sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Cúpulas, versões e verdades

Cada vez mais me parece sábia a definição de reportagem que ouvi anos atrás, em palestra na USP, do jornalista norte-americano Carl Bernstein, um dos dois repórteres que estourou o célebre caso Watergate, o que levou ao afastamento do presidente Richard Nixon.
'Reportagem é a melhor versão da verdade possível de se obter', dizia Bernstein.
Sábia observação por pelo menos dois motivos:
1 - Começa por admitir quase explicitamente que não existe uma VERDADE, assim em maiúsculas, como se fosse emitida por Deus, qualquer que seja o seu Deus.
2 - Termina por admitir que boa parte do que sai nos jornais não é testemunhado diretamente, ao vivo, por qualquer jornalista. São eventos a portas fechadas, dos quais os jornalistas recuperam depois uma "versão da verdade".
Esta será tanto melhor quanto mais numerosas e confiáveis forem as fontes de cada jornalista.
Pegue agora um exemplo prático do momento: a cúpula do G20 em Seul. Os jornalistas não chegamos nem perto das reuniões. Ou melhor, chegamos perto (o centro de imprensa funciona no mesmo COEX, o centro de exposições e congressos principal da Coreia, em que estão os líderes). Mas não perto o suficiente para ouvir qualquer coisa das discussões.
Aí, no encerramento (sexta-feira, no caso), sai um documento oficial que é a 'verdade' que os líderes acharam conveniente pôr no papel. Como é óbvio, há dois defeitos aí:
1 - A linguagem diplomática, inevitável nessas ocasiões, é sempre acolchoada para esconder divergências. E não raro é também elíptica. Não vai direto ao ponto de forma a permitir que cada país se sinta contemplado pela mágica da retórica.
2 - Jamais os comunicados oficiais relatam os debates tal como eles de fato se deram, especialmente quando são ásperos. Não fosse a pouco usual presença de câmeras e microfones numa cúpula em Santiago do Chile, jamais teria vazado a famosa frase do rei Juan Carlos da Espanha para o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, aquela 'por qué no te callas?'.
É claro que sempre há uma fonte (ou várias) a que se pode recorrer para traduzir a linguagem cifrada dos comunicados. Mas a tradução só será correta ou, pelo menos, não enviesada, se a fonte tiver plena noção de que é dever do funcionário público prestar contas ao público e sabe que a mídia é, em geral, apenas a intermediária entre um e outro.
Tudo somado, meu sonho (de cidadão, não de jornalista porque, nesta última condição, me defendo razoavelmente bem) é que os líderes decidam que sejam transmitidas ao vivo e em cores todas as cúpulas
Loucura? Eles não estão aqui em Seul para defender, supostamente, o meu, o seu, o nosso interesse? Então, por quê diabos eu não posso julgar por mim mesmo, acompanhando os debates, se o estão fazendo direitinho ou não?

Clóvis Rossi

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