sexta-feira, 24 de junho de 2011

EUA e a década perdida japonesa: o perigo de cortar o remédio fiscal

Republicanos e democratas estão em plena queda de braço por causa do enorme deficit do orçamento americano, atualmente em US$ 1,6 trilhão.
O secretário do Tesouro, Tim Geithner advertiu que os Estados Unidos podem ser obrigados a dar calote em algumas de suas obrigações se os republicanos não concordarem em elevar o teto do endividamento dos EUA (atualmente em US$ 14,3 tri) até 2 de agosto.
Os republicanos, por sua vez, não se mostram dispostos a fazer concessões. Para aprovar a elevação do endividamento, eles exigem profundos cortes de gastos e colocar o deficit em trajetória descendente. Não admitem elevar impostos para aumentar a receita do governo.
"Nós já identificamos trilhões em possíveis cortes de gastos", disse Eric Cantor, líder da maioria republicana na Câmara, ao anunciar que estava se afastando das negociações do orçamento. "Os democratas continuam a insistir que qualquer acordo precisa incluir elevação de impostos e não há apoio para isso entre os republicanos."
Democratas, em contrapartida, se opõem a cortes drásticos nos gastos do governo agora.
Ele propõem planos para reduzir o deficit no médio prazo, mas, no curto prazo, a manutenção do estímulo fiscal. Segundo eles, cortar gastos agora vai abortar a recuperação americana, e os EUA terão uma recessão "double dip".
Na semana passada, conversei com Richard Koo, economista-chefe da Nomura Research Institute, o braço de pesquisas da corretora Nomura. Koo é considerado o maior especialista do mundo nas chamadas recessões "de balanço", em que é necessário haver um 'desendividamento' de consumidores e empresas.
Para Koo, os Estados Unidos, da mesma forma que o Japão nos anos 90, estão sofrendo de uma recessão de desequilíbrio de "balanço". Esse tipo de recessão é rara, acontece apenas a cada 70 anos. Decorre do estouro de um bolha de ativos (imobiliária, no caso dos EUA). Depois do estouro dessa bolha, o setor privado está querendo se livrar das dívidas que acumulou durante o período de euforia. Por isso, reduzir juros não adianta, porque consumidores não querem tomar empréstimos, eles querem pagar os que já têm (vide armadilha de liquidez do Japão da década perdida). Dado que a política monetária é pouco eficiente, é necessário o governo entrar no jogo, substituindo a demanda do setor privado, ainda não recuperada, com programas de estímulo fiscal.
É isso que os EUA vêm fazendo. Desde que o presidente Barack Obama assumiu, o governo injetou na economia US$ 1,2 trilhão em estímulos fiscais. Além disso, na política monetária, o Fed (o BC americano) cortou as taxas de juros para zero e, por meio dos programas de afrouxamento quantitativo (QE1 e QE2), injetou US$ 2,3 trilhões na economia ao comprar títulos.
O grande perigo, adverte Koo, é suspender a medicação de forma precoce. Os republicanos e ortodoxos estão em campanha aberta para cortar os gastos do governo agora.
Os Estados Unidos correm o risco de repetir os erros do Japão e mergulhar em uma década perdida, como a economia japonesa nos anos 90, alerta Koo.
"O que precisamos agora é uma continuação de programas de estímulo fiscal, em que o governo toma emprestado e gasta em obras, por exemplo, para substituir a demanda que o setor privado não está originando", diz Koo, que vem ao Brasil na semana que vem para fazer uma palestra sobre o que os EUA podem aprender com a recessão japonesa dos anos 90.
"Vai ser muito difícil convencer os republicanos que o governo precisa continuar gastando nos programas de estímulo fiscal, porque eles querem começar a cortar despesas e reduzir já o deficit. Mas se os ortodoxos conseguirem acabar com os estímulos fiscais agora, enquanto o setor privado ainda está se desendividando, a economia volta a desacelerar."
Para os japoneses, lembra Koo, foram 15 anos até a saída da "recessão de balanço" nos anos 90, porque eles "retiravam de forma prematura o remédio necessário."

Patrícia Campos Mello

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