sábado, 19 de março de 2011

A viagem é ao "mercado Brasil", não ao país

A visita que o presidente Barack Obama inicia amanhã ao Brasil é muito menos ao país e muito mais ao "mercado Brasil", o que reduz dramaticamente o aspecto político, que deveria ser o principal.
Essa constatação se torna inevitável ao ouvir as sucessivas exposições de assessores do presidente a respeito dos objetivos da visita e ao ler o artigo que o próprio Obama publicou hoje no jornal "US Today".
Diz o texto: "Perto de 600 milhões de pessoas vivem na América Latina. A economia da região cresceu cerca de 6% no ano passado. Entre 2010 e 2015, espera-se que cresça um terço mais. E, na medida em que esses mercados estão crescendo, também está sua demanda por bens e serviços bens e serviços que, como presidente, eu quero ver que sejam feitos nos Estados Unidos da América".
Mais claro, impossível. E ainda houve uma menção também bastante explícita ao petróleo do pré-sal: "O Brasil descobriu recentemente reservas de petróleo que poderão ser bem maiores que as nossas, e, na medida em que tratamos de aumentar os fornecimentos seguros de energia, procuraremos desenvolver uma parceria energética estratégica".
Tradução: não dá para depender excessivamente do Oriente Médio, cada vez mais volátil. Logo, viva o Brasil.
Esse enfoque puramente "business" desmancha a romântica visão de uma especialista em América Latina como Julia Sweig, do Council on Foreign Relations, em teleconferência na terça-feira.
Julia citara a escolha da Cinelândia, "famosa praça central" do Rio de Janeiro, a visita à "City of God" (a favela "Cidade de Deus") e a presença de Obama em performances de capoeira e tambores como um esforço para construir "uma grande ponte cultural" com o Brasil da rua, não apenas o Brasil das autoridades e empresários.
A troca da praça por um recinto fechado, o Theatro Municipal, só hoje anunciada, enfraquece a "ponte" e reforça o lado mercantilista.
Já Shannon O'Neill, também especialista em América Latina do Council on Foreign Relations, esperava ou ainda espera que a visita servisse para que "Obama colocasse a América Latina em suas avaliações sobre os desafios globais". Seria, acrescentava, "uma mudança, embora sutil, que poderia representar um real transformação nas relações EUA/América Latina".
Uma mudança pelo menos já houve, mas no sentido inverso, ou seja, no sentimento latino-americano em relação aos Estados Unidos, pelo menos aos Estados Unidos de Obama. Pesquisa recente do Centro Pew de Pesquisas, mostra que 75% dos latino-americanos têm hoje uma visão positiva dos Estados Unidos.
Acrescenta Peter Hakim, presidente honorário do Interamerican Dialogue, uma das principais pontes entre Estados Unidos e América Latina: "As relações dos Estados Unidos com a América Latina não estão em crise. Os EUA gozam, em muitos âmbitos, de uma situação mais favorável e prometedora do que faz quatro ou cinco anos. A campanha anti-americana desenvolvida pela Venezuela de Hugo Chávez e seus aliados bolivarianos se debilitou".
Seria, pois, o momento ideal para um mensagem que realçasse o papel político do Brasil, não apenas como "mercado".
No mínimo, Obama poderia repetir o que disse na sua primeira aproximação à América Latina, durante a Cúpula das Américas de 2009 em Trinidad Tobago. Lá, deixou claro que estava encerrado o tempo de um "parceiro sênior" (obviamente os EUA), cercado de "parceiros juniores".
Agora, são todos "parceiros iguais".
Na conjuntura atual, em que a crise no Oriente Médio e a tragédia japonesa monopolizam as atenções, seria mesmo difícil dar um passo além do que foi dado em Trinidad Tobago. Resta, como diz Dan Restrepo, assessor especial do presidente, deixar claro com a viagem que "o presidente Obama está engajado em ajudar a enfrentar os desafios básicos nas Américas de hoje e está desejoso, pronto e em condições de se engajar construtivamente com os líderes da região que estão posicionados de maneira similar em focar os desafios de hoje e não argumentos ideológicos fora de moda".
É um retórica muito mais difusa do que o desejo do presidente de ver o "made in America" aparecer carimbado nas compras do Brasil e da América Latina.

Clóvis Rossi

Nenhum comentário:

Postar um comentário