segunda-feira, 30 de maio de 2011

Contra o desamparo aprendido

O desemprego é um terrível flagelo em boa parte do mundo ocidental. Há quase 14 milhões de desempregados nos Estados Unidos, e outros milhões de pessoas estão se virando com empregos de tempo parcial ou em cargos nos quais não utilizam sua capacitação profissional. Em alguns países europeus, a situação é ainda pior: 21% dos trabalhadores espanhóis estão desempregados.
E a situação não está exibindo sinais de melhora rápida. Trata-se de uma tragédia que parece fadada a continuar, e em um mundo racional pôr fim a essa tragédia seria a maior prioridade econômica.
No entanto, algo de estranho ocorreu com o debate político: dos dois lados do Atlântico, surgiu um consenso entre os poderosos de que nada pode ou deve ser feito com relação à situação do emprego. Em lugar da determinação de fazer alguma coisa sobre o sofrimento e o desperdício econômico correntes, o que vemos é uma proliferação de desculpas para a inação, disfarçada por uma retórica de sabedoria e responsabilidade.
Por isso, é preciso que alguém diga o óbvio: inventar motivos para não recolocar os desempregados na força de trabalho não é sábio e nem tampouco responsável. Em lugar disso, é uma grotesca abdicação de responsabilidade.
De que espécie de desculpas estou falando? Bem, considerem o mais recente relatório sobre perspectivas econômicas lançado na semana passada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A OCDE é basicamente uma organização de pesquisa intergovernamental; embora não tenha capacidade direta de determinar políticas, aquilo que ela afirma tende a refletir a sabedoria dominante entre as elites políticas europeias.
E o que a OCDE tem a dizer sobre o elevado desemprego de seus países membros? "O espaço para políticas macroeconômicas que se direcionem a esses complexos desafios está em larga medida esgotado", afirmou o secretário geral da organização, que em lugar disso conclamou os países a "agir estruturalmente" -ou seja, a se concentrarem em reformas de longo prazo que pouco impacto terão sobre a atual situação do emprego.
E como sabemos que não existe espaço para políticas que permitam que os desempregados voltem a trabalhar? O secretário geral não explicou -e o relatório não sugere em momento algum qualquer possível solução para a crise do emprego. Tudo que o texto faz, ao que parece, é enfatizar os riscos de qualquer desvio quanto à ortodoxia econômica.
Quem, aliás, está falando a sério sobre a criação de empregos, nos dias que correm? Não o Partido Republicano, a menos que os apelos rituais por cortes de impostos e desregulamentação sejam computados nesse sentido. E não o governo Obama, que mais ou menos abandonou o assunto 18 meses atrás.
O fato de que ninguém no poder esteja falando sobre empregos não significa, no entanto, que nada possa ser feito.
Tenha em mente que os desempregados não estão desempregados porque não desejam trabalhar ou porque lhes falte a capacitação requerida. Não há coisa alguma de errado com os trabalhadores norte-americanos -lembre-se de que apenas cinco anos atrás o índice de desemprego era inferior a 5%.
O cerne de nosso problema econômico é na verdade a dívida -principalmente a dívida hipotecária- que os domicílios acumularam nos anos da bolha da década passada. Agora que a bolha estourou, a dívida causa arrasto persistente na economia, impedindo qualquer recuperação real no emprego. E assim que você leva em conta que esse excedente de dívida privada é o problema, percebe que existem diversas coisas que poderiam ser feitas a respeito.
Por exemplo, seria possível realizar programas de trabalho coordenados pelo governo, como na época do New Deal, e aproveitar os desempregados para funções úteis como o reparo de estradas -o que também facilitaria, ao elevar a renda disponível, o pagamento das dívidas dos domicílios. Poderíamos conduzir um programa sério de reformulação de contratos hipotecários, para reduzir a dívida dos mutuários que enfrentam problemas para pagar os financiamentos de suas casas. Poderíamos tentar conduzir a inflação de volta aos 4% que prevaleciam no segundo mandato de Ronald Reagan, o que poderia ajudar a reduzir a carga real de dívidas.
Essas são políticas econômicas que poderíamos estar seguindo com o objetivo de reduzir o desemprego. Seriam políticas heterodoxas -mas os problemas econômicos que enfrentamos não são ortodoxos. E aqueles que alertam quanto aos riscos de agir precisam explicar por que esses riscos deveriam nos preocupar mais do que a certeza de sofrimento continuado para uma grande massa de pessoas caso continuemos a nada fazer.
Ao apontar que poderíamos estar fazendo muito mais quanto ao desemprego, reconheço, evidentemente, os obstáculos políticos à adoção de medidas que poderiam funcionar. Nos Estados Unidos, especialmente, qualquer esforço para reduzir o desemprego enfrentará bloqueio da oposição republicana. Mas isso não é motivo para abandonar o debate da questão. Na verdade, relembrando minhas colunas dos últimos 12 meses ou pouco mais, fica claro que eu também pequei: realismo político é necessário, mas não comentei o suficiente sobre o que realmente deveríamos estar fazendo para lidar com nosso problema mais importante.
Na minha visão, as autoridades econômicas estão se deixando arrastar a uma condição de desamparo aprendido com relação à questão do emprego: quanto mais deixam de agir para solucionar o problema, mais se convencem de que não há o que fazer. E aqueles de nós que sabem que isso não procede precisam fazer tudo que podem para romper esse círculo vicioso.

Paul Krugman

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