domingo, 23 de janeiro de 2011

A China vai a Nixon

Por conta da atual visita do presidente chinês Hu Jintao aos Estados Unidos, a mídia está repleta de histórias sobre o poderio econômico chinês. E essas histórias são totalmente verdadeiras: embora a China continue a ser um país pobre, está crescendo rapidamente e, considerado seu imenso tamanho, já avançou bastante em seu esforço para se equiparar aos Estados Unidos como superpotência econômica.
O que é igualmente verdade, porém, é que a China se envolveu em uma trapalhada monetária que está se agravando a cada mês. Além disso, a resposta do governo chinês ao problema -- em meio à paralisia decisória provocada pela deferência aos interesses especiais, à falta de clareza intelectual e ao uso de táticas de acusação torna claro que não podemos contar com atitudes decisivas e efetivas de parte da liderança chinesa. Na verdade, na atual situação os chineses estão agindo de modo bem parecido ao nosso.
Até que ponto as coisas se complicarão? Os alertas de alguns analistas de que a China pode causar nova crise mundial parecem exagerados. Mas o fato de que haja pessoas dizendo esse tipo de coisa é indicação de até que ponto a situação parece descontrolada.
A raiz das trapalhadas chinesas é a política de uma cotação cambial fraca para a moeda do país, que alimenta um superavit comercial artificialmente elevado. Como já enfatizei em passadas colunas, essa política prejudica o resto do mundo, e eleva o desemprego em muitos outros países, entre os quais os Estados Unidos.
Mas uma política econômica pode ser ruim para nós sem que por isso seja boa para a China. De fato, a política cambial chinesa é um sistema sob o qual todos saem perdendo, porque ela a um só tempo deprime o emprego nos Estados Unidos e produz uma economia superaquecida e propensa à inflação na China.
Uma maneira de compreender aquilo que está acontecendo é considerar a inflação como no caminho do mercado para desfazer a manipulação cambial. A China vem usando uma moeda fraca para manter seus preços e salários baixos em termos de dólares; as forças de mercado reagem forçando alta desses preços e salários, o que reduz a vantagem competitiva artificial. Algumas estimativas que vi sugerem que, ao ritmo atual de inflação, a subvalorização chinesa pode desaparecer dentro de dois ou três anos -o que não seria suficientemente rápido, mas ainda assim viria antes do que muita gente espera.
Os líderes chineses, no entanto, estão tentado impedir esse desfecho, não apenas para proteger os interesses dos exportadores mas porque a inflação é ainda mais impopular na China do que em outros países. Um grande motivo é que a China na prática já explora seus cidadãos por meio da repressão financeira (e de outras formas de repressão, também, mas elas não são relevantes para o tema). As taxas de juros sobre os depósitos bancários ficam limitadas a apenas 2,75%, ou seja, abaixo da taxa oficial de inflação -- e quase todo mundo acredita que a inflação real chinesa seja substancialmente mais alta do que o governo admite.
Preços em alta rápida, ainda que acompanhados por aumentos de salários, agravarão ainda mais essa exploração. Não admira que o público chinês esteja zangado com relação à inflação e que os líderes do país desejem detê-la.
Mas por qualquer que seja o motivo -- o poder dos interesses exportadores, a recusa em fazer qualquer coisa que indique concessão diante de exigências norte-americanas ou simples incapacidade de pensar com clareza --, eles não estão dispostos a lidar com a causa essencial, permitindo uma alta de sua moeda. Em lugar disso, tentam controlar a inflação elevando as taxas de juros e restringindo o crédito.
Isso é destrutivo do ponto de vista mundial: já que boa parte da economia mundial continua deprimida, a última coisa de que necessitamos são agentes econômicos importantes promovendo políticas monetárias rígidas. Ainda mais importante, no que tange à China, porém, é que essas medidas não estão funcionando. É difícil impor restrições ao crédito, e injeções de hot money vindas do exterior ajudam a solapá-las ainda mais.
Já que os esforços para desaquecer a economia não estão funcionando, a China vem tentando limitar a inflação por meio de controles de preços -- uma política que raramente funciona. É uma medida que fracassou de maneira especialmente dolorosa na última vez em que foi tentada nos Estados Unidos, durante o governo Nixon. (E sim, isso significa que agora é a China que está vindo a Nixon.)
Que possibilidades restam, portanto? Bem, a China vem recorrendo à tática da acusação, e alega (falsamente) que a responsabilidade é do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), por estar imprimindo dinheiro demais. Mas embora culpar o Fed possa fazer com que os líderes chineses se sintam melhor, isso não vai mudar a política monetária dos Estados Unidos, ou ajudar a deter o monstro inflacionário chinês.
Será que isso pode se tornar uma crise grave? Se eu não conhecesse história econômica, consideraria a ideia implausível. Afinal, a solução das trapalhadas monetárias chinesas é tão simples quanto óbvia: basta permitir que o câmbio suba, o mais rápido possível.
Mas conheço história econômica, o que significa que sei que governos muitas vezes se recusam, ocasionalmente por anos, a fazer o óbvio -- especialmente quando há taxas de câmbio envolvidas. Em geral, eles tentam manter suas taxas de câmbio artificialmente fortes, e não artificialmente fracas, mas as duas coisas podem causar grande estrago.
Assim, a mais recente superpotência econômica parece mesmo estar a caminho de uma crise econômica, que causará danos colaterais ao mundo inteiro. Será que precisamos disso?

Paul Krugman

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