. Mas a verdade é que juntos a gente aguenta melhor o tranco.
* Viver é se virar --pra cá ou pra lá-- na hora dos trancos.
* E parece que tudo é um tranco após o outro.
* Isso é vida, Senhor, isso é vida, pergunto eu?
* Ano passado foi a mesma história. Este ano piorou muito mais. Agora, se vida ainda tiver, esperar pelo ano que vem.
* Todos nós vidrados na televisão. Muita falação. Linguagem mal empregada. Uma gente que se diz profissional nervosa sem dizer coisa com coisa.
* Informação mesmo, no duro, não tem nenhuma a dar.
* Mas devem pegar um montão de gente vendo, pois outro remédio não existe. Sofrimento dos outros dá um dinheirão.
* Uma pausa para nossos comerciais.
* Bando de vagabundos.
* É, estão gastando. Daqui de dentro de casa dá para a gente ouvir helicóptero. Mais de um. Alguém faturou alto. Só não faturaram soluções,
* Longe, uma voz num megafone. Comandante dando ordens. Desordenadas todas, por certo. Garanto que está com a farda impecável, empostada como sua voz. Contei três erros de concordância em duas frases berradas.
* Enfim, na tela, alguém com uma notícia vagamente concreta. O frio que não se via há mais de 17 anos na Escócia e no País de Gales deverá continuar por pelo menos mais uma semana. E muita neve caindo. Aqueles mapinhas incompreensíveis. A coisa se encaminha para o sudeste. À noite, em quase todo o país, uma média de -8ºC. De dia, com o fator vento, idem.
* Uma nevasca pegou o caminho de Londres. Essa vai direto para onde deveria ter ido de início. Palácio e Parlamento. De dia, o meteorologista (na verdade uma moça que nunca deveria ter parado de vender liquidificador) anuncia, até o fim-de-semana, uma máxima de 2ºC. Acima de zero, promete ela.
* E sorri. De quê?

IVAN LESSA

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