segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Neste dia 28 de outubro, Dia do Servidor Público, ratificamos a necessidade urgente da melhoria das relações de trabalho no setor público brasileiro


Do Brasil Colônia, passando pelo Brasil Império e Brasil República aos dias atuais, a história da administração pública brasileira é marcada pela excessiva centralização do poder nas mãos do Executivo. Se no Brasil Colônia os cargos públicos eram propriedade do Rei – que os distribuíam de acordo com sua vontade e interesses, no Brasil Império a administração pública tinha como uma de suas principais funções a defesa e sustentação da Corte. 
A proclamação da República em 1888 não traz nenhuma modificação nessa estrutura. O preenchimento do cargo público se dava por meio dos acordos políticos, o que gerava uma total submissão aos interesses da oligarquia dominante.
Historicamente, a não separação entre o que é público e o que é privado no Brasil surge com o processo de formação da administração pública, uma vez que os cargos públicos eram comprados da coroa portuguesa.
A partir da industrialização no Brasil, com a crise enfrentada pela burguesia agrária, esta procurou manter seu poder na esfera política, garantindo que seus membros fossem nomeados para exercer a direção nos órgãos públicos. A transferência da tradição patriarcal para a esfera do serviço público imprimiu e consolidou, ao longo dos cinco séculos, esta característica no serviço público brasileiro, que é a não distinção entre o público e privado.
A conformação de tais relações ensejou para o serviço público a prática do clientelismo e do patrimonialismo e, não raras vezes, do nepotismo. Com a introdução de tais práticas, ao contrário de serem perseguidos parâmetros de racionalidade e impessoalidade na gestão do que é de caráter público estatal, paulatinamente foi sendo enraizada e aprofundada a prevalência de interesses privados sobre os interesses públicos, de forma que, ao invés de se aproximar das demandas sociais, o serviço público estava voltado para atender os interesses particulares.
O serviço público nasce marcado, assim, pela distância entre trabalhadores do setor e sociedade. As relações de trabalho serão marcadas pela unilateralidade, uma vez que é o governo quem define as relações e condições de trabalho. Embora integrem o conjunto dos trabalhadores, os que fazem parte do setor público não dispõem dos direitos que a maioria dos trabalhadores tem assegurado em Lei, situação que perdurou até a Constituição de 1988. Porém, as inovações constitucionais não abrangem o direito à Negociação Coletiva e ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), sendo a incompletude de direitos uma das marcas diferenciais de suas relações de trabalho.
O final da década de 1970 e os anos 1980 foram marcados pelas lutas pelo fim da ditadura militar e em prol da redemocratização do país. Na esteira dessas lutas os trabalhadores do setor público, até então alijados de qualquer forma de expressão de seus interesses e anseios comuns, bem como dos meios práticos de lutar por eles, buscam o reconhecimento desses direitos.
A efervescência vivida pela classe trabalhadora brasileira, construindo a sua reorganização sindical e, principalmente, conquistando o status de atores sociais, até então negado pelo período de exceção, encontra os trabalhadores do setor público dispostos a cerrar fileiras.

Mesmo sem direito à organização sindical, diversos segmentos do serviço público, a partir das organizações existentes no seu meio – todas de caráter assistencial ou recreativo -  mobilizam-se, fazem greve e forçam a Administração Pública a negociar e a atender suas reivindicações, inaugurando uma nova fase no relacionamento do Estado com seus trabalhadores e, mostrando  para os governos e a sociedade que era inevitável uma mudança nesse campo.
Se por um lado a Constituição de 1988 consagrou o direito dos trabalhadores do setor público a reunirem-se em sindicatos, e por conseqüência, o direito a greve, por outro, o Direito Administrativo vigente não permitiu, e ainda não permite, a condição do servidor público como sujeito dotado de autonomia.
O servidor, diferentemente do setor privado, ele não é um ser que tem vontade, que vende sua força de trabalho, que tem vontade, necessidade, interesses; ele apenas é o órgão da administração. Ele é um não ser nesse sentido (...), ele não vai contratar direitos e obrigações, como na relação celetista contratual do setor privado.(RANDS 2001, p. 311)
O trabalhador do serviço público, enquanto agente social responsável pelos serviços públicos, ainda não se deu conta, em sua maioria, de seu papel. O Estado e sociedade brasileira reafirmam constantemente um discurso de incapacidade advinda do próprio trabalhador.
