terça-feira, 9 de agosto de 2011

Pesadelos de Cristina

Até pouco tempo atrás, ninguém duvidava da possibilidade de reeleição da peronista Cristina Kirchner como presidente da Argentina, em outubro próximo. A viúva de Néstor Kirchner mantinha, com relação ao atual segundo colocado, Ricardo Alfonsín (UCR), uma diferença que variava de 20% até 30% dos votos, dependendo da pesquisa.
Ou seja, o clima de já-ganhou era forte, e muitos duvidavam até mesmo que pudesse haver um segundo turno. Os números sugeriam Cristina embolsando a eleição logo de cara.
Nas últimas semanas, porém, a candidata da coligação Frente para la Victoria vem acumulando algumas derrotas.
A mais recente foi a denúncia de que um juiz da Corte Suprema vinculado ao kirchnerismo, Eugenio Raúl Zaffaroni, teria imóveis seus em Buenos Aires alugados para negócios de prostituição. A revelação foi feita pelo jornal "Perfil" e investigada pela ONG La Alameda.
Os grandes veículos e a oposição vêm metralhando Zaffaroni, em parte com a intenção de atingir também o governo federal. Este contra-atacou com declarações de apoio ao magistrado. Já Zaffaroni diz que não sabia o que se passava nos apartamentos, pois sua administração estava nas mãos de uma imobiliária. O caso ainda está em aberto.
Trata-se do mais recente de uma série de abalos que andam tirando o sono da equipe de campanha de Cristina.
Primeiro, foi o escândalo das Mães da Praça de Maio, em junho. A mais célebre associação de direitos humanos do país viu-se envolvida num esquema de lavagem de dinheiro e de desvio de recursos públicos que seriam usados para a construção de casas populares.
O caso tampouco está elucidado e não se sabe que impacto terá na votação de Cristina. Mas o fato é que as Mães são um símbolo importante para o kirchnerismo, que se vangloria desde o governo de Néstor por lutar pelos direitos humanos.
Em julho, veio o resultado negativo dos exames de DNA dos filhos adotivos de Ernestina Herrera de Noble, proprietária do "Clarín". O governo federal, em guerra com o veículo desde 2008, apoiava o processo contra Noble aberto pelas Avós da Praça de Maio, que a acusavam de crime de lesa-humanidade, pela suspeita de ter adotado dois bebês sequestrados pelos militares, em 1976.
Na sequência, veio a vitória massacrante de Maurício Macri (do PRO), uma das principais figuras de oposição a Cristina hoje na Argentina, na eleição para prefeito de Buenos Aires.
Na semana seguinte, foi a vez de o kirchnerismo sofrer uma derrota nas urnas em Santa Fé, província-chave em termos de eleitorado. O socialista Antonio Bonfatti foi o vencedor do pleito provincial, enquanto o candidato kirchnerista, Agustín Rossi, amargou um distante terceiro lugar.
Além de tudo isso, Cristina está assistindo o rival Eduardo Duhalde ganhar força. O ex-presidente vem amealhando votos entre setores do campo e empresários. No fim da semana passada, recebeu apoio de políticos do PRO, partido de Macri em ascensão no país. Duhalde agora vislumbra a possibilidade de roubar o segundo posto de Alfonsin.
Como as pesquisas em geral não são confiáveis e se mostraram equivocadas (ou compradas) na eleição portenha, é impossível avaliar de fato o real efeito que esses eventos podem ter nos números finais.
Não se pode desprezar a força do kirchnerismo, tampouco a imensa popularidade de Cristina entre os menos favorecidos e o modo como tem angariado apoio desde a morte do marido. Além disso, com a oposição fragmentada e os partidos fragilizados, tudo leva a crer que a viúva de Kirchner tem grandes chances de sair vitoriosa.
Porém, cada semana parece trazer uma nova ameaça ao bom desempenho de sua candidatura. Será suficiente para provocar um segundo turno ou até uma virada de mesa?
O grande teste será no próximo domingo, dia 14, quando acontecem as eleições primárias obrigatórias.
Essas primárias são uma novidade no sistema eleitoral argentino. Foram criadas por uma lei de 2009 para fazer com que os partidos escolhessem seus candidatos por meio do voto popular. Porém, nesta eleição presidencial, está inscrito somente um candidato por cada partido. Ou seja, a votação vai servir mais como um termômetro do humor do eleitorado do que para definir candidaturas.
Permitirá, porém, revelar se existe um segundo colocado com votação expressiva e habilidade política suficientes para chamar uma aliança que possa tornar mais disputado um eventual segundo turno.
Será bom para a oposição, e ruim para Cristina, que certamente preferiria que a eleição fosse hoje para não correr mais riscos.

Sylvia Colombo

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