Foi de mãos dadas com a Turquia que o Brasil fez o seu movimento até agora mais relevante além de mais ruidoso no grande mundo da política internacional. Refiro-me ao chamado Acordo de Teerã, assinado pelos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Mahmoud Ahmadinejad e pelo primeiro-ministro turco, Recep Tayyp Erdogan, em maio do ano passado.
Não deu certo, o que levou à execração da diplomacia brasileira, apontada como pró-Irã, um regime ditatorial e teocrático incompatível com a democracia e a laicidade do sistema brasileiro.
Por mero acaso, acabei sendo testemunha privilegiada dos entendimentos entre o Brasil e os Estados Unidos em torno da questão nuclear iraniana, o que me permite dizer que as críticas são injustas. O Brasil comportou-se como combinado com os Estados Unidos para tentar levar o Irã a enviar para enriquecimento no exterior uma quantidade de urânio suficiente, aos olhos das potências ocidentais, para impossibilitá-lo de fazer a bomba atômica. Quantidade (1.200 quilos) expressamente mencionada em carta que o presidente Barack Obama enviou a Lula, na antevéspera do Acordo de Teerã.
O problema é que, naquela altura, os Estados Unidos já estavam convencidos de que só sanções internacionais levariam o Irã a cooperar, o que significava que, em tese, qualquer acordo só atrapalharia a aprovação de sanções (na prática não atrapalhou).
Faço todo esse intróito para dizer que é hora de o Brasil voltar a procurar a Turquia, se quiser ter presença internacional em todo o imbróglio no Oriente Médio.
O premiê turco acaba de renovar seu mandato nas urnas, o terceiro consecutivo, o que dá brilho às credenciais democráticas de um país com um passado ainda muito recente de golpismo militar. Por isso mesmo, fica igualmente reforçado o papel de modelo da Turquia para as sociedades árabes em revolta. Como escreveu sábado para "El País" José Ignacio Torreblanca, especialista do Conselho Europeu para Relações Internacionais, trata-se de uma rara combinação de "país que demonstra que se pode ser simultaneamente muçulmano, democrático e próspero, além de ter uma política externa própria, não submetida aos ditados do Ocidente".
Apesar dos laços que desenvolveu com os países árabes, em especial com a Síria, Erdogan descreve as coisas como as coisas são na vizinhança, batizando de "atrocidade"a repressão em curso. Na Líbia, Erdogan pede, uma e outra vez, a saída de Muammar Ghaddafi. Já o Brasil prefere amortecer as palavras e a pressão (absteve-se na votação da zona de exclusão aérea sobre a Líbia, exclusão que deteve o que seria um iminente massacre em Benghazi, a "capital" rebelde).
Se o Brasil pretende de fato ser um "player" global, haverá momentos em que será preciso ousar, forçar limites. A Turquia pode ser, mais que antes, uma boa parceira.
Clóvis Rossi
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