quarta-feira, 20 de abril de 2011

Papai Noel não mora mais aqui

Olha, não adianta mais escrever cartinhas para Papai Noel, se o endereço for Rovaniemi, Lapônia, Finlândia.
O bom velhinho tomou tal surra, na eleição finlandesa de domingo, que está absolutamente incapacitado de exercer sua prodigalidade ao menos em relação a estrangeiros pobres, sejam eles da própria Europa periférica (Portugal, por exemplo) ou dos países árabes.
A extrema-direita xenófoba quase quintuplicou sua porcentagem de votos e chegou aos 19%, o que lhe dá 39 cadeiras em um Parlamento de 200 integrantes, em que o Partido de Coalizão Nacional, conservador, ficará com maioria relativa (44 lugares).
O partido que chacoalhou a política finlandesa chama-se "Finlandeses Autênticos", o que diz tudo. Fez campanha com dois eixos: negar apoio ao pacote de ajuda a Portugal, em estudos pela União Europeia, e na rejeição aos imigrantes, como se fossem um problema na Finlândia. Representam apenas 1,7% da população contra, por exemplo, os 7,4% da Espanha.
O resultado eleitoral na Finlândia é apenas o mais recente salto da extrema-direita xenófoba, no caso uma xenofobia que vai ao ponto de rejeitar socorrer não apenas os pobres magrebianos que fogem dos conflitos mas até um país-membro da União Europeia, caso de Portugal.
É uma baita complicação, porque o socorro europeu tem que ser aprovado por unanimidade dos países que usam o euro (a Finlândia usa) e as regras finlandesas obrigam submeter ao Parlamento os pacotes de ajuda.
A social-democracia, que ficou praticamente empatada com os "Autênticos Finlandeses", mas terá 42 cadeiras, também é contra a ajuda. Tem-se, portanto, 81 deputados eleitos contrários, em tese, a ajudar Portugal.
Sem ajuda, Portugal terá que dar o calote, o que está causando certo pânico na Europa, até porque a Grécia, já socorrida pela União Europeia, também está na iminência de ser obrigada a reestruturar sua dívida (uma formulação menos agressiva que calote mas que quer dizer a mesma coisa, basicamente).
Minha opinião: os dois países mais a Irlanda, outra que já recorreu aos cofres da UE/Fundo Monetário Internacional, deveriam partir logo para o calote porque as condições que os mercados lhes estão impondo são insuportáveis. Mais: os bancos credores já estão preparados para a reestruturação, pelo menos no caso da Grécia.
Repito o que disse o economista-chefe de um grande banco alemão a um grupo de jornalistas convidados pelo governo local para um seminário sobre a crise: a Grécia deveria aplicar um corte de 30% na sua dívida que seria perfeitamente absorvido pelos bancos.
Claro que seria: eles estão cobrando juros tão altos que já se cobriram do prejuízo que acreditam venham a ter com o calote, total ou parcial.
Se é assim, o resultado eleitoral na Finlândia fica mais incômodo pelo que revela de rejeição aos imigrantes, que vai se tornando característica de quase todas as eleições europeias.
O pior é essa característica tomou todos os países nórdicos, que costumavam ser os mais tolerantes, os mais generosos inclusive na ajuda externa. Na Suécia, os "Democratas" passaram pela primeira vez a barreira dos 4%, abaixo dos quais não conseguem vaga no Parlamento (fizeram 5,7% no ano passado).
Na Noruega, o Partido do Progresso chegou a impressionantes 23% em 2009, quando o que vinha sendo habitual é que extrema-direita europeia ficasse confinada a um máximo inferior a 20%.
Na Dinamarca, o Partido do Povo mantém-se há uma década como o terceiro maior.
Nem preciso falar dos casos da França e da Itália, envolvidos em um lamentável jogo de empurra de imigrantes do Norte da África, sob pressão de seus grupos xenófobos.
Afugentar imigrantes não vai adiantar muito porque, se uma vida digna não está ao alcance em seus países, eles irão atrás de onde ela está. É próprio da natureza humana.
A Europa deveria, isto sim, seguir a orientação exposta por Heribert Pranti, em recente coluna para o jornal (conservador) Süddeustche Zeitung, de Munique, considerado um dos melhores do mundo: "Existe um meio de melhorar a situação nos países de origem [da imigração]: o fair-play. Enquanto a manteiga europeia for mais barata que a manteiga local no Marrocos; enquanto a galinha francesa custar menos que a galinha local no Níger; enquanto as 'fábricas flutuantes' [alusão aos grandes pesqueiros] pescarem tudo que se move, a África conhecerá o êxodo. As subvenções europeias [a seus produtores agrícolas] criam as razões de fugir; a confusão política nos países de origem faz o resto".
Continua: "De nada serve erguer muros nem instalar campos de trânsito no litoral. Isso não faz mais do que manter a ilusão de que podemos continuar a subvencionar a exportação de produtos alimentares europeus e que não somos obrigados a compartilhar a riqueza europeia".
Você tem razão, Heribert. Mas o voto finlandês de domingo mostra que uma parcela importante dos europeus não quer mais brincar de Papai Noel.

Clóvis Rossi

Nenhum comentário:

Postar um comentário