sábado, 30 de julho de 2011

Teto da dívida: o buraco é mais embaixo

Republicanos e democratas podem até chegar a um acordo para elevar o teto da dívida americana antes do dia 2 de agosto e, assim, evitar o que o presidente Barack Obama chamou de "Armageddon".
Mas o buraco é mais embaixo.
Mesmo com acordo, é quase certo que a nota de crédito dos Estados Unidos que hoje é AAA, a máxima vai ser rebaixada. Agências de classificação de risco como a Standard & Poor's já avisaram que, a menos que se chegue a um acordo que preveja uma redução de US$ 4 trilhões no déficit ao longo de 10 anos, haverá um "downgrade".
Além disso, seja qual for o acordo, ele vai resultar em mais areia no anêmico crescimento americano. Isso porque o problema fiscal americano é de médio prazo. No curto prazo, cortar gastos do governo e benefícios a desempregados vai só piorar a situação, porque vai reduzir a arrecadação.
Ou seja, diante de um crescimento anualizado de apenas 1,3% no segundo trimestre, o certo seria manter aos amortecedores fiscais para resgatar a economia da crise. E não cortar já.
A médio prazo, isso sim, é necessário reestruturar a Previdência Social e o programa de saúde Medicare. É isso que torna a situação fiscal dos EUA insustentável.
Agora, os planos atuais em discussão não lidam com esses problemas estruturais cortam apenas perfumaria e rede de apoio social.
E quando vier o inevitável downgrade da nota de crédito, o que acontece?
É pouquíssimo provável que algum acordo chegue aos US$ 4 trilhões e planos para sustentabilidade fiscal almejados pelas agências de risco.
Por isso, provavelmente elas vão reduzir a nota dos EUA de AAA para AA ou AA+.
Na prática, isso significa que ficará mais caro para os Estados Unidos tomarem empréstimos (por meio de emissão de títulos, por exemplo, os investidores vão exigir maior remuneração, já que os EUA não mais são considerados tomadores 100% seguros).
Nas contas do JP Morgan, um downgrade levaria os juros dos Treasuries a subir entre 0,6 e 0,7 ponto porcentual no longo prazo e isso custaria US$ 100 bilhões por ano.
Ou seja, os EUA vão pagar US$ 100 bilhões a mais em juros por ano dinheiro esse que deixa de ir para escolas, requalificação de americanos desempregados que não conseguem se recolocar, infraestrutura, etc, etc.
O cenário é ruim, mas não é apocalíptico. Como explicou David Wessel em coluna recente no "The Wall Street Journal", apenas um punhado de instituições financeiras com regras mais estritas teriam de se livrar dos títulos americanos se eles perderem a nota de crédito máxima.
Fundos mútuos de investimentos, que detêm US$ 684 bilhões em títulos da dívida americana, não iria vendê-los nem deixar de comprá-los. Tampouco as seguradoras.
O chamado "repo market", no entanto, que usa os títulos doTtesouro como colateral, pode sofrer turbulências.
Mas, de forma geral, não é que todo mundo vá sair vendendo os títulos americanos e refugiar em papeis da dívida de países que mantêm a nota AAA, como Áustria, Noruega e Cingapura.
Os títulos do Tesouro americano são os mais líquidos do mundo, com US$ 580 bilhões negociados por dia quase dez vezes mais liquidez que os gilts britânicos (US$ 34 bilhões) e os Bunds alemães (US$ 28 bilhões). Ou seja, é extremamente fácil para o investidor comprar e vender Treasuries, nenhum outro papel chega perto disso.
E para o anêmico crescimento dos EUA, quanto vai custar o inevitável corte de gastos do governo de curto prazo?
Para Willem Buiter, do Citibank, cortes de gastos no curto prazo de até US$ 200 bilhões vão reduzir o PIB em 0,2% a 0,7%.
Portanto, não se trata do melhor timing para cortar estímulos do governo e rede de proteção social a desempregados, certo? Não para a facção mais à direita dos republicanos. Como diz esta semana a revista The Economist: "A direita americana já foi líder mundial quando se tratava de repensar o governo; agora, é um pigmeu intelectual."

Patrícia Campos de Mello

Nenhum comentário:

Postar um comentário