Essa visão ideológica, que considera o servidor como se fosse apenas uma peça da grande máquina, se apóia na fragmentação do trabalho humano, produtora de um servidor alienado, incapaz de vincular o seu trabalho ao seu papel social, fazendo-o entender sua atividade como um meio, ao mesmo tempo, medíocre e seguro de sobreviver, porém, desinteressante e penoso
O Direito de Negociação, no setor público é muito timidamente exercido, e, quando o é, sofre restrições de toda sorte em razão do fato de que para ter o resultado da negociação coletiva exigível juridicamente, deve esse ser transformado em ato administrativo válido, exarado pela autoridade competente - geralmente o Chefe do Executivo, ou diretamente por Decretos, Portarias e outros Atos. Ou indiretamente, por meio do envio de Projeto de Lei à Casa Legislativa, como exemplo, a concessão de reajuste salarial. Sofre restrições também em razão do entendimento cultural doutrinário e jurisprudencial dominante, no sentido de que a unilateralidade do estabelecimento das condições de trabalho no Serviço Público pelo Administrador seria da natureza ontológica do mesmo.
Oriundo da Constituição de 1988, o Regime Jurídico Único (RJU) instituído pela Lei 8.112/90, da esfera federal, e reproduzido na maioria dos Estados e Municípios brasileiros - reivindicação do movimento sindical dos trabalhadores do serviço público - defendia estender a todos os mesmos direitos e deveres e, ainda, garantir uma relação de trabalho negocial. Sob essa influência, o Congresso aprovou a tese da Negociação Coletiva e também derrubou o veto do Governo Collor à matéria, mas o Supremo Tribunal Federal (STF) a declarou inconstitucional. O resultado foi a vigência de um instrumento jurídico atrasado e autoritário e que garantiu a unilateralidade da relação na função pública, submetendo os trabalhadores à vontade exclusiva do Estado.  
Portanto, nosso modelo não permite o desenvolvimento de um sistema de relações maduro, em que as partes possam negociar em relativa igualdade de condições. O Regime Estatutário que domina a Administração Pública é avesso, por natureza, a qualquer grau de liberdade contratual, dado seu caráter impositivo, com total predominância da Administração Pública.
Compreende-se que a liberdade contratual deva sofrer limitações, haja vista as finalidades do serviço público, que é destinado aos interesses da coletividade e não aos interesses exclusivos dos trabalhadores do setor. No entanto, isto não significa que estes devam ser tratados como servos, e sim, como cidadãos livres, sujeitos de direitos.
É necessário, portanto, que se estabeleça um sistema contratual, legalmente delineado, obedecendo aos Princípios Constitucionais, e com previsão de procedimentos negociais: do objeto e alcance da negociação; seus níveis de abrangência e de articulação; os efeitos jurídicos dos acordos em cada nível; os modos de solução dos impasses, bem como a definição da possibilidade e contornos da arbitragem e/ou mediação. Voltaremos a ele mais a frente.
Em 2013 a Constituição Brasileira completa 25 (vinte e cinco) anos. Neste período de existência algumas interrogações acerca da relação do Estado com seus trabalhadores ainda não foram respondidas.  Uma delas é a que diz respeito a esse extenso lapso de tempo da sua promulgação até hoje, sem que tenham sido regulamentados em lei ordinária alguns dispositivos constitucionais referentes às relações de trabalho.
Para responder a esta pergunta, e a outras ainda pendentes, voltamos ao final da década de 1980 e aos anos 1990 para contextualizar o ambiente e a época em que se inicia a inflexão nas relações do Estado brasileiro com seus trabalhadores. Assim é que, enquanto aqui os trabalhadores do setor público avançam em suas conquistas constitucionais, no planeta terra a concepção neoliberal vai se consolidando e se tornando hegemônica.
A campanha presidencial de 1989, polarizada entre os candidatos Lula e Collor evidenciam as propostas diametralmente opostas. De um lado – representada pelo candidato Lula – a proposição de um governo democrático-popular. De outro – representado pelo candidato Collor – de inspiração francamente neoliberal, propondo o Estado mínimo e identificando nos trabalhadores do setor público as mazelas da gestão pública e do péssimo serviço público prestado à sociedade. Lembremos que o mote da campanha de Fernando Collor era ‘a caça aos marajás’. Vitoriosa essa segunda proposição, tem-se o início dos ataques ao Estado e aos seus trabalhadores.
