terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Arguedas

José María Arguedas (1911-1969) faria 100 anos neste mês. Esse importante escritor peruano nunca chegou a ser devidamente reconhecido no Brasil, mas ecos de sua obra estão presentes nos textos de muitos intelectuais latino-americanos do século passado.
Sua influência também está presente na produção de hoje. Não fosse Arguedas, por exemplo, provavelmente não veríamos um garboso Mario Vargas Llosa recebendo um prêmio Nobel por uma produção que, em grande parte, tem forte inspiração de seu contemporâneo. Sobre ele, Vargas Llosa publicaria, em 1996: "La Utopia Arcaica: José María Arguedas y las Ficciones del Indigenismo".
O tema da mescla entre Novo e Velho mundos, brancos e índios, ou "civilização" e "barbárie" pautou estudiosos de diferentes épocas e vertentes neste continente, basta mencionar como exemplos entre os mais próximos o argentino Domingo Faustino Sarmiento (1811-1888) e o nosso Gilberto Freyre (1900-1987).
Arguedas teve uma trajetória incomum. Vindo de uma família modesta e mestiça, nascido em Andahuaylas, no sul dos Andes peruanos, diz-se que aprendeu o quéchua [idioma indígena da região dos Andes] antes mesmo do espanhol. Seu pai era um advogado que trabalhava em diversos povoados, deixando-o sempre com a madrasta.
Na faculdade, optou por estudar literatura na Universidad Nacional de San Marcos, uma das mais importantes do país. Teve, a partir de então, duas carreiras, a acadêmica, como antropólogo e etnólogo, e a de romancista. Na universidade, alcançaria o posto de catedrático do departamento de etnologia.
Na literatura, é considerado um dos grandes nomes do movimento indigenista, e tanto sua poesia como sua prosa dedicaram-se a explorar aspectos do encontro entre "civilização" ocidental e o mundo indígena.
Em seus livros mais conhecidos, "Os Rios Profundos" (1958) e "Todas las Sangres" (1964), suas preocupações ideológicas e políticas estão claras. Assim como uma questão mais pessoal, como a da ausência do pai. Basta notar no belo trecho do primeiro:
"Eu estava matriculado no Colégio e dormia no internato. Compreendi que meu pai partiria. Depois de termos viajado juntos vários anos, eu devia ficar; e ele iria sozinho. Como todas as vezes, alguma circunstância casual decidiria seu rumo. A que cidade; e por que caminho? Daquela vez ele e eu pensávamos separado. Não tomaria novamente o caminho de Cuzco; iria pelo outro lado da quebrada, atravessando o Pachachaca, procurando as cidades altas. De qualquer maneira começaria descendo para o fundo do vale. E depois subiria a cordilheira em frente; veria Abancay pela última vez de uma fenda muito distante, de algum cume azul onde seria invisível para mim."
O protagonista é Ernesto, um garoto que é levado a viver numa grande cidade, para seus padrões infantis, como Cuzco, e a frequentar um colégio para onde acorriam jovens de várias regiões distintas. O impacto desse encontro é parecido com o que relata Vargas Llosa em seu autobiográfico "El Pez en el Agua" (1993), quando é matriculado pelo pai, em Lima, numa escola militar.
Arguedas não era consenso entre os indigenistas. Logo, uma geração mais jovem que a dele passou a contestá-lo por considerar o retrato que fazia dos índios demasiado romântico.
Nos anos 60, Arguedas começou a entrar em depressão. Suas biografias dão conta de que teria considerado impossível defender que se mantivesse o estilo de vida dos Andes antigos, que tanto admirava, e os novos tempos. O fato é que cometeu suicídio em 1969.
No Brasil, onde segue sendo um ilustre desconhecido, o único livro seu publicado é justamente "Os Rios Profundos". Integrou a simpática e saudosa coleção "Clássicos Latino-Americanos", da Paz e Terra, que tinha direção de Antonio Callado e Antonio Candido. Depois, ficou um tempão fora das estantes das livrarias até voltar em 2005, com tradução de Josely Vianna Baptista, pela Companhia das Letras.
Se não por questões ideológicas, essas já datadas, a leitura vale para formular o retrato de uma América que já faz parte do passado.

Sylvia Colombo

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