segunda-feira, 16 de abril de 2012

Canibais: que crime comete quem come carne humana?


“Vizinho acha suposto diário de trio suspeito de canibalismo
Um diário supostamente de uma das três pessoas presas em Garanhuns (PE), suspeitas de matar, esquartejar, comer e enterrar ao menos três mulheres, indica que o trio se formou em julho de 2003.
‘Pretinha’, que assina o diário, seria Bruna Cristina Oliveira da Silva, 25, amante de Jorge Beltrão Negromonte da Silveira, 51, o ‘Monte’, marido de Isabel Cristina Pires da Silveira, 51, a ‘Bel’ (…)
Os três moravam com uma criança de 5 anos, que a polícia acredita ser filha de uma das vítimas do grupo.
Bruna teria se unido ao casal com apenas 16 anos.
O caderno detalha relações sexuais que a autora mantinha com o amante”
Comer carne humana não é crime. Os mais velhos vão se lembrar que nas décadas de 1980/90 alguns hospitais paulistas descartaram lixo hospitalar no ‘lixão’ (um ‘aterro’ a céu aberto) e partes de corpos humanos removidos durante as cirurgias acabaram consumidos por catadores de lixo. Aquelas pessoas que comeram as partes humanas descartadas não cometeram nenhum crime. Tampouco o taxista que na matéria de sábado, sobre o mesmo assunto, disse ter gostada dos salvados feitos com os restos humanos.
Para que haja um delito, a conduta precisa estar descrita como tal em alguma lei penal (ou seja, ela precisa ser 'tipificada'), e não há nenhuma lei penal dizendo que comer carne humana é crime.
Alguns crimes são tão raros que, mesmo que eles não sejam apenas moralmente repugnantes para a sociedade, o legislador não faz uma lei específica para puni-lo, e ele acaba sendo punido em um outro crime, mais amplo. Esse é o caso do canibalismo. Por ser tão raro não há uma lei penal que puna o canibalismo em si, mas algumas condutas associadas a ele podem ensejar outras punições.
Por exemplo, se o canibal mata a vítima, ele está cometendo um homicídio. Dependendo da interpretação do juiz, pode ser um homicídio qualificado (pelo motivo fútil), o que gera uma pena muito mais alta.
Outro crime normalmente associado ao canibalismo é o vilipêndio de cadáver, ou mesmo a destruição de cadáver. Mas note, novamente, que nenhum desses crimes estão restritos ao canibal. Todos os dias ouvimos falar de homicídios cometidos por outros motivos; e o vilipêndio de cadáver, embora bem mais raro do que o homicídio, não foi feito para punir o canibal, mas para punir qualquer pessoa que desrespeite e viole os restos mortais (esse é o mesmo crime cometido por quem remove os dentes de ouro do morto, por exemplo). O mesmo ocorre com a destruição de cadáver: esse é o artigo, por exemplo, usado para punir o bandido que atea fogo no corpo da vítima.
Existe mais uma outra complicação jurídica aqui: o consumo de restos humanos é algo que fere preceitos morais tão básicos que muitas vezes é possível para a defesa alegar que quem praticou o canibalismo não possuía o desenvolvimento mental mínimo necessário para torna-lo punível penalmente, ou que culturalmente tal pessoal não estava totalmente integrada à nossa sociedade (é o caso, por exemplo, de tribos como os Yanomamis, que consomem as cinzas mortais de seus companheiros, e dos quais já falamos aqui)

Folha de São Paulo

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