terça-feira, 28 de dezembro de 2010

A escola de cinema que Videla inaugurou

O período de festas natalinas trouxe pelo menos uma boa notícia. Finalmente o ex-ditador Jorge Rafael Videla, aos 85 anos, foi condenado por crimes contra a humanidade. Cabe recurso em tribunais superiores, mas mesmo assim a decisão já é um alívio para familiares de vítimas da ditadura e para os argentinos em geral. Videla fez parte da primeira Junta que tirou do poder Isabelita Perón em 1976 num golpe de Estado, junto com Orlando Ramón Agosti e Emílio Massera (que morreu em novembro).
Videla esteve à frente do governo da Argentina nos primeiros cinco anos da ditadura militar (que durou até 1983). No período como um todo, cerca de 30 mil pessoas desapareceram. Torturas, sequestros de bebês e execuções ocorreram nos centros de detenção clandestinos do governo, enquanto outros opositores foram simplesmente arremessados de aviões no Rio da Prata.
Em 1985, durante o primeiro governo democrático do país pós-regime militar, o presidente Raúl Alfonsín colocou em julgamento os responsáveis pela repressão. Videla foi então condenado à perpétua. Porém, durante o governo Menem, em 1990, foram decretados indultos que puseram em liberdade muitos dos julgados anteriormente, incluindo Videla. Veio o governo Néstor Kirchner e virou o jogo mais uma vez ao anular, em 2003, as leis de anistia e os indultos. Foi essa decisão que permitiu que Videla voltasse ao banco dos réus.
Na semana passada, o ex-ditador fez um horripilante discurso de defesa um dia antes da decisão. Falou por 48 minutos, defendendo suas ações como uma "guerra justa" contra "terroristas" de organizações guerrilheiras. Também disse que os "inimigos de ontem hoje governam o país", referindo-se aos kirchneristas. O pronunciamento de Videla mobilizou e chocou o país, ganhando amplo espaço na mídia local.
Na última quarta-feira, porém, a novela, acompanhada febrilmente nos últimos instantes pelo Twitter e pelo Facebook, parece ter chegado ao fim. Videla foi condenado à prisão perpétua, que deve cumprir num cárcere comum.
O período traumático praticamente consolidou um gênero no bom ciema argentino contemporâneo, os filmes sobre a ditadura. Abaixo vai uma seleção dos 8 principais, que ajudam a entender o período de diferentes pontos de vista.
"A História Oficial"
(Luis Puenzo, 1985)
Vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro, conta a história da professora de história Alicia Manet de Ibáñez, vivida por Norma Aleandro (uma espécie de Fernanda Montenegro da Argentina). Apesar de dar aulas sobre o passado do país, Alicia ignora o presente e só depois de questionada por estudantes começa a refletir sobre o que está acontecendo e a desconfiar de que sua filha adotiva possa ter sido roubada de guerrilheiros mortos pela repressão. O filme tem o grande mérito de refletir sobre o período no calor dos acontecimentos, com a nova democracia ainda engatinhando e a incerteza sobre uma possível volta dos militares no ar.
"Tangos, o Exílio de Gardel"
(Fernando Solanas, 1985)
Também filmado pouco depois da retomada democrática, o filme conta a história de um grupo de argentinos exilados em Paris (como o próprio diretor), que tenta armar um espetáculo dedicado ao cantor Carlos Gardel. Solanas dirigiu outros bons filmes sobre a política argentina, como "La Hora de los Hornos", mas recentemente perdeu-se em produções panfletárias e tentativas patéticas de eleger-se a cargos públicos.
"Buenos Aires Viceversa"
(Alejandro Agresti, 1996)
Uma espécie de "Short Cuts" portenho, mistura diferentes linhas narrativas para contar a história de filhos de desaparecidos depois de adultos. A protagonista, uma órfã que não sabe nada sobre seus pais, é contratada por um casal de idosos para filmar Buenos Aires para eles. Os dois se negam a sair de casa, à espera da filha que foi para a universidade e nunca voltou. No caminho da moça, passarão diversos personagens com vínculos íntimos, porém dissimulados, com a ditadura.
"Garage Olimpo"
(Marco Bechis, 1999)
Uma jovem de 18 anos, Maria Fabiani, é levada pelo exército argentino e torturada na prisão clandestina conhecida como Garage Olimpo. Seu torturador, curiosamente, é um jovem que vivia de aluguel na casa da mãe de Maria e tinha por ela uma paixão não-resolvida. Enquanto Maria passa pelas sessões de tortura e vive um inusitado flerte com o torturador, sua mãe sai em busca dela por Buenos Aires.
"El Mismo Amor, la Misma Lluvia"
(Juan José Campanella, 1999)
Do mesmo diretor do premiado "O Segredo de Seus Olhos" (e com o mesmo casal protagonista, Ricardo Darín e Soledad Villamil), o filme conta uma história de amor com muitos encontros e desencontros, que começa nos anos 80 e vai até o final da década de 90. O pano de fundo é a história argentina durante o final da ditadura, a Guerra das Malvinas e o começo dos anos Menem.
"Kamchatka"
(Marcelo Piñeyro, 2002)
A ditadura vista pelos olhos de uma criança de dez anos. Seus pais, fugindo dos militares, vividos por Cecila Roth e Ricardo Darín, levam o garoto para uma casa fora de Buenos Aires. No lugar, uma das poucas alternativas de passar o tempo era jogar uma variante do nosso War, em que Kamchatka, uma província russa, parecia um lugar de refúgio e esperança. Quando por fim o casal desaparece, é a lembrança desse lugar que o garoto guardará dos pais.
"Iluminados por el Fuego"
(Tristan Bauer, 2005)
A tentativa de suicídio de um ex-soldado que lutou na Guerra das Malvinas (1982), nos dias de hoje, faz com que um de seus companheiros relembre o período em que participaram do delírio dos comandantes militares de então, que fizeram suas tropas formadas por garotos acreditarem que seria possível vencer a Inglaterra numa batalha pelas ilhas Malvinas/Falklands. As comoventes cenas finais foram gravadas nas próprias ilhas pela primeira fez no cinema argentino.
"Crónica de una Fuga"
(Adrián Caetano, 2006)
Baseado numa história verídica, conta uma tentativa de fuga de um grupo de prisioneiros da temida Mansion Seré, um centro de detenção e tortura. Entre eles, estava Claudio Tamburrini, goleiro de um time de futebol que virou símbolo da luta contra a repressão depois do episódio. Realizado num momento de alta do cinema argentino no cenário internacional, o filme teve ampla repercussão internacional.

Sylvia Colombo

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