O desperdício de recursos naturais atinge números preocupantes no Brasil
- anfitrião em junho da Rio+20, o encontro da Organização das Nações
Unidas que discutirá os limites do consumo e os rumos da economia verde.
Um cálculo aproximado, baseado em dados setoriais e de organismos
internacionais, indica que o país perde comercialmente ao ano pelo menos
R$ 83 bilhões em alimentos, energia, água, madeira e resíduos que vão
para o lixo e que poderiam ser reciclados, implicando impactos
ambientais e emissões de gases do efeito estufa menores.
O valor, que não considera produtos químicos, minerais e outros insumos
básicos atrelados à exploração desses recursos, supera os R$ 70 bilhões
de gastos federais com educação previstos para 2012.
Relatório divulgado pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e
Alimentação (FAO) mostra que o mundo desperdiça um terço dos alimentos
produzidos para consumo humano, no total de 1,3 bilhão de toneladas por
ano, desde o campo até as residências. Há diferenças conforme o grau de
desenvolvimento: enquanto nos países ricos as perdas se concentram no
consumo, nos mais pobres o problema está principalmente nas etapas de
produção e armazenagem. Na África subsaariana a perda é de 120 quilos
por habitante, enquanto na Europa e América do Norte o número se
aproxima de 300 quilos. Na América Latina, onde se inclui o Brasil, são
220 quilos por habitante ao ano - e a tendência é subir, à medida do
crescimento econômico e do maior acesso ao consumo.
No mundo mais de 30% dos peixes e frutos do mar são jogados fora,
proporção que sobe para 50% na América do Norte. As regiões
industrializadas desperdiçam até 65% do leite. Os cientistas do Swedish
Institute for Food and Biotechnology, que assinam a pesquisa da FAO,
advertem para os riscos de se dar prioridade ao aumento da produção e
esquecer a redução do desperdício nas políticas de combate à fome. Eles
recomendam investimento na eficiência da cadeia produtiva, uma vez que o
planeta tem recursos limitados de solo, água, energia e fertilizantes, e
busca soluções de custo-benefício para a segurança alimentar.
De acordo com o estudo da organização, na América Latina são perdidos
55% das frutas e hortaliças e 25% dos cereais. Aplicando-se o percentual
à produção brasileira, chega-se a um prejuízo de R$ 27 bilhões apenas
com arroz, feijão, milho, soja e trigo. Só em frutas são mais R$ 20
bilhões, sem falar o quanto se perde de carne bovina e frango, cuja
produção de 2012 somará 25,3 milhões de toneladas.
"A armazenagem inadequada danifica 10% dos grãos em geral", afirma o
pesquisador Irineu Lorini, da Embrapa-Soja, em Londrina (PR). A
defasagem entre produção e estrutura de armazenagem é de 25%, o que
"pode gerar ataque por pragas, problemas de qualidade e barreiras
comerciais para o país".
"Faltam dados confiáveis para o tema", lamenta Anita Gutierrez, do
Ceagesp, em São Paulo. Diariamente 100 toneladas de alimentos sem
condições para consumo (1% do total) vão para o lixo. O desafio maior
está no campo, onde "é necessária infraestrutura industrial para
aproveitamento de perdas e modernização da logística até o consumo",
adverte Guitierrez.
Para a engenheira agrônoma, o desperdício nas gôndolas de supermercados
atinge níveis inaceitáveis, em torno de 7%, o que é repassado para os
preços.
No campo da energia, os números permanecem altos, apesar de iniciativas
oficiais como o selo Procel, a partir do qual eletrodomésticos passaram a
consumir menos eletricidade. No caso dos refrigeradores, em dez anos a
redução representou uma economia de R$ 6 bilhões nas contas de energia.
"Mas o país joga fora R$ 7 bilhões ao ano devido a furtos (gatos) na
rede elétrica e perdas técnicas na distribuição, somando uma energia
superior à geração prevista para as duas usinas em construção no rio
Madeira", afirma Edvaldo Santana, diretor da Aneel. Para ele, a
estratégia deve ser reduzir o furto.
Além das perdas na distribuição, o uso energético ineficiente nos
setores produtivos gera prejuízo adicional de R$ 12 bilhões por ano,
segundo a Associação Brasileira das Empresas de Serviços de Conservação
de Energia. Em 2011, o governo federal lançou um programa para diminuir o
consumo em 10% até 2030.
A meta, considerada pouco ambiciosa pelo mercado, depende de incentivos
financeiros e outras medidas que ainda não saíram do papel. Estudo da
Confederação Nacional da Indústria mostra que em 2010 o setor previa
investimentos de R$ 161 milhões em eficiência energética para atingir
uma economia anual de 626 GWh.
"É importante maior integração dos diferentes segmentos industriais para
se otimizar o uso de recursos, pois o que sobra como resíduo de um lado
pode ser matéria prima de outro", sugere Carlos Rossin, diretor da PwC
Brasil, empresa que publicou mundialmente um relatório indicando os
riscos da escassez para os negócios.
"Vivemos como se tivéssemos um planeta extra à nossa disposição",
adverte Jim Leape, diretor do WWF, responsável pelo estudo "Planeta Vivo
2012".
O problema reflete-se no aumento do lixo urbano, que no Brasil emite o
equivalente a 1 milhão de toneladas de dióxido de carbono por ano, de
acordo com o Centro de Tecnologia de Embalagem, em Campinas. Além das
emissões, o Brasil tem prejuízo de R$ 8 bilhões ao ano por enterrar ou
despejar em lixões resíduos - embalagens, plásticos, metais - que podem
ser reciclados e voltar à produção industrial. "Investimentos em coleta
de materiais recicláveis se pagam sob o ponto de vista ambiental, social
e econômico", conclui Jorge Hargrave, do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea).
Na floresta, preocupa o desperdício de madeira, extraída através de
métodos predatórios que impedem a recuperação das áreas. "No corte das
árvores as perdas chegam a 25% do volume total explorado", informa Marco
Lentini, do Instituto Floresta Tropical. Com base em dados do mercado
madeireiro, publicados pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da
Amazônia (Imazon), estima-se um desperdício de 2 milhões de metros
cúbicos na floresta, significando algo em torno de R$ 680 milhões que
deixam de ser faturados ao ano na cadeia de agregação de valor.
Há perdas também nas serrarias e laminadoras. Recente estudo da
Universidade de São Paulo no Pará revela que o rendimento no
beneficiamento de madeira é de no máximo 39% - ou seja, mais de dois
terços viram lixo devido a máquinas obsoletas e ataque de insetos. Sem
aproveitamento, grande parte do insumo se decompõe ou é queimado,
emitindo carbono.
SERGIO ADEODATO
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