segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Titanic europeu

MADRI/ROMA - Para quem está acostumado ao subdesenvolvimento visualmente feio, sujo e malvado de cidades brasileiras como São Paulo, é difícil perceber o tamanho da crise nas principais capitais europeias.
Mas ela está presente. Latente no cotidiano, nas manchetes dos jornais, na TV, nas conversas, em dezenas de lojas fechadas no centro e em inúmeros cartazes de imóveis à venda.
Imóvel para alugar no centro de Madri; o mercado imobiliário espanhol continua em crise
Ou mais presente ainda, como em um acampamento de "indignados" montado a poucos metros do Coliseu. Ou em cartazes chamando para manifestações em Roma ou Madri.
Mas não seria exagero dizer que o pior, do ponto de vista europeu, ainda está por vir.
O desemprego médio entre os 17 países que usam o euro é de 10,2%. Mas entre os mais jovens ele sobe a 29% na Itália e a 45% na Espanha.
Mesmo na Alemanha (média de 6,9%) a crise entre os jovens só não é explosiva devido aos "minijobs", que permitem a criação de vagas precárias que pagam hoje uma média de 230 euros (R$ 550) por mês. Há 7 milhões de alemães nisso.
Acampanento do movimento dos "indignados" próximo ao Coliseu, em Roma
Neste exato momento várias economias europeias já entraram ou estão entrando novamente em recessão. E elas nem sentiram ainda todo o custo dos programas de ajuste adotados pelos quatro cantos do continente.
Na Itália, quando totalmente implementado, o ajuste vai tirar 3.160 euros (R$ 7.600) por ano do bolso de uma família média via impostos sobre o consumo e residências.
O governo de Mario Monti persegue uma economia de 33 bilhões de euros (R$ 80 bilhões) para pagar as dívidas estatais. Isso deve custar à Itália, segundo o FMI, cinco pontos a menos de crescimento em três anos.
Visto por alto, o problema central da Europa pode até parecer esse: excesso de dívidas. Logo, a solução é apertar os cintos, atravessar o deserto, e voltar a crescer daqui a alguns anos.
Espanhóis formam fima de mais de 300 metros em Madri para apostar na loteria de Natal
Haveria gordura para queimar, especialmente para quem vê a região, seu Estado de bem estar social, renda e infraestrutura com olhos de subdesenvolvido.
Mas o buraco é mais embaixo. Daí o nervosismo nos mercados e o desconforto da população.

Um breve retrospecto:

1) Já chegou-se à conclusão de que alguns países têm dívidas muito altas; e o mercado passou a exigir juros insustentáveis para rolá-las;
2) Alemanha e França, os dois mais fortes do euro, impuseram ajustes nos gastos dos demais e agora trabalham por um compromisso que leve a punições para quem não andar na linha;
3) Enquanto isso, a Alemanha se recusa a permitir que o BCE (Banco Central Europeu) garanta a rolagem das dívidas dos mais endividados. Por dois motivos: porque os alemães teriam de pagar parte da conta dos demais e porque, assim fazendo (e também se endividando), a Alemanha seria obrigada a pagar juros maiores para ela mesma se financiar (hoje o faz a custo quase zero).
Em resumo, esse é o plano europeu: ajustar os endividados sob a batuta alemã.
Dois problemas: recessões pioram rapidamente o endividamento de qualquer país, pois dívidas são examinadas como proporção do PIB; e a Europa só chegou a isso porque não criou nenhuma outra alternativa.
A Alemanha é o país que mais se beneficiou com a criação do euro e o endividamento dos demais. Ela não só pagou com isso o pesado custo de integrar a ex-Alemanha Oriental nos anos 1990 como se tornou o motor da região, com o grosso de suas exportações voltadas para a Europa.
Com a região embarcando em um pesado ajuste de longo prazo, a Alemanha certamente sofrerá consequências difíceis de manejar.
O pano de fundo de tudo é que o arranjo da chamada Eurolândia dependia do endividamento de alguns para que outros prosperassem, e dessem respaldo aos demais pela via de uma moeda única, o euro.
Funcionou por um tempo, até que as dívidas de alguns começaram a chamar demais a atenção. Daí a ameaça de terem de deixar o euro e a proteção que a moeda oferece.
A alternativa 2.0 (além do euro) seria a Alemanha finalmente concordar com a união fiscal plena na região. Significa que ela compartilharia com os demais o custo da rolagem das dívidas, por meio de eurobônus garantidos pelas 17 economias do euro.
Há quem aposte que a Alemanha esteja primeiro exigindo austeridade dos demais para só depois entrar com seu lastro e passar a garantir as dívidas europeias, aliviando a pressão.
"Frau Nein", como Angela Merkel é chamada, não dá nenhuma indicação de que tomará esse caminho.
Mesmo isso não resolveria o grande problema subterrâneo: há uma disparidade enorme de industrialização, produtividade, benefícios sociais e, em última instância, "filosofias de vida" entre os 17 países da Eurolândia.
O euro foi uma tentativa quase abstrata de aplainar isso. Não está funcionando.

Fernando Canzian

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