quinta-feira, 24 de março de 2011

Os obstáculos para ser professor

Apesar do piso nacional, a profissão não é valorizada e é pouco procurada pelos pré-universitários
Entre setembro e outubro de 2009, três estudos foram divulgados com o objetivo de traçar um panorama da situação salarial dos professores da Educação Básica no Brasil. O primeiro deles foi encomendado pela Unesco às pesquisadoras Bernadete Angelina Gatti e Elba Siqueira de Sá Barreto, da Fundação Carlos Chagas. No mesmo mês, um segundo levantamento foi realizado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE), com foco no pagamento recebido por professores em início de carreira. Já em outubro, o Ministério da Educação (MEC) comparou os vencimentos do magistério público entre 2003 e 2008.
A principal conclusão da pesquisa do MEC foi que houve um aumento do salário médio dos professores da Educação Básica pública. Em 2003, o valor médio era de 994 reais, em comparação aos 1.527 reais obtidos em 2008. Foram utilizados dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo o estudo, que é separado por estados, no Distrito Federal é onde se paga melhor aos professores, com renda média em 3.360 reais. Na outra ponta da tabela está Pernambuco, onde a média de rendimento é de 982 reais, a mais baixa do País. O valor pago pelo DF está muito acima da média nacional, pese que o segundo colocado, o Rio de Janeiro, paga 2.004 reais em média ao magistério, e o terceiro, o estado de São Paulo, 1.845 reais em média. Entretanto, o estudo revela que, entre os 26 estados e o DF, 16 têm salários abaixo da média nacional. Esses estados estão concentrados nas regiões Norte e Nordeste. Porém, na Região Sul, Santa Catarina (1.366 reais) paga abaixo. No Sudeste, por sua vez, Minas Gerais e Espírito Santo (1.443 e 1.401 reais, respectivamente) estão na mesma situação. As informações se referem a uma jornada semanal de 40 horas.
Para o presidente da CNTE, Roberto Franklin de Leão, os dados do MEC podem ser contestados. "Falar em média é muito complicado, porque os poucos estados que pagam mais puxam o restante para cima", relata. A pesquisadora Bernadete Gatti faz a mesma crítica: "Em uma classe, se um aluno tira nota zero e o outro nota 10, a média é 5. A média camufla demais a situação". Roberto de Leão defende que a questão da composição salarial também tem de ser levada em conta. "Há uma diferença entre salário e remuneração. Muitos estados completam os pagamentos com abonos e gratificações." Segundo o levantamento da CNTE, o salário de início de carreira para um professor com licenciatura plena e que trabalhe 40 horas por semana em Mato Grosso do Sul é de 1.496,25 reais. Porém, com as gratificações, esse valor chega a 2.394 reais. A CNTE afirma que, ao fazer isso, os estados desvalorizam a carreira, uma vez que, em caso de aumento salarial, a promoção incide apenas sobre o vencimento. "Ocorre o risco de um piso salarial transformar-se em teto, o que torna a carreira do docente inviável. Se o professor for, por algum problema, aposentado, também não se incorporam essas gratificações nas aposentadorias", conclui Roberto de Leão.
Outro problema apontado por Bernadete é que os planos de carreira dos estados e municípios, quando existem, não são atrativos para os profissionais. "Em muitos casos, os planos são simplistas e colocam um valor final muito próximo ao da remuneração inicial", relata. Nesse sentido, o estudo do MEC conta com uma tabela em que apenas professores com nível superior completo ou incompleto são considerados, numa média de, aproximadamente, 14 anos de escolaridade. Se comparado com os dados fornecidos pela CNTE para profissionais com licenciatura curta, há uma proximidade entre o salário inicial e a média em alguns estados. No Ceará, por exemplo, a média indicada pelo MEC é de 1.249 reais, enquanto a remuneração de início de carreira é de 1.092,27 reais.

