quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Austeridade fiscal, especulação e flexibilização de direitos: o descaminho neoliberal

“Nos EUA, o 1% mais rico acumulou 95% do crescimento total posterior à crise desde 2009 a 2012, enquanto os 90% mais pobres da população se empobreceram ainda mais”
Relatório da Oxfam - entidade inglesa de combate à fome e à injustiça
Os dados divulgados pela Oxfam às vésperas do Fórum de Davos contribuem para desmontar a farsa do discurso neoliberal e termos uma dimensão mais exata do assalto praticado pela política de “austeridade” fiscal: a riqueza do planeta está concentrada nos cofres de 85 endinheirados, donos de bancos e monopólios transnacionais.
De maneira eloquente podemos ver no relatório como, ao contrário do propalado pelos defensores do “Estado mínimo”, o receituário regressivo de cortes nos investimentos sociais, privatização, arrocho nos salários e aposentadorias tem cobrado um preço alto não só em dólares e euros. Há um sequestro da soberania das nações com a asfixia da própria democracia, o que potencializa a desigualdade.
As centenas de milhares de manifestantes que tomaram as ruas de Portugal neste início de fevereiro no “Dia Nacional de Luta contra a exploração e o empobrecimento” com a palavra de ordem “Que se lixe a Troika, queremos nossas vidas!”, foram eloquentes. Afinal, é cada vez mais flagrante que o receituário apresentado pela Troika (Fundo Monetário Internacional, Comissão Europeia e Banco Central Europeu), com seus violentos cortes na educação, saúde, auxílio-desemprego e aposentadoria, além do arrocho do salário mínimo, no caso de Portugal sem reajuste desde 2010, é intragável e insustentável. Os trabalhadores gregos que o digam.
Compartilho as preocupações da diretora-executiva da Oxfam, Winnie Byanyima, que considera “chocante que no século 21 menos da metade da população do mundo – 3,5 bilhões de pessoas – não tenham mais do que a minúscula elite cujos números podem caber confortavelmente em um ônibus de dois andares”. É inadmissível que os inúmeros avanços científicos e tecnológicos alcançados continuem sendo apropriados por uma reduzida casta, enquanto as iniquidades não são apenas perpetuadas, como agravadas.
Vanguarda na injustiça e opulência, os Estados Unidos contam com quatro centenas de endinheirados que detêm mais riqueza que os 150 milhões da base da pirâmide. E são precisamente os trabalhadores e trabalhadoras que a sustentam – e suas famílias - os mais duramente afetados pela financeirização e desindustrialização da economia, pelos empregos precários e pelos cortes nos parcos recursos destinados ao seu atendimento nas áreas da saúde e educação.
Conforme o Center for Economic and Policy Research (Cerp), centro de estudos e pesquisas com sede em Washington, os EUA estão na rabeira do ranking de benefícios trabalhistas dos países desenvolvidos, não garantindo o direito nem mesmo a férias remuneradas ou a folgas pagas em feriados. 
Muitas das conquistas inscritas na Lei Nacional de Relações Trabalhistas aprovadas em julho de 1935 durante o governo Roosevelt para ativar a economia via fortalecimento do poder de compra viraram letra morta. Particularmente após a administração de Ronald Reagan (1981-1989) houve uma regressão brutal, negando até mesmo o direito dos trabalhadores a ingressarem em organizações sindicais. De caráter fascista, a medida espraiou uma repressão generalizada – nos governos e empresas - contra o movimento operário, o que redundou em arrocho salarial e perdas de direitos. Tais práticas foram inúmeras vezes denunciadas e combatidas pela nossa coirmã AFL-CIO. Com o agravamento da crise e a manutenção dos dispositivos francamente intimidatórios, atualmente o salário mínimo está 20% abaixo do vigente sob Reagan.
Mesmo diante de exemplos tão eloquentes, é risível ver como os grandes conglomerados de comunicação em nosso país continuem tentando insistentemente pautar retrocessos como a terceirização e a jornada de trabalho temporário, com discursos enaltecedores da “competitividade”. Vale lembrar que quando a CUT e as demais centrais sindicais construíram a política de valorização do salário mínimo com o governo Lula – medida apontada como a grande responsável pela ascensão social de 40 milhões de brasileiros – o discurso midiático sustentava que seria inflacionária e, portanto, um tiro no pé do crescimento e do próprio trabalhador.
Como é insustentável defender que os pobres fiquem cada vez mais pobres para os ricos enricarem à vontade, ao mesmo tempo em que manipulam dados e propagandeiam em favor dos seus interesses, a direita e sua mídia tentam obscurecer ou invisibilizar as pautas da classe trabalhadora. Este é o caso do “Contrato de Curta Duração”, que altera a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e permite contratações de até 14 dias num mês e 60 dias no ano, sem registro em Carteira – e portanto, sem direitos trabalhistas -, com a  desculpa de gerar contratações durante a Copa do Mundo.
Em tempos de carnaval, vale lembrar, é hora de colocar o bloco na rua. O embate político e ideológico em torno do nosso projeto de desenvolvimento com valorização do trabalho e distribuição de renda necessita, cada vez mais, da nossa intervenção coletiva. Para isso é preciso unir as pautas do movimento sindical e social. Diante deste desafio, a defesa do patrimônio público nacional, a luta contra as privatizações, pelo fim do fator previdenciário, reajuste para as aposentadorias, redução da jornada sem redução dos salários, combate à terceirização, correção da tabela do imposto de renda, reforma agrária e desoneração da folha de pagamento devem ser mais do que palavras de ordem. Devem ser um brado que ecoe em defesa dos trabalhadores, do Brasil e da Humanidade.

Escrito por: João Antonio Felício, secretário de Relações Internacionais da CUT

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