quinta-feira, 26 de maio de 2011

O caminho dos Rios

São Paulo cresce sempre baseada nas suas potencialidades, no que tem de bom, mas acaba fazendo com que a infraestrutura freie o seu próprio desenvolvimento.
Está numa partida onde joga contra si própria.
Este jogo é antigo. E um exemplo é a canalização dos nossos rios, que ano após ano volta a ser discutida e foi responsável pela grande prioridade da cidade: os carros.
Prestes Maia, conhecido por ser um grande prefeito em função de suas obras, teve quem o contestasse e, se os esforços tivessem se unido em prol de um plano integrado de urbanização, talvez o rumo dessa história tivesse sido outro.
O problema da nossa cidade foi ter dado ao carro uma preponderância que, quando em contato com outros meios de transporte, entra em choque.
Quando se decide implantar um Corredor de Ônibus, como o Diadema-Brooklin, prontamente surgem as reclamações. Como pegar uma pista inteira e jogá-la para o ônibus? É como se tivessem tirado uma coisa que é do carro por direito.
Hoje, não estamos mais no tempo de Prestes Maia. Hoje, não há o entendimento de que o carro precisa de uma restrição, até para evitar que tenhamos pedágios. E normalmente, o difícil é entender coisas que você não viu, mas uma afirmação é certa: Quanto mais espaço, mais carros.
Em Londres, por exemplo, em algumas ruas não é permitido automóvel. O fato de não ser uma cidade feita para carros, permite que a população de quase 8 milhões de pessoas viva bem sem as grandes vias como temos aqui.
Uma mudança precisa acontecer, priorizando o transporte público ao invés do individual e não só da parte do governo, mas na mudança de postura de cada um.
Para discutir como os nossos rios foram os protagonistas de toda essa história, passo a palavra para a Bióloga, Luisa Haddad.

ENTRE RIOS

Está disponível na internet um filme interessante que tenta nos mostrar que, apesar de não vermos mais, São Paulo se desenvolveu em função dos seus Rios. O vídeo aborda como o fato de não os termos respeitado, se tornou um dos principais motivos para os problemas que enfrentamos hoje, como congestionamentos e enchentes.
Através de depoimentos, fotos e fatos, recompõe o cenário da cidade antes da urbanização, desvendando a origem e os reais interesses de ações como a retificação, canalização e destruição das áreas de várzea. Passo a passo vai percorrendo a história e mostrando como a mudança de cenário foi acontecendo.
Os rios, que antes eram a base, passaram a se tornar barreiras para o crescimento da cidade. E assim foram da liberdade para o cano. Pagaram a conta das reformas urbanas, se tornando motivos de divergências políticas entre Prestes Maia e Saturnino de Brito.
Enquanto Saturnino defendia que todos os rios deveriam ter um lago, uma várzea para conter as águas nos períodos de cheia, Prestes Maia apresentou o seu plano de avenidas, sonegando informações sobre a necessidade de se ter outros meios de transporte (ferrovias e hidrovias) integrados às ruas. O resultado foi que o carro se tornou a peça chave no discurso de modernização.
Para a construção das avenidas, os sinais da natureza, como áreas alagadiças e úmidas, foram ignorados. Para cada nova obra viária, nova canalização e o espaço das águas se tornou o espaço dos carros.
O vídeo tenta mostrar como chegamos até aqui e o que precisa mudar para que consigamos sair desse ciclo vicioso de obras, onde os investimentos emergenciais são sempre tão pontuais, que não permitem que a cidade tenha um planejamento urbano de longo prazo. Precisamos de uma nova geração de profissionais que terão como foco, um novo planejamento do espaço urbano. Citando Peter Drucker: "O planejamento de longo prazo não lida com decisões futuras, mas com o futuro de decisões presentes".
A retificação dos rios causa um aumento da velocidade do fluxo, que inicialmente era a intenção: levar o lixo e o esgoto para longe mais rápido; e a canalização é a tentativa de esconder a sujeira e conter uma força da natureza. A água procura onde se infiltrar, para onde correr. Se o solo não é permeável ou não apresenta espaços que ela possa ocupar, ela vai tomar a cidade.
E parece que só assim para que os rios sejam lembrados. Precisamos de calçadas verdes, de reservatórios, de solo para absorver essa água. A política fragmentada que temos hoje, leva a uma série de consequências e nós, os cidadãos e a cidade, pagamos um preço alto.
Estima-se que o Brasil perca 6 bilhões por ano nas enchentes. Quanto mais terá que ser gasto para que se entenda que é o esgoto que precisa ser canalizado e não os rios? A instalação de interceptores para impedirem que o esgoto caia nas águas dos córregos e rios é uma medida urgente. Não se trata de discurso ambientalista, isso é investimento em saneamento.
Propostas de revitalização dos rios já são realidade no mundo. Neles, busca-se restaurar suas margens, limpar suas águas para que a sua função ecológica seja reestabelecida. A ideia é que os rios deixem o papel que lhes foi dado de escoamento de água e esgoto e assumam sua responsabilidade ambiental original, seguindo o seu caminho naturalmente.
Luisa Haddad é bióloga, formada pela Universidade Estadual Paulista. Sua vivência está baseada na multiplicidade de ambientes. Atuou em comunidades indígenas de Roraima e morou no Pantanal. Hoje é habitante da cidade de São Paulo e consultora em sustentabilidade.

José Luiz Portella

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