quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Candela

Tinha 11 anos e vivia em Hurlingham, cidade localizada na região metropolitana de Buenos Aires. Foi sequestrada no dia 22 de agosto. Desde então e até a última quarta-feira, a garota Candela foi praticamente o único assunto em todos os programas de notícia locais, e até mesmo nos de fofoca e entretenimento.
A exasperação foi coletiva. O que teria ocorrido à menina? Sequestrada para obter resgate? Levada para virar escrava sexual? Acerto de contas? O assunto dominou as conversas em reuniões sociais de distintas faixas da sociedade.
Poucos dias depois de seu desaparecimento, a presidente Cristina Kirchner recebeu a mãe de Candela na Casa Rosada por mais de uma hora, e prometeu toda a ajuda possível para encontrar a menina. Colocou o governador da Província, Daniel Scioli, à frente da questão, pedindo para que acompanhasse o trabalho da polícia bonaerense.
Na frente da casa da família, cartazes, fotos. Foram feitas vigílias e passeatas. Desde o primeiro dia, plantaram-se ali equipes de filmagens que registravam cada movimento da mãe, dos amigos e dos vizinhos.
No dia 31, o pior desenlace possível se revelou. Candela foi encontrada morta, dentro de uma bolsa plástica, às margens de uma movimentada autopista, não muito longe do lugar onde vivia. Fora asfixiada e tivera o pescoço quebrado.
No ambiente de crispação política que vive o país, nem mesmo a tragédia do assassinato brutal dessa garotinha ficou livre de virar instrumento de luta entre o governo e os meios de comunicação.
A espetacularização do caso gerou debate sobre o comportamento sensacionalista da mídia. Já o governo foi criticado por ter mudado radicalmente de atitude. Enquanto a menina estava desaparecida, apoiou a família, assim que o cadáver apareceu, simplesmente se afastou do drama.
Há paralelos com o caso da menina brasileira Isabela Nardoni. Jornais e emissoras de TV foram questionados por explorarem o episódio em todos os seus detalhes em busca de audiência.
No drama de Candela, houve obviamente um agravante. Isabela estava morta desde o primeiro dia em que se começou a falar do crime. Candela, não. Enquanto seu rosto não saía dos noticiários e seu nome era pronunciado a todo momento nos programas de TV, a garota seguia viva, em cativeiro. Segundo a autópsia, os assassinos a mataram apenas cerca de um dia antes de dispensar seu cadáver.
Ou seja, tem fundamento o argumento de que a exploração midiática do caso pode, de algum modo, ter influenciado a atitude dos sequestradores. E, em cima dessa possibilidade, a mídia oficial foi imperdoável.
O programa "6,7,8", exibido pela TV Pública e dedicado a desancar a cobertura dos meios, explorou a questão a fundo em mais de um programa. Culpou os jornais de terem praticamente incitado os sequestradores a cometerem o crime, além de acusar um dos canais de notícias de ter vazado um áudio, supostamente sem o conhecimento da polícia, em que um dos criminosos prometia que Candela não apareceria com vida.
Cristina Kirchner, que até então falava de Candela como se sentisse o drama especialmente por ser mãe, no dia seguinte de encontrado o corpo já tinha a agenda tomada por outros compromissos.
Em Tecnópolis, o parque temático de tecnologia construído por seu governo, recebeu gente da indústria e políticos para um jantar, em que falou sobretudo de economia. Enquanto isso, Scioli, que havia aparecido em vários momentos ao lado da família, sumiu assim que soube do desenlace brutal --alegou que não iria ao velório da garota por "respeito".
Novas linhas de investigação foram surgindo depois da morte da menina. Agora, a hipótese mais consistente é a de que tenha sido assassinada num acerto de contas, por alguém que a família conhecia. Seu pai está preso há algum tempo por assalto a caminhões e há ainda uma suspeita de que estivesse relacionado ao narcotráfico.
Os jornais ligados ao governo começam a insistir nessa versão que compromete a família, pois de certo modo minimizaria as críticas quanto à falta de segurança e o fracasso da polícia, que respingam inevitavelmente no poder público.
Já a imprensa de oposição insiste em ressaltar que, ainda que, ao que tudo indica, seja mesmo esse o caso, a morte de Candela não deixa de expor um sistema policial que não soube evitar a tragédia.
Nesse clima de troca de tiros, sobrou para todos. O ator Ricardo Darín, estrela máxima do cinema argentino hoje, havia convocado uma manifestação para que se exigisse o esclarecimento do homicídio. Foi acusado de querer aparecer e de criticar a presidente.
Logo declarou: "Há muita gente que diz estar dolorida, mas na verdade está falando de outra coisa, de votações, de outubro [quando ocorre a eleição presidencial]. São coisas das quais estou cansado porque querem me colocar num antagonismo. Não sou parte de nenhum partido político."
A politizição do assassinato de Candela faz lembrar outro crime bárbaro que aconteceu na Argentina. Em 2004, o jovem Axel Blumberg, de 23 anos, foi morto após passar vários dias nas mãos de sequestradores.
Depois do crime, seu pai, Juan Carlos Blumberg ficou famoso por chamar grandes manifestações para pedir um melhor funcionamento da polícia bonaerense. Uma das marchas, na Praça de Maio, chegou a reunir cerca de 100 mil pessoas. Blumberg foi cortejado por políticos de direita e quase entrou ele mesmo para a vida pública.
Há muito ainda que se investigar no caso de Candela, mas o que parece certo é que não há mocinhos. Não só imprensa e governo agiram mal, como até mesmo os pais da menina parecem saber mais a respeito do que se passou do que estão efetivamente dizendo.
Perdeu apenas a pequena Candela, privada de uma vida que apenas acabava de começar a viver.

Sylvia Colombo

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