domingo, 28 de agosto de 2011

Mandioca, o pão do Brasil

Originária do continente americano, a mandioca (Manihot utilissima Pohl, Manihot esculenta Crantz) é um dos pilares da alimentação brasileira desde os tempos mais remotos. Cozida, frita e assada, em farofas, paçocas, pirões, mingaus ou cremes, transformada em tapiocas e polvilhos, a mandioca é o verdadeiro pão do Brasil. A variedade de sinônimos regionais da mandioca é tão rica quanto as designações da cachaça no país: candinga, castelinha, macamba, maniva, moogo, mucamba, uaipi, xagala.
Muitos estudiosos acreditam que as primeiras raízes foram encontradas em nosso território, no sudoeste amazônico. Considerando as variações que sobre ela atuam em diferentes climas, altitudes e solos, acredita-se que existam cerca de 200 variedades no país. De modo geral, as variedades são classificadas em bravas ou mansas (estas últimas, recebem popularmente o nome de aipim ou macaxeira), conforme o teor de ácido cianídrico que contêm.
Da mandioca extrai-se a fécula ou amido. O amido é obtido da massa de mandioca já ralada, misturada à água e filtrada (num saco de algodão, por exemplo). O caldo obtido é rapidamente mexido e decantado, obtendo-se um pó alvo e fino que, depois de seco e tratado, será transformado em polvilho doce ou azedo, sagu (amido umedecido novamente e granulado em esferas), goma e tapioca. Esta última pode ser recheada e enrolada, ou misturada ao açaí, outro preparo emblemático do Norte.
A variedade de tratamentos dados à mandioca é particularmente grande na região amazônica. Lá utiliza-se, por exemplo, as folhas (maniva) num preparo conhecido como maniçoba — um caldo feito à base da maniva, com carne de porco e temperos (como a pimenta-de-cheiro), típico dos festejos do Círio de Nazaré, a maior manifestação católica do Brasil, que acontece em Belém. O prato cozinha lentamente, e leva dias para ficar pronto.
Mas são as farinhas, produzidas a partir das mandiocas mansas e bravas, a principal utilização desta raiz. A massa da raiz da mandioca — descascada, lavada e ralada — é prensada, às vezes peneirada, e torrada em tachos ou chapas de ferro sobre fornos. A farinha, portanto, não é “crua”, como se costuma dizer por aí. Essa última etapa, segundo os conhecedores do assunto, é a parte que exige maior experiência, pois detalhes como a intensidade de calor, a quantidade de massa e a rapidez com que é mexida alteram profundamente a qualidade do produto final.
Na região da Amazônia, é muito comum o consumo da farinha-d’água ou farinha puba, que é feita da massa de mandioca fermentada e adquire um gostinho ácido bastante característico. Com ela, fazem-se bolos, cuscuz e pirões. Uma das mais apreciadas na região é a farinha de Uarini ou ovinha, de grãos ovalados, dourados e resistentes, acompanhamento ideal para moquecas e caldos, principalmente os feitos com o tucupi.
O tucupi é o líquido da mandioca espremida, fermentado depois que se retira dela o amido. Obtido das mandiocas amarelas, as variedades comuns na Amazônia, ele possui toxinas e precisa de uma longa fervura para eliminá-las. É um ingrediente tão importante quanto a farinha na região. Nos fins de tarde, é comum encontrar manauenses e paraenses em busca de uma cuia de tacacá, vendida em estabelecimentos ou mesmo nas ruas. O tacacá é um delicioso caldo feito com o tucupi, a goma da mandioca, camarões secos e jambu, uma planta amazônica que tem a propriedade de amortecer a língua.
A mandioca e suas farinhas foram, a partir do século 16, o principal alimento destacado por cronistas e viajantes estrangeiros que visitaram o Brasil, como Pero de Magalhães Gândavo, Fernão Cardim e Gabriel Soares de Souza.Em sua passagem pelo Pará, os naturalistas Spix e Martius fazem uma descrição detalhada da extração do tucupi: método que se manteve praticamente inalterado passados 200 anos. Contam os naturalistas alemães na obra Viagem pelo Brasil (1817-1820): “Um cesto cilíndrico (chamado tipiti), cheio de mandioca ralada e, em sua parte inferior, carregado com uma pedra, pende de uma das travessas da choça. Deste modo simples, o suco venenoso das raízes frescas é espremido e cai num recipiente. Esse suco, engrossado ao fogo e misturado com pimenta (Capsicum) seca, produz o tucupi, tempero usual de todos os pratos de carne do qual os paraenses fazem uso”.
É preciso, entretanto, ficar atento às designações. Muitas vezes, a mesma farinha ganha nomes diferentes dependendo da região — como a farinha de copioba, feita na Serra de Copioba, na Bahia. A farinha polvilhada, também chamada de gomada, significa a mesma coisa: uma farinha rica em amido, que confere liga aos pratos de que participa.

Cristiana Couto

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