terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Comendo o futuro

Na sexta-feira, os republicanos da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos lançaram sua proposta de corte imediato dos gastos federais. Estranhamente, não acompanharam a proposta de um slogan chamativo, e por isso aproveito a oportunidade para sugerir "coma o futuro".
Explicarei abaixo. Primeiro, vamos conversar sobre o dilema que o Partido Republicano enfrenta.
Os líderes republicanos gostam de alegar que a vitória na eleição do ano passado lhes dá o direito de cortar pesadamente o gasto do governo. Alguns de nós acreditam que o resultado da eleição teve menos a ver com os gastos do que com o desemprego persistentemente elevado, mas isso não importa. O ponto crucial a compreender é que, embora muitos eleitores digam desejar gastos menores, basta pressioná-los um pouco sobre a questão e surge a revelação de que só desejam cortes nos gastos que beneficiam a terceiros.
Essa é a lição de uma nova pesquisa do Pew Research Center, na qual os norte-americanos foram perguntados se favoreciam gastos mais altos ou mais baixos em diversas áreas. E a verdade é que eles desejam mais, e não menos, gastos na maioria das coisas, entre as quais educação e o programa federal de saúde Medicare. Quanto a gastos de assistência aos desempregados e -- surpreendentemente -- a defesa, as opiniões favoráveis e desfavoráveis se equilibram.
O único corte que claramente desejam é na assistência internacional, que a maioria dos norte-americanos acredita, erroneamente, responder por larga proporção do orçamento federal.
O Pew também perguntou aos entrevistados como gostariam de ver os Estados reduzir seus deficit orçamentários. Preferem cortes na educação ou saúde, as duas maiores despesas estaduais? Não. Querem aumentos de impostos? Não. A única medida de redução de deficit que conta com apoio significativo é a redução nas aposentadorias dos funcionários públicos e mesmo assim, as respostas positivas e negativas estavam em equilíbrio quanto a isso.
A moral da história é evidente: os republicanos não têm a obrigação de reduzir gastos, e sim a obrigação de revogar as leis da aritmética.
Como é que os eleitores podem estar tão mal informados? Em defesa deles, é preciso levar em conta que têm empregos, filhos para criar e pais para cuidar. Não têm tempo ou incentivo para estudar o orçamento federal ou os orçamentos estaduais (que de qualquer modo são em larga medida incompreensíveis). Por isso, precisam se basear naquilo que ouvem de pessoas que supostamente sabem do que estão falando.
E têm ouvido desde a era de Ronald Reagan que o dinheiro suado que ganham é desperdiçado pelo governo, e paga os salários de vastos exércitos de burocratas inúteis (os salários respondem por apenas 5% dos gastos federais) e pelos benefícios de pessoas que mamam na Previdência mas ainda assim dirigem carros de luxo. Como podemos esperar que os eleitores levem em conta a realidade fiscal quando os políticos a representam de modo indevido o tempo todo?
O que me conduz de volta ao dilema republicano. A nova maioria da Câmara prometeu produzir US$ 100 bilhões em cortes de gastos e seus integrantes enfrentam a perspectiva de contestação nas primárias por parte de membros do movimento Tea Party, caso não os realizem. Mas o público se opõe a cortes nos gastos com programas que aprecia e quase todos os programas são apreciados. O que um político pode fazer?
A resposta, se você pensa a respeito, se torna óbvia: sacrificar o futuro. Os cortes serão concentrados em programas cujos benefícios não são imediatos; basicamente, a ideia é comer as sementes que deveriam ser plantadas para safras futuras. O pagamento por isso será imenso, no futuro mas, por enquanto, será possível manter as bases contentes.
Quem não compreende essa lógica pode se intrigar diante de muitas das cláusulas da proposta republicana na Câmara. Por que cortar US$ 1 bilhão de um programa de grande sucesso que oferece suplementos nutricionais a mulheres grávidas, bebês e crianças pequenas? Por que reduzir em US$ 648 milhões as verbas das atividades de combate à proliferação nuclear? (Basta uma bomba nuclear, montada por terroristas com base em material físsil ex-soviético que escape a fiscalização, para arruinar o dia de muita gente). Por que reduzir em US$ 578 milhões o orçamento de fiscalização da Receita? (Permitir que os sonegadores de impostos ajam com mais liberdade não é a melhor maneira de reduzir o deficit.)
Mas assim que você começa a levar em conta os imperativos que os republicanos enfrentam, tudo passa a fazer sentido. Ao cortar programas cujos benefícios serão sentidos no futuro, o partido se torna capaz de produzir os cortes de gastos que o Tea Party exige agora, e sem impor sofrimento demasiado aos eleitores.
E quanto aos custos que esses cortes acarretarão no futuro uma população prejudicada pela subnutrição na infância, uma chance aumentada de ataques terroristas, um sistema de arrecadação tributária prejudicado por sonegação crônica, bem, amanhã é um novo dia.
Em um mundo ideal, os políticos falariam com os eleitores como se estes fossem adultos. Explicariam que certos gastos optativos pouco têm a ver com o equilíbrio de longo prazo entre receitas e despesas. Em seguida, explicariam que a solução do problema de longo prazo requer duas coisas principais: conter os custos da saúde e, em termos realistas, elevar os impostos a fim de custear os programas que os norte-americanos realmente desejam.
Mas os líderes republicanos não podem agir assim, claro: recusam-se a admitir que impostos precisam ser aumentados, e passaram boa parte dos últimos dois anos gritando "painéis da morte!" em resposta até mesmo aos mais sensatos esforços para garantir que as verbas do Medicare sejam bem gastas.
E por isso tinham de apresentar algo como a proposta da sexta-feira: um plano que economiza muito pouco dinheiro mas causa grande estrago.

Paul Krugman

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