sábado, 4 de fevereiro de 2012

Democracia não é pôr o público a pagar a conta

A propósito da entrega dos blocos habitacionais que compõem a futura aldeia olímpica de Londres qualquer coisa como 17 mil novos apartamentos para acolher os atletas e o pessoal das federações, além de uma rede de estabelecimentos comerciais e serviços, estive a ler alguns estudos sobre o tema da reabilitação urbana patrocinada pelo Comité Olímpico Internacional.
Entre muitos artigos, achei interessante o trabalho de Jay Scherer, um sociólogo da Universidade de Alberta, no Canadá, que aborda a questão do desenvolvimento imobiliário olímpico numa perspectiva política, avaliando o sucesso ou fracasso dos empreendimentos construídos para os Jogos Olímpicos de Inverno de 2010, em Vancouver, do ponto de vista da transparência e democracia do processo público o seu estudo intitula-se, precisamente, "Aldeias Olímpicas e Desenvolvimento Urbano de Larga Escala: Crises de Capitalismo, Défices de Democracia".
As suas conclusões apontam uma série de falhanços e equívocos no processo de urbanização, desde a fase do planeamento até à construção e posterior comercialização: inexistência de debate público sobre os projectos, decisões tomadas sem transparência em reuniões fechadas, recursos financeiros mal calculados e insuficientes, projectos grandiosos e irrealistas...
Como já tinha acontecido noutros lugares (Barcelona, Sydney, Atenas), "o plano era construir condomínios que começariam por ser utilizados como alojamento para os atletas e depois reconvertidos, atraindo investidores globais e turistas, além das classes profissionais da cidade", lembra Scherer. O problema, identifica o sociólogo, é que esse "plano" implicava a responsabilização dos contribuintes pelos custos, mas em momento nenhum previa a sua consulta, procuração ou envolvimento nas decisões.
O resultado foi um desastre financeiro, que teve imediatas repercussões em termos de fúria da opinião pública e culminou com a demissão do prefeito da cidade. "O principal problema foi que tudo foi decidido à porta fechada. Em termos de transparência democrática e de responsabilidade sobre o uso de dinheiro público, o argumento utilizado pelos promotores e pelos oficiais da cidade foi sempre que os planos não podiam ser públicos porque teriam repercussões no sector privado", referiu.
E, num aviso que o Rio de Janeiro deveria acolher, o especialista aponta que "esse é um argumento que se banalizou nas outras cidades que avançam com parcerias com o sector privado" para projectos de urbanização a reboque das olimpíadas. Para que nos eventos do futuro, não fiquem dúvidas sobre a transparência, nem o saldo seja um défice de democracia, convém garantir que a participação pública não é só na altura de pagar a conta.

Rita Siza

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