sábado, 4 de dezembro de 2010

Crônica de viagem e da água

VENEZA - A sirene toca às 6 da matina. Baita susto. Desde a primeira guerra do Golfo (1991), o toque de sirene me aterra. Há 20 anos anunciava a iminência de um ataque iraquiano a Israel. Nada assusta mais do que saber que um monstro (no caso um míssil) está voando na escuridão e pode, de repente, cair na tua cabeça.
Agora, indago só com o olhar à minha mulher se é aviso de fogo no hotel ou outra coisa. Perita em Veneza, ela me diz que é aviso de acqua alta, como eles chamam maré alta por aqui, fenômeno habitual de outubro a março. Mais ou menos como as chuvas de verão em São Paulo.
Com uma diferença essencial: aqui não precisa chover para alagar. Basta uma conjunção de fatores naturais. Azar dos venezianos. Não podem xingar o prefeito de turno, como fazemos os paulistanos.
Duas horas depois da sirene, despertos de fato, vemos pela janela que a acqua é alta p'ra xuxu: o pessoal anda com água pouco abaixo da cintura. E consta que 55% da cidade está alagada da mesma forma.
Só lá pelo meio-dia dá para sair do hotel, que fica atrás da Piazza de San Marco, o coração da cidade e também seu ponto mais vulnerável. Mesmo assim, na praça propriamente dita é forçoso caminhar pelas passarelas conhecidas pelas fotos clássicas nesse tipo de evento.
O inconveniente vira festa para a Babel de turistas que invadem a cidade todos os dias. Sotaques para todos os gostos, inclusive (ou principalmente) o nordestino do Brasil, em quantidade industrial, muito superior à das quatro visitas anteriores (não foi por acaso que Dilma Inácio da digo Rousseff ganhou).
Cenas explícitas da lei da oferta e da demanda: quando saímos, com água já baixa mas ainda presente, as botas de emergência (um plástico com reforço no pé e jeito de amarrar na coxa) custava 10 euros. Na volta, quando o sol já havia saído e até ido embora (escurece pouco antes das cinco, duas da tarde em Brasília), e levado junto a acqua alta, o preço caiu para 7 euros.
Com água ou sem, a cidade é um espetáculo único.

Clóvis Rossi

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