quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Empurrõezinhos

A pedidos, ignoro o Egito e continuo falando de felicidade. Mas, antes de saltar para Jonathan Haidt e Barry Schwartz, como sugeri que faria na coluna da semana passada,
acho importante dar algum conteúdo prático a esse gênero de estudos. Para isso, recorro a Richard Thaler (Universidade de Chicago) e Cass Sunstein (Chicago e Harvard), autores de "Nudge: Improving Decisions About Health, Wealth and Happiness". O livro foi traduzido para o português com o título "Nudge: O Empurrão para a Escolha Certa".
Thaler é um economista comportamental. Depois de Daniel Kahneman (Nobel de 2002) é provavelmente o nome mais conhecido nesse campo. Já Sunstein é constitucionalista. É um dos proponentes do minimalismo judiciário.
Em "Nudge" eles advogam pelo que chamam de "paternalismo libertário". A ideia básica é que seres humanos são tudo menos os agentes racionais e bem informados imaginados pelos manuais clássicos de economia. No mundo real, as pessoas frequentemente tomam as piores decisões possíveis em relação a seu futuro. Fazem-no em grande parte devido a vieses cerebrais que são não apenas previsíveis como também quantificáveis.
O que Thaler e Sunstein propõem é que utilizemos uma outra característica do mundo real, a inevitabilidade de fazer determinadas escolhas, para, sem nenhuma espécie de autoritarismo, empurrar ("to nudge") as pessoas na direção certa.
O exemplo com o qual abrem o livro é eloquente: imagine Carolyn. Ela é diretora de alimentação de um grande distrito escolar. Isso significa que ela organiza e administra os vários refeitórios nos quais milhares de alunos se alimentam diariamente. Um dia, jantando com seu amigo Adam, estatístico e consultor de negócios para supermercados, eles têm a ideia de fazer alguns experimentos heterodoxos. Querem descobrir se, sem alterar o menu das cafeterias, apenas a disposição da comida no balcão, conseguem fazer os estudantes mudarem seus hábitos alimentares. São decisões simples, do tipo vamos colocar a salada ou a sobremesa no início do balcão? Os vegetais ficarão à altura dos olhos ou um pouco mais escondidos? Pelo menos para Adam, não foi surpresa nenhuma descobrir que esse tipo de manipulação podia fazer o consumo de um determinado item aumentar ou diminuir em até 25%.

A pergunta é, como Carolyn deve dispor a comida:

1 - De modo a deixar os alunos na melhor situação possível;

2 - Por sorteio, para não favorecer nenhum fornecedor;

3 - Para maximizar os lucros (nos EUA, a maioria paga pela merenda).

