segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Mensalão: Por que STF não definiu regras mais duras contra a corrupção

STF define tratamento mais rigoroso contra a corrupção
Iniciado há um mês, o julgamento do mensalão no STF (Supremo Tribunal Federal) já estabeleceu teses jurídicas que deverão levar à condenação da maioria dos réus do processo e sugerem que casos de corrupção terão um tratamento mais rigoroso no Judiciário daqui para frente.
A importância do caso faz com que as decisões passem a ser referência para toda a Justiça, já que essa é uma das raras vezes em que o Supremo, preponderantemente um tribunal constitucional, analisa fatos e provas penais (...)
Mais do que isso, os ministros derrubaram boa parte das teses apresentadas pela defesa, fixando a base para futuras condenações.
Entre elas a de que é necessária a existência do chamado ato de ofício’ para que se configurasse a corrupção. A maioria dos ministros entendeu que basta o recebimento de propina para haver o crime, mesmo que o servidor não tenha praticado nenhum ato funcional em troca.
‘Basta que o agente público que recebe a vantagem indevida tenha o poder de praticar atos de ofício’, disse a ministra Rosa Weber (...)
Para o ministro Celso de Mello, quando existe a corrupção, é ‘irrelevante’ a destinação do dinheiro - tanto faz se foi usado ‘para satisfazer necessidades pessoais’, ‘solver dívidas de campanhas’ ou para atos de benemerência”.
Se compararmos o título da capa (“STF define regras mais duras contra a corrupção”) com o da matéria (“STF define tratamento mais rigoroso contra a corrupção”) veremos que há uma diferença. A capa está errada.
As regras continuam as mesmas e a interpretação da lei continua a mesma. O art. 317 do Código Penal não poderia ser mais claro. "Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem".
O art. 317 não diz que o servidor precisa agir. Basta solicitar. Se Fulano pede dinheiro para autorizar a construção de um prédio, ele está solicitando. A lei não fala que ele precisa receber o que foi solicitado. Tanto é assim que ela fala ‘ou receber’ e não ‘e receber’ (sempre que estiver lendo leis, preste atenção na diferença entre ‘ou’ e ‘e’. Em direito, essa é uma diferença fundamental).
Além disso, a lei é clara que, se ele agir baseado na corrupção, é caso de aumento de pena: "§1º - A pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional".
O que é necessário, e sempre foi, é que o servidor público tenha a capacidade de fazer aquilo (o ato de ofício) para o qual pediu o dinheiro ou benefício (“mas em razão dela”).
Se o policial, que é servidor público, solicita dinheiro para dar um alvará para a construção de um prédio, ele não está cometendo corrupção passiva porque ele não tem o poder de conceder tal alvará. Logo, não interessa se ele pediu ou recebeu. Foi justamente isso que a ministra citada acima disse.
O que o STF está fazendo é tomar uma postura mais flexível (o que prejudica os réus) na forma de comprovação das alegações.
Quando o magistrado está julgando algo, ele faz duas análises: uma dos fatos e outra das leis. Primeiro ele analisa se os fatos alegados são verdadeiros: ‘Há provas de que o servidor solicitou o dinheiro para liberar o alvará?’. Depois ele analisa a lei para saber se e qual lei é aplicável àqueles fatos: ‘Quem solicita dinheiro para liberar um alvará está cometendo corrupção passiva?’
Só que a primeira parte, geralmente, só acontece na primeira instância. Quando alguém recorre contra uma sentença, o tribunal que reanalisa o recurso não reanalisa os fatos: ele só reanalisa a aplicação da lei aos fatos. Ele toma os fatos julgados pelo magistrado na primeira instância como verdadeiros.
E é aí que está a diferença do Mensalão: como esse processo começou diretamente no STF, o Tribunal está analisando tanto fatos quanto leis, já que ele não está julgando um recurso: ele está julgando como uma primeira (e última) instância.
No caso da corrupção passiva, o STF disse que a defesa está errada quando diz que a única forma de provar que alguém pediu dinheiro é mostrando como o dinheiro foi recebido ou gasto. Realmente é muito difícil provar que alguém solicitou dinheiro ou outro benefício (poucos corruptos são estúpidos ou ingênuos o suficiente para pedirem dinheiro de forma pública, na frente de testemunhas, ou deixarem provas de sua desonestidade). Isso faz com que, normalmente, a única forma de provar que alguém solicitando é provando que ele recebeu. Mas, como vimos acima, do ponto de vista legal, basta solicitar. O que o STF disse é que se houver qualquer forma de provar o pedido, não é necessário provar o recebimento. Se de repente aparece um depósito desproporcional na conta do acusado, isso serve como prova de solicitação tanto quanto a troca de e-mails ou uma conversa gravada.Os advogados também alegam que a única forma de mostrar que o dinheiro recebido era propina é se ele foi usado para um benefício pessoal do corrupto. O que o ministro citado acima disse é que isso, obviamente, não está na lei. A lei sequer diz que é necessário receber o dinheiro, e muito menos que esse dinheiro seja usado para algo específico. O ministro citado no último parágrafo da matéria disse que basta que o dinheiro (ou qualquer outro benefício) tenha sido recebido. Seu uso é totalmente irrelevante para a lei. Mas, novamente, isso já estava claro na lei. O que o STF fez foi apenas reafirmar a melhor forma de interpretar a lei. Ele não fez uma nova regra e tampouco passou a interpretar as regras existentes de uma forma diferente.

E por que tal posicionamento do STF é importante?

Embora seus julgamentos, geralmente, não vinculem os demais magistrados (os demais magistrados não precisam segui-lo no futuro), eles têm uma grande influência sobre os demais magistrados. Logo, da próxima vez que um advogado tentar usar os argumento de que a única forma de provar a solicitação é provando o recebimento, ou que a única forma de comprovar que o dinheiro era propina é se ele foi usado para benefício pessoal do réu ou de outra pessoa, o juiz de primeira instância vai poder falar: ‘isso é uma grande balela. Não está na lei e o STF já confirmou que a lei não fala isso’. 


Folha de São Paulo

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