quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Os Kirchner, Lula e Dilma

BUENOS AIRES - Em que país se especula sobre a sombra que o antecessor exerce sobre a sucessora, ainda mais que há indícios de que o antecessor pretende suceder a quem o sucedeu?
Se você respondeu Brasil, pode ter adivinhado o futuro. Mas acertaria em cheio se respondesse Argentina.
Aqui, a angiografia a que se submeteu no sábado o ex-presidente Néstor Kirchner disparou toda uma onda de comentários sobre quem manda de fato no governo de sua mulher Cristina Kirchner, a sucessora.
É óbvio que os comentários partem apenas da oposição ou dos setores da mídia que estão em guerra com os Kirchner. Para o governismo, é inconveniente discutir quem manda no governo porque enfraquece a figura da presidenta.
Não deve ser mera coincidência o fato de que o principal candidato da oposição no Brasil, José Serra, está usando como um dos focos de sua campanha a acusação de que Dilma não passa de um fantoche de Lula.
É igualmente óbvio que há uma pilha de diferenças entre as situações da Argentina e do Brasil, mas o leitor é suficientemente inteligente e informado para dispensar-me do trabalho (e do espaço) de listá-las.
Vale, portanto, falar da coincidência de que a sombra de Néstor flutua sobre o governo de sua sucessora, assim como a de Lula invade regulamente o espaço de Dilma (vide, por exemplo, o chega-p'ra-lá que Lula deu em Dilma para responder aos ataques da oposição sobre a violação de sigilos fiscais).
Vale igualmente a coincidência de que ninguém aqui tem certeza de que Néstor deixará Cristina candidatar-se à reeleição, como legalmente pode fazê-lo, ou se preferirá ele próprio apresentar-se para suceder à sucessora.

No Brasil, é assim também, não é?

Há ainda uma terceira coincidência. Claudio Jacquelin, comentarista do matutino "La Nación", um dos inimigos dos Kirchner na mídia, escreve nesta terça-feira que "o kirchnerismo é exclusivamente Kirchner".
No Brasil, ninguém ainda chegou a escrever que o petismo é exclusivamente Lula, mas está evidente que Lula é maior, bem maior, que o partido que fundou.
Jacquelin diz também que "a maioria dos movimentos políticos [como contraposição a partidos políticos], em geral personalistas, verticalistas e populistas, são o que o líder diz que são e o que faz para que sejam. Carecem de institucionalidade e de estruturas".
O PT não era assim, até chegar ao poder (o federal). Agora, se encaixa na descrição que o jornalista argentino faz do movimento peronista. Basta lembrar que a escolha de Dilma para ser a candidata foi exatamente o que o líder disse que tinha que ser, sem passar pelas deliberações das instâncias partidárias.
O fato de Néstor Kirchner ter passado em apenas sete meses por dois problemas cardíacos está sendo festejado na oposição, nem sempre discretamente, a partir da pressuposição de que "o kirchnerismo é exclusivamente Kirchner".
Ou seja, torce-se para que, abalada a saúde física do líder, a saúde política do movimento também ficará abalada.
O coração de Lula, ao contrário, parece sólido o suficiente para continuar planando sobre o futuro governo. Seria interessante, por isso, que Dilma incumbisse alguém de confiança de estudar, aqui na Argentina, o efeito dessa sombra sobre o prestígio da sucessora.

Clóvis Rossi

Nenhum comentário:

Postar um comentário