A maioria de nós não hesitaria muito antes de optar por 1. Thaler e Sunstein concordam. Para eles, é legítimo manipular a colocação dos alimentos tendo como critério a saúde dos alunos (paternalismo), desde que nenhum deles seja forçado a consumir o que não deseje (libertário).
As pessoas que, como Carolyn, respondem pela forma como decisões serão tomadas são os arquitetos de escolhas. Os autores sustentam que uma melhor arquitetura de escolhas, que leve em conta as falhas no projeto de nossos cérebros, traria grandes benefícios a custos mínimos.
Um exemplo quase escatológico é o do aeroporto de Schiphol, em Amsterdã. Como em qualquer lugar de alta rotatividade, era difícil manter o banheiro masculino limpo. Aparentemente, a maioria dos homens não tem boa mira ou não presta muita atenção na hora de urinar. Foi aí que o economista Aad Kieboom, responsável pelas obras de expansão do aeroporto, teve uma ideia revolucionária. Mandou pintar uma mosca no fundo de cada urinol. Tendo um alvo preciso, a pontaria masculina melhorou enormemente. Após uma série de testes, Kieboom e sua equipe de funcionários concluíram que o índice de derramamento de urina caiu em 80%. A mosca é um autêntico "nudge", um empurrãozinho não autoritário que leva as pessoas a fazer o que é melhor para elas e/ou para a sociedade. Colocar as frutas num lugar privilegiado conta como "nudge"; banir a "junk-food", não.
Essa teoria se aplica a vários campos. Problemas de autocontrole? De fato, o cérebro conta com dois "sistemas" para reagir ao mundo, um automático e outro reflexivo. Este último é lento e pouco eficiente. Mas é também o único capaz de fazer contas e planejar o futuro. É ele, por exemplo, que nos leva a querer ser magros para prevenir doenças. O problema é que, quando comemos, nos deixamos levar pelo sistema automático. E ele só para quando o prato (ou a despensa) acabam.
Num experimento genial bolado por Brian Wasnick, os pesquisadores produziram pipocas especialmente intragáveis (estouradas cinco dias antes e conservadas em lugar inadequado) e as deram para voluntários numa sessão de cinema. Metade deles recebeu o pacote grande e metade o médio. Os que foram premiados com o grande comeram 53% mais, mesmo negando a possibilidade de se deixarem enganar por um truque tão bobo. Um bom começo para o seu regime pode ser comprar um jogo de pratos menores.
Outro bom "nudge" dietético é sentar-se com o sujeito mais magro que estiver no refeitório na hora do almoço. Nossa tendência a mimetizar comportamentos das pessoas com as quais nos relacionamos torna fenômenos como obesidade, vício em drogas e gravidez precoce contagiosos.
O terreno mais propício para plantar "nudges" é o das decisões complexas e raras, que tomamos poucas vezes na vida, como a escolha do plano de aposentadoria, de saúde e o regime de casamento. Aqui, a chave para evitar más escolhas é criar um bom "default". Isso porque nós humanos temos o que os psicólogos chamam de viés da inércia e do "statu quo". Traduzindo: adoramos não mexer em decisões passadas. A prova cabal é que assinamos revistas uma vez na vida e seguimos por anos a fio na renovação automática, mesmo que já não tenhamos interesse na publicação. Aqui, a arquitetura (a renovação automática) favorece enormemente os editores. Se o "default" fosse "a assinatura só é renovada se o cliente pedir", vender revistas seria um negócio bem mais difícil.
Thaler e Sunstein defendem, por exemplo, que um contrato de trabalho típico inclua como "default" a entrada do empregado no fundo de pensão da empresa. Como o hoje a norma nos EUA é o não ingresso, muitos norte-americanos estão desprezando agora dinheiro de graça (a contrapartida da empresa) que certamente lhes fará falta no futuro.
Os autores sugerem mecanismos semelhantes para a definição do plano de saúde e para programas de investimento. Em relação ao casamento, são mais radicais. Defendem que o Estado saia desse negócio. Oficialmente, só existiriam uniões civis, que são contratos entre duas (e eventualmente mais) pessoas de qualquer sexo. Como no Brasil, elas nem precisam ser registradas. Valem a partir do momento em que existem. E aí, o casamento vira um negócio eminentemente privado. Qualquer um poderá celebrá-lo, de igrejas a associações de mergulhadores. Mais importante, cada qual poderá seguir suas próprias regras. Se a religião A diz que casamento é só entre homem e mulher, não está obrigada a unir homossexuais. Já os mergulhadores poderão fazê-lo, até debaixo d'água. Cada um faz o que quer e todos ficam felizes.
"Nudges" também resolvem um problema que me foi proposto algumas vezes por leitores libertários: a exigência do cinto de segurança não é uma intromissão ilegítima do Estado na vida do cidadão? Bem, nessa filosofia "nudgística" podemos imaginar um sistema no qual o cinto é normalmente exigido, sob pena de multa. Quem não concordar pode ir ao Detran e assinar uma série de formulários, pelos quais se compromete a pagar do próprio bolso despesas médicas decorrentes de uma batida e isenta de responsabilidade civil e penal (vamos fingir que a legislação brasileira o permite) quem com eles colida. Esse sujeito ficaria então livre de multas por conduzir sem sinto. Como o viés de inércia é forte, o mais provável é que um número reduzidíssimo de libertários obstinados assinasse a papelada. As virtudes públicas da obrigatoriedade do cinto seriam conservadas, e a liberdade (inclusive a de errar) preservada.
A beleza dos "nudges" na forma como Thaler e Sunstein os propõem é que eles nos permitem seguir operando com os conceitos liberais e democráticos do Iluminismo (que pressupõem agentes racionais) mesmo reconhecendo que o homem é no mais das vezes irracional, ou melhor, previsível e quantificavelmente irracional.

Hélio Schwartsman

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