segunda-feira, 5 de março de 2012

Política externa da nova classe

A nova classe trabalhadora brasileira transformou a vida pública no país. Responsável pelo dinamismo da economia, atraiu para sua órbita os interesses do capital industrial e financeiro. Maioria absoluta da população, passou a ditar os termos da competição eleitoral.
A trajetória ascendente dessa nova classe pressiona todas as políticas públicas, e a política externa não é uma exceção.
Por isso, a diplomacia precisa adaptar-se à nova tendência. No passado, ela serviu a banqueiros e grandes exportadores da Primeira República; ao projeto de modernização conservadora do Estado Novo; à industrialização nos anos cinquentas; ao autoritarismo anticomunista nos sessentas; à marcha forçada do nacional-desenvolvimentismo nos setentas; e, nos oitentas, à gestão do endividamento externo e da abertura política.
Com Fernando Henrique e Lula, normalizou as relações com o mundo, assegurou a sobrevida do Plano Real, pôs o país no mapa geopolítico e começou a internacionalizar o capitalismo brasileiro.
Agora, a política externa é pressionada para atender a um novo imperativo os interesses da massa de cidadãos recém incorporada ao espaço da política e do mercado.
O que pode fazer a diplomacia por operadores de telemarketing, maquinistas, feirantes, empregadas domésticas, motoristas ou pequenos produtores rurais país afora?
Muito. Trata-se de debelar os obstáculos externos que dificultam o pertencimento desses brasileiros a uma nova classe social em expansão. A lista de exemplos é vasta. Inclui medidas como a adoção de práticas comerciais para o benefício do consumidor de baixa renda. A proteção consular a quem deixa o país temporariamente em busca de oportunidades. A redução de empecilhos para o jovem que, munido de Bolsa Família e ProUni, sonha em estudar no estrangeiro pelo Ciências Sem Fronteiras.
Nenhuma dessas áreas exige a reinvenção da roda e há indícios de que a política externa já pende nessa direção há algum tempo. Basta lembrar de como a universalização do acesso a remédios virou emblema nacional, levando nossos agentes diplomáticos a uma batalha global pelo licenciamento compulsório de patentes da indústria farmacêutica. Exemplos como esse serão cada vez mais comuns.
Hoje, contudo, as iniciativas existentes ainda são poucas e não estão unificadas sob um conceito estratégico comum. Ainda não constituem um projeto.
O governo que fizer os ajustes necessários poderá atuar à frente de seu tempo, inaugurando pela primeira vez uma estratégia internacional a serviço daqueles que batalham por uma vida mais digna e são maioria no país.
Uma política externa assim orientada buscará acelerar o processo de redução de assimetrias entre ricos e pobres, nossa mais perversa característica. A desigualdade, com toda sua injustiça e violência, é hoje o fator que mais limita nosso poder, prestígio e influência no mundo.
Organizar a política externa nesses termos não será fácil nem livre de conflitos. Não é necessário ser marxista para entender que o crescimento de uma classe colide com os interesses de outra. Ou para ver que o preconceito de classe ainda impregna as instituições, o debate público e até mesmo aquilo que nossa imaginação considera possível.
Mas a nova tendência está dada e veio para ficar. Maior e melhor desafio diplomático não há.

Matias Spektor

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