quarta-feira, 30 de março de 2011

Zé Alencar

Convivi de perto com o Zé Alencar. Durante os oito anos em que foi vice-presidente de Luiz Inácio Lula da Silva, estive com ele em diversos momentos. O fato de sermos mineiros nos aproximava. Lembro que todas conversas foram longas. Ele gostava de um bom papo. Podia até demorar te receber, mas, quando você entrava no seu gabinete, a conversa ia longe. Fosse um entrevista formal, gravada, ou um encontro totalmente em "off", jargão jornalístico que identifica uma conversa em que o interlocutor não será revelado. Na verdade, ele não costumava falar em "off", falava abertamente. Gostava de dizer que não tinha medo do que falava e não precisava ficar se escondendo.
Foi assim que, durante o governo Lula, se transformou no principal crítico dos juros altos. Fazia as críticas abertamente, sem pestanejar. Quando o interlocutor se mostrava surpreso com seu tom sincero, Zé Alencar sempre dizia que, se não pudesse falar o que pensava, não adiantava ficar na vida pública. E tome críticas. Em alguns momentos chegou a prometer que ficaria um pouco mais reservado, dando um sossego à equipe econômica.
Lembro que, certa vez, ele me recebeu no seu gabinete na vice-presidência e não quis fazer críticas aos juros altos. Disse que estava falando demais e precisava ficar um pouco quieto. Ao chegar na redação, fui surpreendido por várias notícias na internet com declarações do então vice-presidente contra a política monetária de Henrique Meirelles no Banco Central.
Liguei para seu chefe de Gabinete, Adriano Silva, que foi logo passando o telefone para Zé Alencar. "Uai, presidente, o que aconteceu, o sr. não aguentou ficar calado como havia prometido", fui logo perguntando. "Sabe, meu filho, eu até que tentei, mas não consigo ficar calado diante desses juros escorchantes. Não tem quem aguente ser empresário, gerar empregos, com um juro desse", respondeu, soltando uma gargalhada.
Do meu lado, não tenho do que reclamar em termos de informações. Fiz uma das primeiras entrevistas com o então vice-presidente. Ali ele já fazia críticas ao juros e reclamava uma reforma tributária profunda. Ele nos deixa sem que suas duas principais bandeiras tenham se tornado realidade. Os juros seguem elevados, não tanto quanto antes, é verdade. E a reforma tributária, pelo andar da carruagem, nunca será aprovada.
Lembro de uma entrevista que fiz com ele em dezembro de 2007. Ali, o vice disse: "Não tenho medo da morte, tenho medo da desonra". Frase de Sócrates que ele passou a repetir com frequência em seguida. Entrevista feita em Belo Horizonte, no escritório da Coteminas. Conversa realizada antes de um belo almoço mineiro servido por sua equipe. Tinha de tudo um pouco. Torresmo, linguiça, tutu, carne de panela, couve, farofa, feijão tropeiro, mandioca frita e a famosa cachaça mineira, a "Maria da Cruz", produzida em uma de suas fazendas.
Apesar de mineiro, não sou muito dado a beber cachaça. Mas ele sempre insistia comigo a tomar um trago da boa cachaça mineira quando nos encontrávamos para um almoço no Palácio do Jaburu, residência oficial da Vice Presidência. Naquele dia, não foi diferente. Acabei cedendo e tomando um dedo, fazendo aquela cara de quem não gostou. Ele ria da minha reação. E tomava sempre mais de uma dose. Com a melhor cara do mundo.
Costumava chamar Zé Alencar de presidente. Em uma de suas primeiras interinidades na Presidência, seu chefe de Gabinete, Adriano Silva, me ligou: "O vice está te convidando para dar uma passada aqui no gabinete da Presidência". Lá fui eu. Ele estava ocupando o gabinete de Lula. Ao chegar, encontrei-o sentado no sofá. Ele foi logo dizendo: "Estou aqui no gabinete do meu amigo Lula, mas a cadeira ali na frente é dele, ele é o meu presidente". Pedi uma entrevista, já antevendo declarações contra os juros altos. "Não posso, seria uma descortesia falar mal dos juros quando o Lula está fora do país", respondeu, em tom sério.
Essa era outra característica de Zé Alencar. Era muito bem humorado, adorava contar um bom "causo mineiro", mas quando algo não lhe agradava fechava o semblante e falava sério, determinado, mostrando firmeza. Foi assim naquele dia. Em seguida, ficamos conversando, falando de sua interinidade, jogando conversa fora, já que ele não iria mesmo dar uma entrevista formal. Foi mais uma das boas conversas que tive com ele, sempre acompanhadas pelo eterno assessor Adriano Silva. Enfim, Zé Alencar nos deixa com a lição de que precisamos lutar até o último momento, mesmo quando tudo parece perdido.

Valdo Cruz

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