Escolaridade aumenta a renda

No relatório Professores do Brasil: Impasses e desafios, Bernadete e Elba ressaltam a heterogeneidade das políticas salariais de docentes no País e as inúmeras variáveis que devem ser levadas em conta para compreender a situação de remuneração desses profissionais. Primeiro, é preciso diferenciar todas as etapas da Educação Básica. Professores que ensinam na educação infantil e Fundamental têm salários menores do que seus colegas de Ensino Médio. Com dados da PNAD 2006, as autoras constataram que a média salarial na Região Sudeste de um professor em atividade na educação infantil é de 809 reais, enquanto, nos anos do Ensino Médio, o valor é de 1.066 reais. Do mesmo modo, no Nordeste, as médias dos ensinos infantil e Fundamental são 390 e 585 reais, respectivamente, e de 1.180 reais no Ensino Médio.
Uma segunda questão a ser levada em conta é a escolaridade dos profissionais. No Ensino Fundamental, docentes com até oito anos de escolaridade, ou seja, os professores que têm apenas o Ensino Médio completo, ganham no Sudeste 429 reais em média. Já a média de profissionais que estudaram de 12 a 14 anos é de 690 reais, valor que sobe para 1.151 para pessoas com até 17 anos de escolaridade. As autoras afirmam que as sucessivas graduações pesam positivamente nos vencimentos, o que indica uma coerência com os planos de carreira.
Por último, o cálculo das medianas permite entender a situação salarial da maioria dos docentes em cada região. A mediana é o ponto em que 50% do total dos entrevistados se situa abaixo de um determinado valor. Por exemplo, a média salarial, segundo a PNAD 2006, de um professor do Ensino Fundamental na Região Norte é de 870 reais, enquanto a mediana é de 750 reais. Isso significa que 50% dos professores dessa região ganham menos que 750 reais. Um profissional na mesma situação na Região Sul tem como média de rendimento 1.018 reais e uma mediana de 850 reais. Para Roberto Franklin de Leão, a avaliação das medianas permite constatar que a grande maioria dos professores da Educação Básica ganha abaixo das médias.
No estudo, as autoras comentam que a complexidade e a heterogeneidade da situação salarial dos professores devem-se, entre outros fatores, à organização descentralizada no que diz respeito a políticas de remuneração no País. "Há no País 5.561 municípios, 26 estados e um Distrito Federal, cada qual com seus sistemas de ensino e regulamentações próprios", escrevem. Apesar disso, Bernadete Gatti se posiciona contra a centralização das atribuições da educação. "A União deve exercer um papel regulador e complementador. Mas é impossível falar em uma política única para a educação em um país tão diverso como o Brasil." A pesquisadora lembra que em alguns países com melhores condições de remuneração para professores, como Argentina e Estados Unidos, as políticas salariais também são descentralizadas.

Profissão menos valorizada e procurada

O aumento salarial registrado pelo MEC coloca a carreira do magistério mais bem remunerada em quase 600 reais do que a média dos trabalhadores brasileiros, segundo revelou o jornal O Estado de S. Paulo. Porém, comparada às outras profissões com exigência de nível superior, a média salarial dos docentes é bem inferior. Segundo o estudo de Bernadete e Elba, o rendimento médio mensal de arquitetos é de 2.018 reais, enquanto o do magistério se aproxima de 1.200 reais. O valor pago aos professores também é inferior quando comparado com biólogos (1.791 reais); enfermeiros (1.751 reais) e farmacêuticos (2.212 reais). O cálculo foi realizado para jornadas de 40 horas por semana.
A desvalorização da carreira do docente na Educação Básica é refletida na procura por cursos de Pedagogia e Licenciatura, como Letras e Matemática. "Entre 2001 e 2006, houve um aumento de 97% na oferta de cursos de Pedagogia no País, porém, o número de matriculas aumentou apenas 27%", explica Bernadete. Para se ter uma ideia, as inscrições para o curso de Pedagogia da Universidade de São Paulo, no campus da capital, caíram de 3.310 na Fuvest 2006 para 1.380 na edição 2009 do vestibular. Para a pesquisadora, os cursos de Licenciatura são pouco valorizados nas universidades e tratados como de menor importância. "Há falta de materiais adequados e o número de aulas exigidas é cada vez menor". Bernadete afirma que a desvalorização da carreira pelas redes de ensino municipal, estadual e as próprias universidades e a representação do trabalho do professor como vocação, e não uma profissão são fatores que contribuem para a queda da procura e para os baixos salários.

CNTE

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