sábado, 29 de janeiro de 2011

Meus porta-vozes de sonho

DAVOS - Desço para o café-da-manhã no Morosani Post Hotel, na Promenade, a rigor a única rua de Davos. As outras são ruelas sempre cobertas de neve nesta época do ano, a ponto de não se distinguir a calçada da rua propriamente dita.
Cruzo com dois velhos amigos, Arantxa González e Keith Rockwell. Acompanham o chefe, Pascal Lamy, o diretor-geral da OMC (Organização Mundial do Comércio), para um café-da-manhã com um ministro que não consigo identificar (nem é relevante para esta história).
Apresento Lamy: se houvesse um Oscar para funcionário internacional, seria fácil o meu candidato. É o profissional perfeito ou quase perfeito, que perfeição não existe.
Foi comissário do Comércio da União Europeia, período em que colidiu algumas vezes com os delegados brasileiros. Depois que passou a chefiar uma organização global, no entanto, defende um único interesse, o do comércio internacional e o de uma organização em que, bem ou mal, todos os países têm o mesmo peso teórico, já que as decisões são tomadas por consenso, não por voto, qualificado ou não.
Provoco sempre Lamy para que seja candidato à Presidência da França (ele é do Partido Socialista). Nesta quinta-feira mesmo, disse-lhe que, se Dominique Strauss-Khan, francês, socialista e também diretor-gerente de uma organização internacional (no caso, o FMI), pode ser pré-candidato, por que não Pascal Lamy?
"Tenho mais o que fazer", despreza.
Volto à Arantxa e Keith. Arantxa, uma espanhola que fala ao menos seis outras línguas com perfeição, é uma das porta-vozes de Lamy. Uma vez, em Cancún, durante uma Ministerial da OMC (a instância suprema da organização), conversávamos em espanhol quando se aproximaram um jornalista italiano e outro alemão.
Arantxa trocava do espanhol para o italiano e do italiano para o alemão e de novo para o espanhol como se todas fossem suas línguas nativas.
Keith é inglês. Cobriu para "The Times" a Rodada Uruguai, o ciclo anterior de liberalização comercial (agora estamos na empacada Rodada Doha). Cheguei a ele por intermédio de um gigante do jornalismo brasileiro, Celso Pinto, que foi a alma na criação do jornal "Valor Econômico", depois de brilhante carreira na "Folha" e, antes, na "Gazeta Mercantil".
Tornamo-nos amigos à distância. Sempre que estamos no mesmo ambiente/cidade, ele me convida para conversar informais com Lamy para fazer o ponto da situação das negociações comerciais.
Keith e Arantxa tomam lugar à mesa do café-da-manhã, mas não tomam o café-da-manhã propriamente dito. Ficam, ambos, anotando a conversa.
Por isso, o título da coluna: porta-vozes dos meus sonhos. Não só nem principalmente porque somos amigos e tenho, por isso, um tratamento privilegiado. É que os dois estão perfeitamente informados de tudo o que está acontecendo com o "digi" Lamy ("digi" é como dizem DG, de diretor-geral, no peculiar dialeto da burocracia internacional).
Por isso mesmo, a informação que transmitem aos jornalistas não é de ouvir dizer, não é suposição. É testemunho presencial.
No Brasil, não conheço um só porta-voz de qualquer autoridade que participe diretamente das reuniões, conversas etc de seus chefes. É como escrevi outro dia: porta-vozes que não portam a voz.
Já crescemos o suficiente para que comecem a surgir os Keiths e as Arantxas, não?

Clóvis Rossi

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