Instala-se um clima de terror, via demissões e disponibilidades dos trabalhadores, desaparelhando o Estado dos agentes condutores das suas políticas públicas. Etapa esta interrompida pelo impeachmentdo Presidente Collor, acusado de corrupção.
Após breve interregno com o Governo Itamar Franco, tem-se início a segunda etapa da implantação do projeto neoliberal, com a eleição do Presidente Fernando Henrique Cardoso que a conduz com maior competência. Nos oito (8) anos de seu governo, o Estado e os serviços públicos sofreram alterações estruturais que até hoje permanecem – nominados de ‘entulhos da era FHC’.
No que diz respeito às relações de trabalho do setor público, pode-se elencar a retirada de cinquenta e oito (58) direitos consagrados em lei, a privatização e/ou extinção/fusão de órgãos públicos, todos em prejuízo da sociedade e dos trabalhadores do setor.
O que chama a atenção é o fato de que a incipiente organização sindical no setor público, que buscava modificar uma relação e um modelo de Estado pré-existente, se vê obrigada a se contrapor a propostas de transição para outro Estado, defendido pelas classes dominantes. Nascemos num momento turbulento, na transição para o neoliberalismo. Pegamos oito anos de FHC, o auge dessa política, e estamos na derrocada desse pensamento. Chegamos à maturidade neste momento e somos chamados à discussão que extrapola nossa pauta original de reivindicações.
Para o sucesso do projeto neoliberal no Brasil, passou-se ao largo qualquer proposta de democratização das relações de trabalho. Ao contrário, uma das premissas básicas do neoliberalismo é a fragmentação das representações das entidades dos trabalhadores. E o Governo Fernando Henrique, buscando tornar mais mínimo um Estado, que já não atendia às necessidades da sociedade, leva a efeito no seu Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE), a criação das ‘carreiras exclusivas de Estado’ - surgindo os trabalhadores de primeira e segunda classe. Isto é, uma política de recursos humanos sem nenhuma vinculação com as necessidades da sociedade, e, sim, do mercado, elevando exponencialmente as terceirizações e a precarização do trabalho no setor público.
A resistência empreendida pelos setores combativos do movimento sindical, no espectro de atuação desses, capitaneados pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) e pela Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (CONDSEF) criou as condições necessárias para se discutir e se apresentar propostas para a refundação do Estado e para a universalização dos serviços púbicos de qualidade para todos, tendo como pilar fundamental a democratização das relações de trabalho no setor público, sob o controle da sociedade. É o que trataremos a seguir.
O Supremo Tribunal Federal (STF), em sintonia com os preceitos neoliberais do Governo Collor de Mello, considera inconstitucional a negociação coletiva no setor público e frustra a conquista dos trabalhadores inserida na lei 8.112/90, conhecida como Regime Jurídico Único (RJU).
Nos oito (8) anos do Governo Fernando Henrique, a Reforma Administrativa conduzida pelo Ministro Bresser Pereira, a pretexto de modernizar a Administração Pública, se restringiu a eliminar as conquistas sociais dos trabalhadores e da população: com a retirada do texto constitucional dos direitos trabalhistas e a reforma do aparelho estatal, com a extinção e/ou fusão de órgãos públicos, também citados anteriormente.
Mesmo à luz do posicionamento do STF e da orientação política do governo e fruto da luta das entidades sindicais do setor público, foram construídas experiências ricas e importantes de negociação no setor, a saber:
a)     Mesa de Negociação do Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual (IAMSPE) – SP;
b)    Sistema de Negociação Permanente (SINP) da Prefeitura de Recife (2001);
c)    Mesa Nacional de Negociação do Sistema Único de Saúde (SUS);
d)    Mesa de Negociação Permanente da Prefeitura de São Luiz – MA;
e)    Sistema de Negociação Permanente (SINP) da Prefeitura de S. Paulo (2001);
f)    Sistema de Negociação Permanente (SINP) do Estado da Bahia (2006);
g)    Sistema de Negociação do Estado de Sergipe (2007);
h)    Mesa Nacional de Negociação Permanente (MNNP) – Governo Federal; e muitos outros processos de Negociação constituídos em Estados e Municípios Brasileiros.
