sexta-feira, 1 de abril de 2011

Um pouco de utopia, por favor

Incrível coincidência: um dia depois de publicado o texto "Um mal estar juvenil e planetário", desembarca em minha mesa o livro "Rumos da Cidadania - A crise da representação e a perda do espaço público", que trata, na essência, do mesmo problema, já a partir do subtítulo ("a crise da representação e...").
O livro é produto de um fórum organizado pelo Instituto Prometheus de Estudos Ambientais, Culturais e Políticos, e pela Fundação Lia Maria Aguiar.
Na introdução do livro, Maria das Graças Souza, professora titular de Ética e Filosofia Política do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo, vai direto ao ponto, explicitando de maneira mais científica o que tratei do modo mais coloquial e impressionista que é próprio do jornalismo.
"Experimenta-se, atualmente, em escala global e particularmente no Brasil, um encurtamento do espaço público, que se manifesta pela submissão da política à lógica do marketing e do consumo, pela atividade de organizações sociais na gestão de recursos públicos, pela ação de lobbies de parlamentares, pela existência de uma zona de indefinição da jurisdição entre os poderes do Estado, enfim, por mecanismos de corrupção", escreve.
E conclui com a mesma avaliação puramente empírica que expressei dias atrás: "Pode-se dizer que este fenômeno da diminuição do espaço público está associado a uma crise do sistema representativo".
Tem razão, embora eu abrigue sinceras dúvidas de que esse fenômeno se dê particularmente no Brasil. Acho que ele está muito mais disseminado. No Brasil, afetos quase incondicionais a líderes como Luiz Inácio Lula da Silva quebram, de alguma maneira, a crise do sistema representativo. Acho que ela se manifesta muito mais na relação entre o público e os poderes legislativos (federais, municipais e estaduais) do que propriamente entre o Executivo e o público.
É evidente que uma parte substancial da população brasileira sentia-se bem representada por Lula, mas não tanto ou, na verdade, muito menos por qualquer deputado/senador que você queira pôr na roda.
Maria das Graças aponta, com razão, o que chama de "três principais males" dos sistemas eleitorais nas democracias atuais: "o enfraquecimento dos partidos, que não refletem mais uma unidade de princípios e propósitos: (...) o financiamento de campanhas por grupos econômicos que com isto pretendem comprometer os candidatos que financiam em favor de seus interesses; e a transformação das campanhas em evento midiático, nas quais os candidatos são produtos a serem vendidos como uma mercadoria".
Conclusão inexorável: "A política passa a seguir a lógica do marketing e do espetáculo".
Pinço mais um trecho, de outro autor, Cicero Romão Araujo, professor do Departamento de Ciência Política da USP, porque ele mexe com um assunto que me é caro, como eterno ingênuo e eterno romântico. Cicero deu a seu artigo o título de "Crise da representação, crise da imaginação política".
E aponta ou reclama, talvez de "uma perda das 'energias utópicas' da sociedade".
O professor avisa que não é dos que gosta de empregar, sem mais, o termo utopia para falar de projetos políticos, mas acrescenta: "De qualquer modo, a palavra sugere com muita vivacidade a ideia de um entusiasmo sem o qual as grandes causas inclusive e acima de tudo a democracia seriam impensáveis, precisamente por lhes fornecer a energia".
Bingo. Tenho a sensação de que a palpável sensação de mal estar que existe pelo mundo se deve pelo menos em parte a ausência de uma utopia a energizar os movimentos sociais, políticos e até pessoais.
Detalhes sobre o livro no site do instituto: www.institutoprometheus.org.br.

Clóvis Rossi

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