domingo, 1 de agosto de 2010

Investigação ou especulação?

Janela para o mundo

Para não perder o hábito, permita-me, caro leitor, remar contra a maré de louvação ao vazamento dos papéis da guerra do Afeganistão - 92 mil documentos capturados pelo sítio "Wikileaks" mas levados à fama pelo fato de terem sido repassados à três ícones da mídia tradicional. Foram, como você sabe, o britânico "The Guardian", o "New York Times" velho de guerra e a revista alemã "Der Spiegel".
Primeiro problema, a meu ver o mais grave: "Os relatórios do Wikileaks não são verificáveis e poderiam ser informação falsa da inteligência afegã", diz editorial do "Guardian", no mesmo dia em que publicava os relatórios.
Antigamente, antes de que o "fast journalism" se tornasse uma praga, nenhum jornal sério publicaria algo que não pudesse ser devidamente checado. Na pior das hipóteses, ante a possibilidade de tomar um "furo" em fato de relevância, o jornalismo sério advertia que a versão que difundia não pudera ser contrastada com uma fonte independente.
Agora, não, Atira-se primeiro e só depois se pergunta quem vem lá.
Parêntesis para entender a observação do "Guardian" sobre a inteligência afegã: o governo do Afeganistão está absolutamente convencido de que todos os problemas do país nascem e crescem no vizinho Paquistão. Quem me disse foi o próprio presidente Hamid Karzai, em uma conversa em Davos há dois anos.
Logo, a inteligência afegã teria interesse em demonstrar que sua contraparte paquistanesa colabora com o Talebã, conforme consta dos papeis que vazaram.

Fecha parêntesis.

Segundo grave problema, constatado por Joshua Foust, da respeitadíssima Columbia Journalism Review, editada pela escola de jornalismo da Columbia, de Nova York:
"É só dar um clique aleatório nos Diários de Guerra da Wikileaks para ver revelados os nomes das fontes afegãs: Simon Hermes, chefe da Missão de Assistência da ONU no Afeganistão; Mohammed Moubin, que trabalhou com a equipe de reconstrução da Província Paktika em 2006; e Gul Said, assessor da mesma equipe".
O criador da Wikileaks deu muitas entrevistas para jurar que os nomes das fontes haviam sido completamente protegidos. Logo, mentiu, como completa Foust:
Aparecem "nome após nome de 'colaboradores' com os militares dos EUA, nome após nome de pessoas cujas vidas estão agora em perigo direto. (...) Muitas das operações detalhadas nos vazamentos ainda estão em andamento e muitas das pessoas envolvidas ainda estão lá, torcendo para que estes vazamentos não os transformem em alvos de assassinos".
É um comportamento no mínimo discutível. Ainda mais que, como diz o presidente Barack Obama, "nenhum desses documentos revela nada que não tivesse sido informado e que não tenha sido publicamente debatido".
Você pode até achar que Obama está querendo minimizar algo inconveniente para o governo. Mas no sítio "Mother Jones", que não é "chapa branca", Adam Weinstein diz basicamente a mesma coisa: "A maioria das informações são porcas e parafusos táticos, descontextualizadas e em grande medida inúteis".
A propósito: os documentos que tratam das relações Brasil/EUA, também constantes do pacote, chegam a ser risíveis, de tão primários e inúteis. Confira em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft2807201003.htm.
Para o meu gosto, fica a nítida sensação de que, no caso, tratou-se muito mais de "jornalismo espetáculo" do que de "jornalismo investigativo".

Clóvis Rossi

Nenhum comentário:

Postar um comentário