sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Intuição de Fernando Lyra foi decisiva na redemocratização

Possuía como poucos o dom da intuição infalível e nunca se permitiu que o poder político o afastasse de suas raízes nem o contaminasse com o vírus da vaidade tão comum aos que são comuns. Fernando Lyra não era apenas um homem dedicado à vida pública. Ele possuía um perceptível sentimento de preocupação com a nação e com a elevação da ação política.
Em 1974, em plena efervescência da luta entre uma direita que subestimava os conceitos da democracia e uma esquerda ainda empolgada com um socialismo popular que suprimia a autodeterminação individual das pessoas, Fernando Lyra foi um iluminado. Ele e só ele percebeu que a eleição para o Senado daquele ano tomaria inevitavelmente a forma de um plebiscito nacional em que a sociedade brasileira iria manifestar sua impaciência perante o regime ditatorial que controlava o país havia dez anos.
Messianicamente começou a percorrer o país para convencer as lideranças do seu MDB de que chegara a hora de se iniciar a abertura política pela via da legitimidade do voto direto. E eleição para o Senado, a única de importância nacional atingida apenas em parte pelos atos institucionais que subtraíram uma cadeira de cada estado para nomear os senadores biônicos, configurava oportunidade de a oposição agregar definitivamente o apoio popular e constranger os estrategistas dos rodízios militares.
Ampliar a força do MDB no Congresso Nacional através do Senado era, na abençoada intuição de Fernando Lyra, um passo imprescindível rumo ao enfraquecimento do sistema que não dava sinais de abrir mão do poder em favor da redemocratização. E não foi fácil para ele. A começar pelo seu próprio estado, Pernambuco, onde a figura de Marcos Freire, segundo Fernando Lyra, se ajustava perfeitamente à tese da renovação pela via de novos rostos com bagagem política inclusive oriunda da vida universitária e de conceito inatacável.
Marcos Freire, que foi líder estudantil e membro da UNE, havia disputado a prefeitura de Olinda e considerado um dos melhores deputados federais do país. A tese de Fernando Lyra assustava porque a reeleição de Freire à Câmara Federal era fato resolvido. Trocar o certo pelo duvidoso era temor comum explícito em todas as abordagens que Fernando Lyra passava a fazer intensamente no Recife e no resto do país. Apesar do impacto da proposta, Marcos Freire acatou a candidatura como sendo uma missão de sacrifício porque na verdade, à exceção da intuição que inundava o espírito de Fernando Lyra, poucos acreditavam no êxito da aventura.
Admitia-se até mesmo que, em sendo vitoriosa, a tese de Lyra seria empalada pelos atos institucionais em vigor. Ou seja, os jovens senadores do MDB seriam cassados ou impedidos pelas normas militares de segurança nacional que eram sempre invocadas naquela fase de total ausência do estado de direito. Mas, apesar de tudo isso, qual a surpresa de todos os comuns ao perceberem que Fernando Lyra estava certo. A opinião pública brasileira abraçou com entusiasmo as candidaturas ao Senado pelo MDB e as eleições de 1974 seriam um passo histórico rumo à redemocratização, na medida em firmariam um novo conceito de oposição num Brasil então sufocado por atos institucionais.
O MDB elegeria nada menos do que 16 senadores no país. As repercussões na mídia internacional, os milhares de artigos editados na Imprensa brasileira, as reações positivas de observadores diplomáticos, as dezenas de livros sobre o tema, reforçavam a tese de Fernando Lyra. Ele estava certo.
Fui repórter político naquela fase difícil para todos os brasileiros e tive o privilégio de me tornar próximo a Fernando Lyra. Nunca deixamos de nos falar, muito pelo telefone, e dele recebi uma atenção que me comoveu, numa experiência que vivi em São Paulo. Sua intuição se manifestou igualmente certa, e ao sair ileso do hospital liguei imediatamente para ele, que estava convalescendo de uma cirurgia e mesmo assim se fazia presente na vida dos amigos.
Fernando Lyra cumpriu sua missão ao idealizar sobretudo um modelo de política pública inspirado nos mais elevados interesses do país, na nobreza do debate parlamentar que possa servir de exemplo dignificante a todos os brasileiros e no exercício de poder cujos ciclos democráticos deixem saudades e motivem o permanente aperfeiçoamento das nossas instituições. Quem sabe um dia nos encontramos e possa dedicar-lhe o meu voto mais uma vez. Abraços meu amigo. Que Deus te receba no derradeiro parlamento do Universo. 

Angelo Castelo Branco

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