terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Uma cruz de borracha

No sábado, de acordo com o jornal "Financial Times", alguns dos mais poderosos executivos financeiros mundiais realizariam uma reunião fechada com ministros das finanças em Davos, o local em que se realiza o Fórum Econômico Mundial. A principal demanda dos executivos, sugeria o jornal, seria que os governos "parassem de criticar os executivos dos bancos". Aparentemente, socorrer os banqueiros depois que estes precipitaram a pior crise econômica desde a Grande Depressão não foi o bastante os políticos também precisam deixar de magoar seus sentimentos.
Mas os executivos financeiros também tinham uma demanda mais substantiva: queriam taxas de juros mais altas, a despeito da persistência de um desemprego elevado nos Estados Unidos e Europa, porque consideravam que os juros baixos estão alimentando a inflação. E o que me preocupa é a possibilidade de que as autoridades econômicas de fato aceitem seu conselho.
Para compreender as questões, é preciso que você saiba que estamos em meio ao que o FMI (Fundo Monetário Internacional) define como uma recuperação "de duas velocidades", na qual alguns países estão acelerando forte e outros entre os quais os Estados Unidos- não passaram da primeira marcha.
A economia norte-americana entrou em recessão no final de 2007, e a do restante do mundo a seguiu poucos meses mais tarde. E os países avançados Estados Unidos, Europa e Japão mal começaram a se recuperar. É verdade que essas economias estão crescendo desde a metade de 2009, mas o crescimento vem sendo lento demais para criar grande número de empregos. Elevar as taxas de juros sob condições como essas solaparia qualquer chance de um desempenho melhor; de fato, fazê-lo significaria aceitar desemprego em massa como um fato permanente da vida.
E quanto à inflação? O desemprego elevado manteve sob controle os indicadores de inflação que em geral orientam as decisões de política econômica. O indicador preferido pelo Fed (Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos), que exclui os instáveis preços da energia e alimentos, no momento é inferior a 0,5% ao ano, em termos anualizados, bem abaixo da meta inflacionária informal de 2%.
Mas os preços dos alimentos e da energia e das commodities em geral vêm subindo, recentemente, como todos sabem. Os preços do milho e do trigo subiram em 50% no ano passado; os preços do cobre, algodão e borracha vêm batendo recordes. Como explicar essa tendência?
A resposta é, basicamente, o crescimento dos mercados emergentes. Enquanto a recuperação nos países avançados vêm sendo lenta, os países em desenvolvimento especialmente a China saíram acelerados da crise de 2008. Isso criou pressões inflacionárias em muitos desses países. Também conduziu a uma demanda mundial em forte ascensão por matérias-primas. O clima desfavorável especialmente uma onda de calor sem precedentes nos países da antiga União Soviética, que levou a uma queda acentuada na produção mundial de trigo também teve papel na alta dos preços dos alimentos.
A questão é determinar que influência isso deveria ter sobre a política do Federal Reserve e do BCE (Banco Central Europeu).
Primeiro, a inflação na China é um problema da China, e não nosso. É verdade que no momento a moeda chinesa está atrelada ao dólar. Mas essa é a escolha da China; se os chineses não gostam da política monetária norte-americana, estão livres para permitir que sua moeda suba. Nem a China e nem qualquer outra nação têm o direito de exigir que os Estados Unidos estrangulem sua recuperação econômica incipiente só porque os exportadores chineses querem manter o yuan desvalorizado.
E quanto aos preços das commodities? O Fed em geral tem por foco a taxa "central" de inflação, que exclui alimentos e energia, em lugar da inflação "geral", porque a experiência demonstra que embora alguns preços flutuem violentamente de mês a mês, outros sofrem pesada inércia e são os preços com inércia que devem causar preocupação, porque quando passam a embutir inflação ou deflação, é difícil reverter a tendência.
E esse foco serviu bem ao Fed no passado. O banco central norte-americano esteve certo, especialmente, ao não elevar os juros em 2007-2008, quando os preços das commodities dispararam e por breve período enviaram a taxa de inflação geral para acima dos 5% o que foi seguido por uma queda igualmente abrupta. É difícil ver motivo para que o Fed se comporte de modo diferente desta vez, já que a inflação não está tão alta como esteve no boom anterior das commodities.
Assim, de onde vem os pedidos por juros mais altos? Bem, os bancos têm um longo histórico de fixação nos preços das commodities. Tradicionalmente, isso envolvia insistir em que qualquer aumento no preço do ouro significaria o fim da civilização ocidental. Hoje em dia, significa exigir que as taxas de juros subam porque os preços do cobre, borracha, algodão e estanho subiram, ainda que a inflação subjacente esteja em declínio.
Ben Bernanke claramente compreende que elevar os juros agora seria um imenso erro. Mas Jean-Claude Trichet, seu colega no BCE, vem alardeando posição mais dura e tanto o Fed quanto o BCE estão sob pressão para fazer a coisa errada.
Precisam resistir a essa pressão. Sim, os preços das commodities estão em alta mas isso não é motivo para perpetuar o desemprego em massa. Parafraseando William Jennings Bryan, não devemos crucificar nossas economias em uma cruz de borracha.

Paul Krugman

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