Concomitantemente às iniciativas acima mencionadas, a luta das Entidades Sindicais pela ratificação da Convenção 151 da OIT foi vitoriosa em 2010, quando ocorreu sua efetiva ratificação. Mas ainda está faltando sua efetiva regulamentação que, obrigatoriamente, deveria ocorrer até julho de 2011, sendo que, do nosso ponto de vista, não ocorreu ainda por falta de vontade política do governo.
Chega-se a um questionamento crucial: se havia, ou há, por parte de alguns governos e por parte dos trabalhadores, boa vontade expressa na construção do processo negocial, por que o resultado não satisfaz plenamente a ambos? Apontaremos o que consideramos como insuficiências e falhas a serem corrigidas:
a)  Os processos reais de negociação são bastante complexos e dinâmicos. Não existe uma                   sucessão rígida de etapas e procedimentos
b) No caso de impasse na negociação, não existe possibilidade de recursos a nenhuma instância, tornando a greve o único instrumento de luta. ‘Negociar a negociação’ é a primeira tarefa da categoria. As consequências são danosas: greves prolongadas, poucas conquistas, impacto negativo na sociedade usuária dos serviços públicos, perdas de direitos etc.; 
c)  Por não existir data-base, é permanente o processo de mobilização da categoria;
d)  Há um grande número de descumprimento dos acordos, por parte dos Governos;
e)  A maioria dos gestores não compreende a Negociação Coletiva como instrumento de gestão;
f)  Há uma pluralidade de representações dos trabalhadores, permitindo ao Governo escolher os “melhores” interlocutores, geralmente, os mais propensos a aceitar propostas imediatistas, principalmente de caráter remuneratório e produtivista.
Para que se avance na mudança dessas relações, não basta só uma das partes – os trabalhadores – ter clara esta necessidade. É fundamental que o Estado e a sociedade reconheçam na negociação coletiva como um instrumento poderoso para alterar radicalmente a administração pública brasileira.
Vale afirmar que o instrumento da negociação coletiva de trabalho não pode ser visto apenas como uma necessidade de atender as demandas reivindicatórias dos trabalhadores do Estado, mas sim, como um espaço democrático onde a administração, os trabalhadores e a sociedade possam acordar (ou não) metas e objetivos a serem atingidos.
Essa nova relação deverá necessariamente constituir um novo arcabouço político, jurídico, institucional, que reorganize e promova as condições para o desenvolvimento de um Estado eficiente e capaz de enfrentar os desafios sociais colocados para o Brasil.
(...) a negociação coletiva, como instrumento de democratização das relaçõesde trabalho, assume caráter estratégico na gestão do Estado. O trato democrático de interesses coletivos estimula pensamento, debate e construção acerca de prestação dos serviços públicos direcionando-a para a formação do Estado Democrático, presente e atuante face às demandas populares. Isso porque o tratamento dispensado à relação com os trabalhadores tem reflexo intrínseco na qualidade e na eficiência dos serviços prestados, de modo que a negociação acaba por se configurar em instrumento de gerenciamento de conflitos que interfere na realização dos serviços (...). A participação social no processo negocial, por meios próprios, efetiva recurso de controle social sobre a função administrativa do Estado.
(Relatório da Conferência Nacional de Recursos Humanos da Administração Pública Federal, realizada em julho de 2009)
Estas afirmações estão em consonância com o conceito do Trabalho Decente – campanha mundial conduzida pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e, também, com os objetivos perseguidos pelo movimento sindical do setor público.
Se tornada realidade nos moldes em que propõe o movimento sindical, será a mais significativa Reforma do Estado e da Administração Pública brasileira nos últimos tempos, porque vai ao encontro da consolidação de um novo Estado, democrático e capaz de promover a universalização dos serviços públicos para a população brasileira.
O próximo passo é regulamentar a Convenção 151 da OIT a partir da sua regulamentação, e, por força do Pacto Federativo, também Estados e Municípios estarão obrigados a inaugurar uma nova relação com seus trabalhadores e a sociedade. E, não teremos mais “servidores públicos” – denominação hoje pejorativa e caricatural – e, sim, trabalhadores do serviço público.
Claro está que esta não é a panacéia que irá promover a refundação do Estado, mas, abrirá portas para isso. 

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