terça-feira, 25 de janeiro de 2011

O mito da competitividade

O mote do novo governo é o mesmo mote de governos passados. Antes de pronunciar seu discurso anual sobre o estado da União, o presidente Obama já indicou qual será o tema: a competitividade. O Conselho Consultivo da Casa Branca para a Recuperação Econômica passará a se chamar Conselho de Emprego e Competitividade. E em discurso no rádio, sábado, o presidente declarou que "somos capazes de superar qualquer país do planeta em termos de competitividade".
Pode ser uma manobra política astuta. Seria possível alegar que Obama decidiu recorrer a um velho clichê em defesa de uma boa causa, como forma de justificar um aumento muito necessário dos gastos públicos, diante de um eleitorado que vem sendo intensamente doutrinado quanto à postura de que gastos governamentais são sempre um mau negócio.
Mas é melhor falar sério: discursar sobre "competitividade" como objetivo representa um erro fundamental de orientação. Na melhor das hipóteses, essa posição representa um diagnóstico incorreto de nossos problemas. Na pior, pode conduzir a políticas baseadas na falsa ideia de que aquilo que é bom para as grandes empresas norte-americanas é bom para os Estados Unidos.
Quanto ao erro de diagnóstico: que sentido faz encarar nossos problemas atuais como resultado de uma falta de competitividade?
É verdade que teríamos mais empregos se exportássemos mais e importássemos menos. Mas Europa e Japão o fazem, e mesmo assim estão com suas economias deprimidas. E não temos como exportar mais e importar menos a não ser que encontremos outro planeta ao qual vender. Sim, podemos exigir que a China reduza seu superavit comercial -- mas se um confronto com a China é a proposta de Obama, ele deveria declará-lo abertamente.
Além disso, embora os Estados Unidos venham registrando deficit comerciais, eles são menores do que os existentes antes do início da Grande Recessão. Seria útil que os pudéssemos reduzir ainda mais. Mas, em última análise, estamos nessa situação desagradável porque passamos por uma crise financeira, e não porque as companhias norte-americanas perderam a capacidade de competir com rivais estrangeiros.
Mas não haveria alguma utilidade em pensar em nosso país como se fôssemos a Cia. Estados Unidos, concorrendo no mercado mundial? Não.
Reflita: um líder empresarial que amplie os lucros de sua empresa ao reduzir seu número de funcionários é visto como bem-sucedido. Bem, foi ou menos isso que aconteceu nos Estados Unidos recentemente: o emprego caiu consideravelmente mas os lucros vêm batendo recordes. Quem, exatamente, considera a situação como um sucesso econômico?
Ainda assim, seria possível alegar que debater competitividade ajuda Obama a aquietar as alegações de que ele é hostil aos interesses das grandes empresas. Muito bem, desde que o presidente perceba que os interesses de grandes empresas nominalmente "norte-americanas" e os interesses do país, que jamais foram os mesmos, estão hoje ainda menos alinhados que no passado.
Um exemplo é a General Electric, cujo presidente-executivo, Jeffrey Immelt, recentemente foi indicado para o conselho de assessoria presidencial cujo alteração de nome mencionei acima. Nada tenho contra Immelt ou a GE. Mas, já que menos de metade de seus empregos estão nos Estados Unidos e menos de metade de suas receitas provém de suas operações norte-americanas, os resultados da GE pouco têm a ver com a prosperidade norte-americana.
Aliás, houve quem elogiasse a indicação de Immelt sob a alegação de que ele ao menos representa uma companhia que produz coisas, em lugar de ser apenas mais um mago das finanças. Lamento discordar, mas hoje em dia a GE gera mais receita com suas operações financeiras do que com suas operações industriais -- de fato, a GE Capital, que recebeu garantia governamental a suas dívidas, foi uma das maiores beneficiárias do resgate a Wall Street.
Assim, o que a adoção da retórica da competitividade pelo governo significa em termos de política econômica?
A interpretação favorável, como eu disse, é a de que se trata apenas de uma embalagem para uma estratégia econômica cujo pivô seria o investimento público -- um investimento cujo objetivo seria de fato criar empregos agora e preparar o crescimento em longo prazo. A interpretação desfavorável seria a de que Obama e seus assessores realmente acreditam que a economia está em crise porque foram duros demais para com as empresas, e que os Estados Unidos precisam agora é de reduções nos impostos empresariais e desregulamentação generalizada.
Meu palpite é o de que o objetivo principal é camuflagem, nesse caso. E se o presidente propuser aumento sério nos gastos com infraestrutura e educação, ficarei satisfeito.
Mas mesmo que proponha boas medidas, o fato de que Obama sinta a necessidade de embalá-las em más metáforas representa um triste comentário sobre a situação do debate nacional.
A crise financeira de 2008 poderia ter sido um momento de aprendizado, uma lição prática sobre o que pode acontecer de errado caso uma economia de mercado receba a atribuição de se regulamentar sozinha. E não devemos esquecer que economias altamente regulamentadas, como a da Alemanha, se saíram muito melhor que a nossa em manter o nível de emprego depois da crise. Por qualquer que seja o motivo, porém, o momento de aprendizado chegou e se foi sem que aprendêssemos coisa alguma.
Obama pode se sair bem, em termos pessoais: seus índices de aprovação estão subindo, a economia mostra sinais de vida e suas chances de reeleição parecem boas. Mas a ideologia que causou o desastre econômico de 2008 está por cima uma vez mais -- e parece provável que isso continue até que novo desastre seja caus.

Paul Krugman

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