quarta-feira, 22 de junho de 2011

Microlitigações e nanofraudes

A criação de aplicativos é a nova Serra Pelada do digital, atraindo profissionais das mais diferentes áreas e níveis de preparo. Olhe em volta e não será difícil encontrar quem afirme ter algumas ideias geniais para aplicativos que, naturalmente, gerarão verdadeiras fortunas.
Distorções à parte, uma coisa é certa: o mercado de aplicativos para celulares não teria o tamanho e a importância que conquistou se a internet não permitisse o surgimento de um tipo de transação e movimentação econômica nunca antes possível: o micropagamento. É graças a ele que microempreendedores se lançam em mercados nunca dantes navegados, como a exportação ou importação de componentes e a produção em larga escala.
Não há dúvidas que o mundo de novas oportunidades criadas por esse mercado seja fascinante. As microtransações, no entanto, abrem caminho para dois tipos de ação que, apesar de estarem de lados opostos da lei, são igualmente odiadas: ações judiciais e fraudes.
Todos conhecem aquele tipo de ação jurídica em que uma associação, representando um número grande de vítimas, concentra esforços para pressionar uma empresa gigantesca, como uma companhia aérea, telefônica, farmacêutica ou fabricante de cigarros. A lógica não poderia ser mais simples: unidos, ficamos em pé, divididos, caímos. O contrário sempre foi uma das melhores desculpas para a pirataria. Que empresa moveria seu time de advogados para combater um pobre, solitário e indefeso consumidor? A mídia não ajudava, chamando toda a atenção possível para velhinhas detidas por usarem inadvertidamente um sinal pirata, enquanto havia tanta injustiça no país. Uma coisa nunca teve nada a ver com a outra, mas como explicar?
Pois quando ninguém mais esperava, a tecnologia resolveu dar uma forcinha para os grandes. Nos Estados Unidos (por que será?), a prática é tão comum que ganhou até um termo de jargão: spamigation, o disparo de processos coletivos contra milhões de usuários.
A ideia é, para variar, simples e brilhante: um e-mail oficial, de uma associação como a RIAA, que protege direitos autorais, chega em sua caixa postal. É spam, mas é legítimo. Quem se dispor a desembaraçar a verborragia jurídica descobrirá que a encrenca é grave e as provas, bem evidentes. Para quem não quiser ler o contrato, a mensagem é clara: seu nome está na lista negra e a multa... já deu pra adivinhar, é de cerca de um dólar. Facilite sua vida, clique em um botão e sua ficha fica limpa de novo. Por via das dúvidas, por que não clicar? É uma bagatela considerada a dor de cabeça caso a ameaça se confirme.
A invasão até seria tolerável, se fosse reduzida a poucos casos. Mas, como todo advogado bem o sabe, a lei de direitos autorais tem alguns absurdos que costumam ser ignorados. Conforme o ponto de vista, até um karaokê improvisado ou um bolo de aniversário infantil pode ser tratado como violação de propriedade intelectual, quando veiculada no YouTube. Ninguém os leva a sério, mas poderia, já que são uma mina de ouro. Milhões de pessoas a remover, por alguns centavos cada, vídeos ofensivos do ar.
Esse tipo de processo aqui ainda é novidade, mas não deve demorar. Com ele virão inúmeras fraudes e vírus travestidos de documentos que ninguém quer ler. A melhor proteção seria acelerar a atualização das leis de direitos autorais. Mas isso é pedir demais.

Luli Radfaher

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