terça-feira, 28 de junho de 2011

À espera de um milagre


GENEBRA - Estou sentado no Quai du Général-Guisan, junto ao lago de Genebra. O momento talvez exigisse meditações espirituais mais profundas.
Mas eu sou um materialista, leitor. Minhas observações esbarram no trânsito. Ou, para ser mais preciso, nos automóveis que vejo passar à minha frente.
Alguns fatos: Genebra é uma das mais caras cidades do mundo. Capital de bancos, joalharia fina, relógios de luxo. E o salário mínimo nacional pode chegar aos R$ 4.500 por mês.
Mas o que mais me impressiona é a qualidade do parque automóvel em Genebra. Ele é exatamente igual ao parque automóvel em Lisboa.
É um cortejo infindo de BMW's, Audi's, Mercedes. De vez em quando, um Lamborghini e um Jaguar.
Admito que o cenário seja o mesmo em Dublin ou Atenas. Estranho? Sem dúvida. Mas não para a Suíça. Isso só é estranho para Portugal, Irlanda e Grécia, os três países que estão ligados à máquina da União Europeia e do FMI (Fundo Monetário Internacional) por causa de suas dívidas colossais.
Manifestantes atiram pedras em policiais em mais um dia de protesto em Atenas contra à política econômica
Manifestantes atiram pedras em policiais em mais um dia de protesto em Atenas contra à política econômica
Ou talvez não seja assim tão estranho: a entrada no euro permitiu juros baixos e crédito fácil a países fiscalmente irresponsáveis.
Foi o dilúvio: em Portugal, a dívida pública duplicou em apenas seis anos --de 80 bilhões de euros passou para 160 bilhões. E a dívida privada é hoje uma das maiores do mundo. A festa tinha que terminar.
E terminou. A questão está em saber se a União Europeia pode terminar também.
Os olhos estão postos na Grécia. A questão é a seguinte: um ano após o último plano de resgate (110 bilhões de euros), o país ainda não regressou ao mundo dos vivos.
Com a economia em recessão (o Produto Interno Bruto recuou 5,5% no primeiro trimestre deste ano), com desemprego recorde (15,9%) e devendo o equivalente a uma vez e meia o seu PIB, a Europa espera que o Parlamento grego aprove novas medidas de austeridade (aumentos de impostos, cortes de salários etc.) e um ambicioso plano de privatizações, capazes de arrecadar 78 bilhões de euros até 2015.
Sem esse plano, não há novo cheque de Bruxelas de 120 bilhões de euros para tapar o buraco das contas helênicas.
Ninguém acredita que a Grécia se recuse a aprovar o pacote: isso seria a falência imediata do país e, quem sabe, do próprio sistema bancário europeu.
Mas o mais paradoxal, e o mais dramático, é que também ninguém acredita que um novo pacote de austeridade vai resolver coisa alguma: a Grécia está hoje capturada pela armadilha infernal da recessão econômica e da dívida crescente; e a primeira torna a segunda simplesmente impagável.
A revista 'The Economist', com típico humor britânico, resumia o absurdo da situação em duas frases: o plano não funciona? Então vamos manter o plano.
Mas há quem discorde sobre a natureza insolúvel do impasse.
Para os otimistas, a crise das dívidas soberanas que se instalou na Europa seria facilmente resolvida se a União Europeia, de uma vez por todas, assumisse a sua vocação federal: uma união política, econômica, fiscal, com mecanismos de transferência entre estados, capaz de corrigir os desequilíbrios entre os países fortes do Norte e os países deficitários do Sul.
Outros, mais pessimistas, lembram que a utopia é impraticável: os povos do Norte não tencionam subsidiar eternamente os relapsos do Sul. Chegou a hora de abandonar a ideia insana de que diferentes países, com diferentes estruturas produtivas, podem partilham uma mesma moeda. A Grécia deve seguir o seu caminho fora do euro. A Alemanha deve seguir o seu dentro do euro. Já bastou o que bastou.
Duas visões, duas fatalidades. No futuro próximo, a Europa terá de optar por uma delas.
Mas, até esse dia chegar, a estratégia do momento é despejar dinheiro sobre os gregos e esperar que um milagre aconteça.

João Pereira Coutinho

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