sexta-feira, 15 de abril de 2011

A névoa da prosperidade

Mundo, mundo, complexo mundo.
Uma empresa americana, a Apple, não consegue vender direito seus produtos no Brasil por causa da tributação absurda e do ambiente de negócios precário do país.
Aí ela aciona a empresa taiwanesa que fabrica iPads e iPods para ela na China para que produza iPads diretamente no Brasil para assim a empresa de Steve Jobs finalmente começar a ocupar seu verdadeiro espaço no hoje indispensável mercado brasileiro.
Toda essa complexa rede de caminhos geo-econômicos que trará, ao que tudo indica, iPads para a nova classe média brasileira acabou traduzida como um resultado concreto da viagem da presidente Dilma Rousseff à China. Como?
Seria melhor que empresas decidissem investir no Brasil não porque nossos defeitos regulatórios e fiscais acabaram obrigando-as a fazê-lo, mas por causa de nossas virtudes.
Um iPad hoje custa no Brasil o dobro do que nos EUA. Mas é muito pior do que isso.
Pagamos no Brasil muito mais caro do que nos países avançados por tecnologia e infraestrutura básicas para o desenvolvimento e a inovação.
Todo o aparato básico da nova onda tecnológica que varre o mundo, a onda da comunicação, custa muito mais caro para um jovem brasileiro do que para um americano, por exemplo.
Computadores, câmeras, telefones, banda larga, tripés, lentes, microfones, qualquer produto da cadeia da comunicação custa muito mais barato em Nova York do que em São Paulo.
Como vamos concorrer e inovar nesse mercado global se já saímos com custos muito mais altos que barram acesso a ferramentas de ponta?
Quando vamos ao exterior agora ficamos seguros e contentes ao ver como, com nossa moeda e renda em alta, os preços americanos e europeus estão suaves comparados ao que temos em cidades como Rio e São Paulo.
A baixa competição e a alta carga tributária, num cenário de quase pleno emprego e renda crescente, estão tornando o Brasil um país cada vez mais caro e inflacionado. São tanto nossos defeitos quanto nossas qualidades que nos permitem agora comer nos melhores restaurantes de Nova York e Paris pagando preços de São Paulo.
Essa névoa da prosperidade (não) pode obstruir a visão.
O preço da complacência será o aborto do desenvolvimento.
Como disse um dos arautos do mercado financeiro no ano passado a esta Folha, o maior risco para o Brasil hoje é o da presunção.
A acomodação com o caos tributário, a ineficiência jurídica, a frouxidão fiscal e agora até com a inflação limitará nossa potência. E não adianta jogar a culpa no câmbio e nos juros. Eles são sintomas, não causas.
Nos EUA, ainda lutando para sair de uma grave crise econômica que pede mais gasto público, governo e Congresso já debatem sangrentamente como equilibrar as contas no futuro cortando recursos de programas importantes.
No Brasil, com crescimento robusto e arrecadação em alta, melhor momento para se economizar, temos dificuldades de impor cortes orçamentários anunciados pelo governo goela abaixo do Congresso.
A falta de rigor determina o Brasil, para o bem e para o mal. Ela nos permite superar o insuperável, mas também aceitar o inaceitável.
Bastaram alguns anos de equilíbrio econômico e crescimento mais robusto no Brasil para se começar o desmonte do modelo que vinha dando certo de câmbio livre, inflação na meta e relativo equilíbrio fiscal.
Os iPads Made in Brazil ajudarão ainda mais Dilma e o PT a conquistar a nova (e a velha) classe média. Mas eles são também sinal de algo mais profundo no novo mundo em formação: somos a última etapa do ciclo de um produto de ponta concebido nos EUA, industrializado por Taiwan, manufaturado na China e remontado no Brasil.
Estaremos realmente bem quando liderarmos essa cadeia.

Sérgio Malbergier

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