sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

On-line

Deu na Folha, domingo: Brasileiros estão mais estressados por conta de mensagens por e-mail e celular. Na reportagem de Érica Fraga, a publicitária Júlia Eboli diz: "Eu olho e-mail em casa, na rua, no restaurante. O trabalho não me deixa".
Não é só trabalho. Estamos vidrados pelo on-line. É o tempo todo no ar. Ainda estamos, no momento, à montante da internet. Todo mundo maravilhado com a facilidade de comunicação, que é real, e com os números estratosféricos.
Pessoas com alguma fama têm seus nomes buscados por centenas de milhares de internautas por dia. Os números de visitas, mesmo visitas únicas, assombram. A base de contato de muita gente era a dezena, a centena. A revolução dos números encanta o ego.
A internet é uma transformação tão alucinante que o mundo ainda está curtindo a "destruição criadora" schumpeteriana (Joseph Schumpeter) efetuada pela entrada em vigor dessa nova tecnologia.
A "destruição criadora" deve ser uma nova tecnologia para facilitar nossas vidas. Não para nos destruir.
Não se deu conta do outro lado. A moeda tem duas faces. A vida é sempre um perde-ganha, um "trade off", como pregam na língua universal. Ao se ganhar algo, perde-se outro.
Pouco se debruçou sobre as consequências negativas de "se estar ligado o tempo todo". Ninguém sabe responder, ao certo, por que a internet consegue tanta interação, tanto relacionamento. Um clique nos coloca do outro lado do mundo ou na privacidade de qualquer um, mas, por muitas vezes, não logra mobilizar meia-dúzia de pessoas para um ato nobre e saudável.
Há mistérios insondáveis, por enquanto, porque o momento da festa ainda não fez com que nos preocupássemos com a ressaca.
Publicou-se pouca pesquisa acadêmica sobre os efeitos nocivos dessa ampla exposição a que nos dispomos. Só que ela vicia e provoca tendinites na turma do mouse.
Na realidade, não temos condições de estar sempre ligados. A vida urbana hoje já é um tremendo desgaste: trânsito, tensão, medo, frustrações, tudo girando a mil. O ser humano exige de si mesmo mais do que dá conta. É uma "overdose" constante.
Filosofia, conceitos, profundidade nas coisas ficam à beira da estrada. Resvalam abismo abaixo. Em vez de procurarmos entender nossos limites, a tecnologia infla nossos egos e perdemos a noção dos limites.
Hoje, quase todo o mundo está exposto 24 horas. O sono é superficial; à base de remédios e intranquilo. Há um meio termo que não se consegue achar entre usufruir toda essa tecnologia e respeitar reflexão e preservação do indivíduo.
Sair da frente do computador para raciocinar um pouco é mais do que saudável. Refletir, conversar, ler, faz parte da existência.
Não podemos nos deixar escravizar por nosso sucesso científico. Falar com alguém que não fique olhando desesperadamente para o celular a cada 5 minutos virou uma façanha. Alguém sem iPod, iPad, notebook e celular é bicho raro, esquisito. A juventude, "rebelde sem causa", virou a turma "vítima da internet".
Não estamos perdendo só a nossa privacidade. Estamos perdendo a paz. Que já é um produto tão escasso. Tudo por nossa própria conta.
Há vida inteligente off-line.

José Luiz Portella

Nenhum comentário:

Postar um comentário