quinta-feira, 28 de julho de 2011

Brasil, um cenário em busca de roteiro

Como sempre puxado pela economia, e com pouco planejamento, o Brasil começa a ocupar espaço crescente no imaginário mundial.
Nossas commodities e títulos muito bem remunerados da dividia pública são ativos quentes do mercado global há muito tempo. Mas agora chegou a vez de produtos mais sofisticados da brasilidade, o nosso "soft power", a resultante específica da civilização brasileira.
Anders Behring Breivik, o demônio norueguês que matou mais de 90 pessoas neste mês, faz 12 menções ao Brasil no manifesto que publicou refletindo o ideário da extrema direita europeia. Para defender o racismo e a xenofobia, Breivik, o viking, ataca o Brasil pela miscigenação e atribui à mistura brasileira nossa incapacidade de alcançar grau mais elevado de desenvolvimento.
Nossa miscigenação revela um pragmatismo histórico, já que os portugueses não se deram ao trabalho de trazer mulheres com os primeiros colonos, e, mesmo que estejamos distantes da fantasiosa "democracia racial", ela é um atributo muito positivo hoje, exceto entre grupelhos extremistas.
Mas quais outros atributos queremos comunicar ao mundo agora que nossa voz está mais forte e é mais ouvida? Como vamos apresentar o Brasil a esse novo público? Qual é a nossa estratégia de comunicação como nação que reforce nossas posições comerciais, políticas e culturais? Temos uma? Quem deve formulá-la? Quem deve executá-la?
Os EUA, benchmark do capitalismo continental, viram desde cedo que vender o "american way of life" era mais eficiente e poderoso do que vender carros e refrigeradores. Multinacionais e estúdios de Hollywood alinhavam valores e comunicação com Washington. Enquanto as indústrias despachavam manufaturados Made in USA para o mundo, o Departamento de Estado despachava big bands comandadas por Dizzy Gilespie.
Não temos a pretensão, ao menos por enquanto, de sair por aí vendendo o "brazilian way of life", que pode desandar no famigerado "jeitinho brasileiro". Mas o que o Brasil está fazendo para promover seus valores e posições na era da comunicação global?
A China tinha um projeto claro de relações públicas internacionais para as Olimpíadas de Pequim: mostrar ao mundo (e encantá-lo com) sua capacidade de planejamento e realização, sua tecnologia, sua precisão, sua nova riqueza, sua liderança no quadro de medalhas. Mas a China é uma ditadura comunista, e a repressão a protestos políticos durante os jogos em Pequim acabaram revelando o lado escuro do vermelho.
O Brasil quer mostrar o que do verde e amarelo? No "upside", somos uma democracia vibrante, com economia capitalista ascendente, sociedade tolerante e índole cordial. É um grande conjunto, mas intangível. Como materializá-lo?
Não creio que o Itamaraty seja o melhor endereço para buscar a resposta. Nossos diplomatas são cidadãos globais, mais parecidos com diplomatas alemães ou chineses do que com outros cidadãos brasileiros. E a diplomacia sempre foi importante demais para ser deixada aos diplomatas, um erro histórico do Brasil (que sob Lula foi suplantado por um erro maior ainda chamado Marco Aurélio Garcia).
Lula, do alto de sua aprovação popular, foi, do seu jeito sempre ambíguo, voluntarioso, às vezes insolente, carismático e macunaímico, um porta-voz importante e eficiente do novo Brasil, um formulador original de nosso "soft power".
Lula comunicou um Brasil democrático, emancipado da pobreza e por isso confiante como nunca. Mas Dilma fala pouco para fora. E o espaço que Lula ocupou no debate global é um espaço que o Brasil precisa não só manter, como ampliar.
O colapso financeiro do fim dos anos 00 pariu um mundo diferente, onde o dinamismo migrou das economias centrais para as periféricas, que agora vão se tornando também centrais.
O Brasil ainda é um país bastante fechado para tal protagonismo. Nossas trocas (de mercadorias, pessoas e informações) com o mundo ainda são relativamente baixas. Mas crescem com velocidade maior do que a do PIB. É uma trajetória segura de crescimento, para a qual faltam uma ideia de nação e uma estratégia de comunicação.
O lulo-petismo fez uma equivocada opção pelos pobres na nossa política externa. O governo passado recusou convite de ingresso no clube dos ricos, a OCDE, para (tentar) nos posicionar como líder dos pobres. Parece que há um espaço melhor fora dessa falsa dicotomia, onde o Brasil possa ser justamente uma ponte entre ricos e pobres, entre Norte e Sul.
Temos dois encontros marcados com a opinião pública mundial, na Copa do Mundo de 2014 e nos Jogos Olímpicos de 2016. É uma sessão dupla com as duas maiores plateias mundiais.
Mais do que tocar obras, precisamos começar a escrever um roteiro.
Os aeroportos e os estádios serão apenas o cenário para a história que queremos contar.

Sérgio Malbergier

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