quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Deveres com os animais

Não é sempre que concordo com o colunista João Pereira Coutinho, que escreve às terças-feiras na Ilustrada. Diria, aliás, que se torna cada vez mais raro. Hoje (leia aqui seu texto “Homens e animais”), contudo, faço-o decididamente, ou melhor, só com um grãozinho de sal.
O raciocínio de Coutinho é límpido: touradas e outras formas de tortura (maus-tratos) contra animais devem ser abolidas não porque os bichos tenham direitos, mas porque nós homens temos deveres para com eles. É uma maneira inteligente de afirmar a ampliação da esfera moral advogada por Peter Singer sem enredar-se nas malhas problemáticas da atribuição de direitos às bestas.
Escrevi não faz muito no caderno Ilustríssima, da Folha, a respeito desses dilemas, mais especificamente no contexto do vegetarianismo e do que se poderia chamar de gourmética, ou gourmetiqueta, para cunha neologismos. Leia “A dor dos moluscos” aqui.
O grão de sal vai para o argumento de Coutinho contra reconhecer direitos aos animais: eles não têm deveres, portanto não podem ter direitos. Entendo o que quer dizer, e posso concordar com a leitura de que a impossibilidade decorre de não serem os animais sujeitos morais, pelo menos não no sentido em que nós homens o somos.
Vejo dois senões, porém. Alguns estudos recentes indicam que pelo menos nossos parentes primatas têm rudimentos de uma ética, reciprocidade, senso de justiça ou coisa assim. Não existiria, assim, essa separação categorial tão rígida quanto parece supor o colunista.
O outro senão é o vínculo, de sabor excessivamente conservador para este progressista, entre direitos e deveres. Direitos são direitos, não dependem de o sujeito ter, reconhecer ou cumprir com deveres.

Marcelo Leite

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