domingo, 7 de agosto de 2011

Dormindo com o inimigo

Ao deitar para dormir, é hora de relaxar. Despir a armadura que enfrenta o dia a dia, esquecer todos os cuidados que se tem para sobreviver numa cidade cheia de riscos, oportunidades e incoerências. Colocar o pijamão e descansar. Ninguém é de ferro. O quarto é o refúgio mais íntimo. Lá, se pode respirar aliviado.
Ledo engano. São Paulo nos surpreende a cada dia. E a cada noite.
Você pode começar a respirar um ar mais prejudicial até que o ar da rua cheia de veículos. O vilão é o mesmo, sempre o mesmo: o carro (veículos automotores).
Se durante o dia você deixou alguma janela aberta para exatamente, em nosso senso comum, renovar o ar, material particulado que está em suspensão na rua entra no refúgio do seu quarto. Na casa toda. E você vai respirar algo tão grave quanto o cigarro, sem saber, a noite toda. Todos os dias e noites em que houver essa alta concentração de material particulado. Quando não há dispersão de poluentes. Geralmente no inverno.
Mesmo que o ar não seja pior do que o das ruas, ele pode ter uma qualidade péssima. Em medição na brilhante matéria de Márcio Pinho, Estadão, atingiu níveis internos de até 392% acima do limite recomendado pela Organização Mundial de Saúde. Grave.
Indústrias e queima da biomassa (como palha de cana) também produzem esse material, mas ninguém é pior do que o carro. 80%, pelo menos, do que está no ar, vem do carro.
Ele nos atinge até no quarto de dormir.
Não dá para eliminar o carro. Mas é possível reduzir seus efeitos com menos circulação e controle das emissões dos motores.
O que não é possível é descobrirmos a cada minuto um susto novo.
A cidade aceita uma rígida Lei Antifumo, para ser feliz, e poucos sabem que estão dormindo com o inimigo: a poluição que traz sérias doenças respiratórias.
Com a palavra, a bióloga da Cetesb, Ana Carolina Pontes Maciel*:
Tempo frio e seco e poluição fizeram pulular, nas últimas semanas, uma série de notícias a respeito da situação em que se encontra o elemento mais vital para manutenção da vida. Um mau resultado para a Região Metropolitana de São Paulo não nos surpreenderia tanto. Afinal, o que esperar de uma região que concentra 50% da frota veicular rodoviária do Estado em apenas 3,2% do território?
Certamente, a imagem que vem à mente ao refletir sobre esses dados é de uma via congestionada, ruidosa, repleta de veículos. Talvez ligeiramente turva pela fuligem. Os vasos frágeis de uma cidade doente.
Mas a novidade não veio daí.
Ao contrário do que imagina o senso comum, nossos 20 milhões de habitantes (ou 48% do Estado) não estão expostos à poluição apenas no cenário descrito. Afinal, portas e janelas não nos podem proteger tanto assim.
Fato é que o chamado material particulado conjunto de poeiras, fumaças e substâncias sólidas ou líquidas, que se mantêm suspensas na atmosfera - também está presente dentro de casa, podendo, inclusive, ser encontrado em concentrações superiores às dos ambientes externos. E, 80% oriundo da queima de combustíveis, vem corroborando com o aumento dos índices de doenças cardiorrespiratórias, especialmente nos grupos vulneráveis - crianças, idosos, gestantes. É como se o paulistano fumasse dez cigarros por dia, sem ser por opção.
Um problema ambiental e de saúde pública, que não está só lá fora. O que fazer?
De forma paliativa, se pode minimizar o problema evitando carpetes, bichos de pelúcia e demais objetos que retenham poeira. Preferir, para limpeza, panos úmidos a vassouras e espanadores, que re-suspendem tais partículas.
Mas não adianta fechar a porta: as medidas de maior impacto resolutivo demandam grande mudança de cultura e postura. Cada um de nós deve entender que a cidade foi feita para as pessoas, não para seus carros e passar a vê-la dessa forma, evitando ou reduzindo, sempre que possível, as viagens de automóvel.
O poder público, por sua vez, deve incluir no planejamento urbano uma gestão ambiental eficaz, que favoreça o diálogo entre empresa, universidade e governo. Um diálogo que produza conhecimento e tecnologia suficientes para subsidiar políticas públicas que visem à gestão sustentável do espaço urbano.
Que invista em pesquisas na área, debruçando-se sobre o problema, suas causas e efeitos, suas possíveis soluções, políticas ou tecnológicas.
E então poderemos respirar aliviados.

José Luiz Portella

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