segunda-feira, 18 de abril de 2011

Tudo é ressentimento

LISBOA - Gosto de Martin Amis. Dos ensaios, não dos romances. Depois de Gore Vidal, não existe pena mais inteligente e sardônica a escrever sobre livros e literatos.
Pena que, ao natural, Amis não tenha a mesma elegância. Agora, conta o "The Sunday Telegraph", o escritor inglês desceu o chicote sobre a Família Real em declarações à imprensa francesa. "Filistinos", diz Amis. E "filistinos" por quê?
Logicamente, porque ignoram a importância de Martin Amis no esquema geral do mundo. Pior: nem sequer conhecem a sua obra literária. "A rainha não escuta ninguém", diz Amis, que teve encontros formais com Elizabeth 2ª e percebeu, pelo olhar enfadado da senhora, quão insignificante ele era.
O mesmo com o marido de Elizabeth 2ª, o duque de Edimburgo. "Sou escritor", disse-lhe Amis. O duque, espantado, replicou: "A sério?"
As palavras de Martin Amis têm interesse porque não é todos os dias que vemos um "snob" lambendo as feridas em público. E uso o termo "snob" no sentido em que ele era usado para hierarquizar os alunos na universidade de Cambridge no momento da matrícula: depois do nome, aparecia a condição social. Para quem não nascera em berço aristocrático, um "sine nobilitas" ("sem nobreza", i.e., "s.nob") arrumava com o sujeito.
Exatamente como Amis se sente arrumado, prova acabada de que o "filistino", na verdade, é ele. Se Amis não concedesse à Família Real importância alguma, jamais haveria semelhante exibição de vaidade e ressentimento. Para os neutros em matéria monárquica, a existência dos Windsor é, quando muito, um anacronismo pitoresco do qual não exigimos reconhecimento ou aplauso.
Mas Martin Amis quer reconhecimento e aplauso. E apesar de deplorar a histeria mundial com o casamento real do próximo dia 29 de abril, ele não se distingue das multidões sentimentais que irão encher Londres para saudar William e Kate (e, confesso, estragar as minhas férias da Páscoa).
A única diferença é que as multidões vão chorar e aplaudir os esponsais; Amis, se pudesse, jogaria tomates ou ovos podres neles. Duas formas de paixão são duas formas de paixão. O leitor, que intimamente também alimenta iguais sentimentos de amor e ódio pela instituição monárquica, sabe do que falo.
Para concluir, Amis confessa ainda, em tom dramático, que gostaria de não ser inglês. Pobre Martin. Só um perfeito inglês teria uma relação tão intensa e patológica com a primeira das famílias nativas.

João Pereira Coutinho

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