terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Pagando a dívida com milho

Na parede de um dos amplos terraços internos do Malba (Museo de Arte Latinoamericano de Buenos Aires) vê-se com destaque três imagens da divertida fotoperformance "El Pago de la Deuda Externa Argentina con Maíz" (o pagamento da dívida externa argentina com milho). Nela, vê-se a artista argentina Marta Minujín oferecendo espigas de milho ao norte-americano Andy Warhol. Os dois estão sérios, e até parece que, naquele instante solene de 1985, estavam realmente resolvendo os dramas econômicos da Argentina.
A obra é parte de "Marta Minujín - Obras 1959-1989", que o museu portenho exibe até o próximo fim de semana. No último sábado, com a capital argentina fervendo a 32 graus no começo da tarde, turistas e locais disputavam espaço para ver os últimos dias da exposição, que já atraiu 80 mil pessoas. Marta Minujín é uma artista de obra datada. Seus melhores trabalhos se resumem ao recorte da exposição. Mas nem por isso deixa de refletir aspectos da realidade argentina em diversos momentos e hoje. Por isso, talvez, chame a atenção de tanta gente.
Em entrevista ao repórter Silas Martí, às vésperas da última bienal de São Paulo (leia aqui a reportagem, só para assinantes), Minujín, hoje com 69 anos, disse que faz arte "invisível, impossível, efêmera". A partir daí, é possível imaginar as dificuldades que os curadores tiveram em reunir peças para uma mostra. Muito do que Minujín fez foi passageiro, desmontado, destruído ou incendiado depois de "consumido". Mas sobraram registros em filmes e fotos. E com estes foi possível reunir ou reconstituir mais de 100 obras.
Na primeira sala da mostra estão trabalhos mais "comportados" da artista, pinturas, colagens feitas com papelão e montagens com colchões. Datam do começo da década de 60. São mostradas imagens dos trabalhos que Minujín fez quando vivia entre Paris e Buenos Aires. Numa delas, está seu próprio colchão, deformado e misturado a objetos que coletara na rua. Noutra, botas que representavam uma cisão no exército argentino, então, entre "azules" e "colorados".
Esta seção encerra-se com um filme feito numa tarde de junho de 1963, em Paris, quando Minujín chamou colegas artistas que a ajudaram a queimar vários de seus trabalhos e culminou com a chegada dos bombeiros. "La Destrucción" ficou conhecido como seu primeiro "happening". Depois deste, seguiram-se vários, na França, nos EUA e na Argentina, entre outros lugares.
Há, na sequência, um vídeo que mostra como foi, por exemplo, "La Menesunda". O título da obra vem do lunfardo [espécie de gíria ligada ao tango] e quer dizer, basicamente, "desordem". Foi montada no Instituto Torcuato di Tella, em Buenos Aires, em 1965, e tratava-se de um labirinto de 16 partes em que as pessoas passavam por ambientes diferentes, com luzes, ruídos e ventiladores jogando papel picado para confundir a percepção. Numa das salinhas, um casal de verdade trocava carícias numa cama.
Outra de suas obras famosas foi remontada no Malba, chama-se "Minuphone", originalmente feita em Nova York em 1967. A princípio, é uma cabine telefônica clássica. Só que, uma vez dentro dela, a pessoa começa a ser atormentada por sua própria imagem vista numa tela de televisão no chão, enquanto, ao marcar números, ouve sons e vê luzes diferentes.
No fim dos 60 e princípio dos 70, Minujín entrou em contato com Andy Warhol e os artistas hippies. Realizou, então, importantes mostras e "happenings" ao ar livre, como "Imago Flowing" (1974), no Central Park.
No final da década de 70 e nos anos 80, já numa Argentina vivendo em regime ditatorial, Minujín fez trabalhos irônicos e críticos com relação a essa realidade. O mais conhecido deles é o famoso "Obelisco de Pan Dulce" (1978), em referência ao famoso Obelisco no centro da capital portenha. A artista fez nada menos que uma réplica do famoso monumento, com pão doce, e o deixou na rua, com a sua assinatura, para que fosse devorado.
Saindo da exposição, passo por uma sala montada com colchões, inspirada em uma de suas obras famosas. Um garoto comenta com a mãe: "Era aqui que ela se escondia da polícia?". A mãe ri e responde "não, era aqui que ela transformava a realidade", e enfia o garoto dentro da obra de arte. Que aprenda por si mesmo, parece dizer.

Sylvia Colombo

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