quarta-feira, 22 de agosto de 2012

“Inimigos daquela época continuam os mesmos de hoje”

Uma coletiva com lideranças dos movimentos rural, sindical, indígena e quilombola abriu nesta segunda-feira (20), no Parque da Cidade, em Brasília, o Encontro Unitário dos Trabalhadores e Povos do Campo, das Águas e das Florestas, no Parque da Cidade.
Já com diversas barracas enfileiradas no pavilhão, as lideranças mostraram unidade ao destacar que até quarta-feira (22), quando termina a atividade, não haverá nenhuma reunião para negociação com o governo. Primeiro porque as tentativas anteriores de colocar a agricultura familiar na agenda foram frustradas e, segundo, porque a prioridade é fortalecer os laços entre as entidades para arrancar a reforma agrária.
Primeiro a falar, o Secretário de Política Agrícola da Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), William Clementino, avaliou que os inimigos de 1961, ano da realização do I Congresso Camponês do Brasil, em Belo Horizonte, são os mesmos de hoje.
“Tivemos avanços como a ampliação dos recursos do Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), o renascimento da assistência técnica para as propriedades, mas nada disso adianta sem reforma agrária. O monopólio da terra e o avanço do capital eram os inimigos em 61 e continuam sendo hoje.”
Dialogar com a sociedade
Coordenadora da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf), Elisângela Araújo, destacou a necessidade de chamar a sociedade à luta diante dos impactos que o modelo de agricultura escolhida pelo Brasil promovem.
“Não dá para o Brasil ter uso excessivo de agrotóxicos e devemos alertar toda a sociedade para questionar aquilo que consome. Por sua vez, para mudarmos esse cenário precisamos de assistência técnica e tecnologia acessíveis, precisamos de terra para o agricultura familiar. O que vemos é a estrangeirização das nossas propriedades e pouco espaço para quem produz alimentos”, destacou.
Representante da Via Campesina, o coordenador do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Stédile, acrescentou que, ao contrário da agricultura familiar, responsável por 70% dos alimentos na mesa dos brasileiros, o agronegócio tem objetivos meramente econômicos.  
“O capitalismo não migrou para o campo porque quer produzir alimentos, mas para ganhar dinheiro rápido, então, não importa a qualidade, já que a maior parte do que colhe vai para a exportação.”
Rolo compressor com apoio da mídia
Esse processo, alertou, inclui também a construção de usinas para gerar cada vez mais energia, mas sem consulta à população local e sem considerar os impactos sociais, a pressão para licenças à mineração, o lobby para a mudança na legislação permitindo a expropriação de terras indígenas e áreas onde pescadores ribeirinhos ganhavam a vida e, consequentemente, a concentração da propriedade.  
“Atualmente, 50% do etanol já está na mão de Bung, Cargill e Shell, que mantém o centro do poder fora do Brasil. Ao longo do tempo sobrará para a sociedade brasileira o passivo ambiental. E o governo está parado, se resume a programas medíocres de crédito, ainda assim, com R$ 120 milhões para o agronegócio e R$ 15 milhões para a agricultura familiar.”
Ao falar sobre as mortes de lideranças camponesas, Stédile citou um inimigo ainda mais feroz: a velha mídia.
“Se antes enfrentávamos pistoleiros, hoje temos o patrões de vocês”, disse, referindo-se aos jornalistas. “A imprensa brasileira é o verdadeiro partido ideológico da burguesia e trabalha para gerar postura contrária da população aos movimentos sociais”, acrescentou
Indígenas e quilombolas na mira – Representante das Articulações dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Otoniel Guarani Kaiowá, disse que o etnocídio e a perseguição de lideranças são ferramentas comuns dos latifundiários na tentativa de ocupar as terras que pertencem aos povos originários. E também destacou a frustração diante das ações do Estado.
“Na Rio+20 entregamos ao governo federal um documento sobre a situação da Amazônia, focando a questão da construção de ferrovia e rodovia sem consultar nosso povo. Mas, ficou muito claro que não vão nos ouvir.”
A ânsia do agronegócio não restringe-se, porém, aos indígenas, conforme lembrou o coordenador nacional da Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas, Denildo Moraes.
“O país tem dois milhões de quilombolas, mas somente 200 unidades tituladas. Isso porque o interesse sobre as áreas é grande: para mineração, porque é fronteira agrícola. O problema é o mesmo para os indígenas e para os quilombolas.”
Moraes citou medidas que tramitam no Congresso, como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, que transfere a competência da titulação do Executivo para o Legislativo, e a portaria 303 que, entre outros fatores, permite a implementação de mega projetos sem consulta às comunidades locais para exemplificar o poder do lobby ruralista.
CUT como parte do processo
Paralela à entrevista, a abertura oficial do encontro unitário trouxe o depoimento de outras lideranças presentes na organização da atividade, entre as quais, a Central Única dos Trabalhadores.
Representante da CUT na cerimônia, a vice-presidente, Carmen Foro, destacou que o compromisso histórico da entidade com a reforma agrária e que o encontro já deixara de ser exclusivamente dos povos do campo.
“Muita da nossa base está aqui e esse encontro não é só dos povos do campo, mas sim de responsabilidade da classe trabalhadora, é um ato de toda a classe trabalhadora. Temos que tirar daqui uma agenda política do conjunto dos movimentos para olharmos os pontos prioritários que, certamente, também farão parte de uma agenda da CUT também”, definiu.
Organização da juventude e das mulheres
Ao final da noite, coletivos da juventude e de mulheres organizaram plenárias para definir prioridades nas discussões dos grupos de trabalho que ocorrem nesta terça (22).
Parte da Direção Executiva pelo setor de Juventude do MST, Vanessa Witcel, diz que a demanda essencial é manter o jovem no campo e ressalta que isso depende de políticas públicas.
“Muitos jovens não veem no assentamento oportunidades de crescer, de ter a acesso à cultura, à produção, à educação, então, ele sai para buscar isso na cidade. Reverter esse processo é uma luta que devemos levar às nossas bases”, acredita.
Ao lado de Carmen Foro, a secretária de Comunicação da CUT, Rosane Bertotti, representou a Central na plenária de trabalhadoras rurais e destacou que pensar em ações para o campo sem levar em conta as mulheres é ignorar a realidade.
“A pobreza no Brasil tem cara, cor e gênero. É muito mais feminina, negra e está muito mais situada no meio rural. A mulher vive o dia-a-dia do campo, ela vive o dia-a-dia da reforma agrária, então, está presente diretamente na luta e, ao contrário da cidade, é um espaço coletivo. Como é dado a ela o papel de gestora da propriedade, isso se reflete aqui, por isso temos tantas mulheres nesse espaço sem que seja preciso definir cotas”, finalizou Rosane.  
O encontro termina nesta quarta-feira (22), com uma granda marcha que seguirá até o Palácio do Planalto. 
Após 51 anos do I Congresso Camponês, lideranças rurais iniciam encontro unitário destacando para fazer reforma agrária sair ‘na lei ou na marra’ 

Escrito por: Luiz Carvalho, de Brasília
CUT - Central Única dos Trabalhadores

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