sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Complexo de poodle

Nossa presidenta chegou à reunião de cúpula do G-20 na França mais uma vez dando sermão nos já estressados colegas do hemisfério Norte sobre o que eles devem e não devem fazer para sair da crise. Parecia chefe de missão do FMI nos anos 1980 dando pito nos governantes da América Latina em crise.
A política externa econômica brasileira está cada vez mais agressiva tentando ser mais assertiva. Elevou a retórica, o protecionismo e o apetite por litígio.
Dilma Rousseff tem razão ao pedir "estímulo ao crescimento, ao emprego e à melhoria de vida das populações", como fez ontem ao chegar a Cannes. Aliás, quem é contra isso? Mas ela fala daquele jeito que parece uma bronca. E é.
E Dilma ainda nos intrometeu no impasse europeu que opõe Grécia a França e Alemanha ao defender mais gastos públicos e menos rigor fiscal para os europeus saírem da crise. Paris e Berlim exigem justamente o contrário de Atenas em troca do socorro financeiro, mas o governo grego botou a política na frente da economia e preferiu convocar um plebiscito sobre o pacote, enfurecendo Paris e Berlim.
O pior é que a assertividade dilmista vem de convicções duvidosas, para dizer o mínimo, sobre a eficiência do Estado como agente econômico. É uma assertividade precoce, presunçosa diante das profundas carências e misérias brasileiras.
Há ainda um fosso enorme que separa nossa economia e nossa qualidade de vida média das dos países a quem Dilma e seus assessores econômicos adoram dar lições de desenvolvimento (ou desenvolvimentismo). Dois rankings internacionais divulgados recentemente deixam isso claro.
No ranking sobre facilidade de fazer negócios do Banco Mundial, o Brasil está na posição 126 entre 183 países. Já no IDH, o ranking da ONU que mede o desenvolvimento humano em 187 países, o Brasil está na posição 84. Estamos muito atrás de quem criticamos em ambos.
É claro que nossas deficiências e carências são paradoxalmente nossas forças. Saná-las é caminho certo para o desenvolvimento. É por isso que nós crescemos mais que os países ricos.
Crescemos quase por inércia depois que consolidamos as regras básicas da economia de mercado num regime democrático. O potencial brasileiro é enorme, e bastou essa estabilidade para decolar, mesmo com ambiente de negócios horroroso. É uma força bruta, do brasileiro, sobretudo um forte, criativo e maleável para enfrentar o peso pesadíssimo de tributos, custos e obrigações.
Lula (boa recuperação!) e FHC foram presidentes solares, o melhor de seus grupos políticos, maiores que a vida, sínteses diferentes do mesmo país, complementares na realização máxima da história brasileira de fechar e firmar o consenso nacional em torno da democracia liberal capitalista.
Com Dilma, muito mais terra do que sol, o Brasil poderia ter a gerente que precisa para resolver problemas tão básicos como levar esgoto aos lares de milhões de brasileiros ou facilitar a abertura de empresas.
Apontar o dedo para o problema econômico dos outros não move um palito para resolver os nossos problemas. Nem os deles.
Não vamos trocar o complexo de vira-latas envergonhado pelo complexo do poodle, latindo sem consistência.

Sérgio Malbergier

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