terça-feira, 5 de julho de 2011

O predador é culpado, sim

Curiosas as reações em torno do caso DSK (Dominique Strauss-Khan, o ex-chefão do Fundo Monetário Internacional).
Primeiro, houve a condenação imediata, sem julgamento, de que participou, confesso, esta "Janela". Mas há uma explicação, que não justifica necessariamente o que houve, mas facilita o entendimento. Seguinte: nenhum jornalista em nenhum lugar do mundo deixaria de noticiar que um figurão havia sido retirado pela polícia, detido, da primeira classe de um voo intercontinental, levado a uma delegacia e mantido preso.
Nem quando não havia twitter, redes sociais, celulares que tiram fotos, a instantaneidade propiciada pela internet - nem nesse passado, a informação deixaria de vir a público. Imagine agora. E, vindo a público, já seria o suficiente para criar a imagem de "predador sexual", para usar a expressão que aparece na TV Folha, em debate sobre o caso.
Mais ainda que DSK pode ser tido como "serial predator". Já teve um caso com um funcionária (casada) do FMI, está sob ameaça de um segundo processo de ataque sexual, agora na França, e meu companheiro Fernando Canzian relata, em sua coluna, um jeito de ser característico do então diretor-gerente do Fundo.
Reproduzo Canzian: "Há alguns anos, em um reunião do FMI em Washington, Dominique Strauss-Kahn ficou por quase uma hora, durante entrevista coletiva, absolutamente vidrado em uma jornalista polonesa sentada ao meu lado. Chegou a responder mal e a perder o sentido de algumas perguntas, tamanha a sua concentração na moça.
Ela era de fato estonteante. Mas o comportamento do francês chamou muito mais a atenção. A ponto de vários colegas ficarem comentando animadamente a 'cara de babão' do ex-diretor-gerente na ocasião".
Nessas circunstâncias, mesmo que as primeiras notícias saíssem cercadas das cautelas de praxe ("suposto estupro", "investigação em curso" etc etc etc), o dano à imagem de DSK já estaria consumado.
A culpa, portanto, é menos do jornalismo e mais da maneira de atuar do sistema norte-americano de "law and order". Mas "culpa" é uma boa palavra para o caso? Talvez não.
Primeiro, porque, como lembra Maureen Dawd, colunista do "New York Times", "os promotores de Nova York tinham prazo real [para agir], antes de que Strauss-Kahn voasse parra a Franca, que NÃO tem tratado de extradição com os Estados Unidos".
Pois é, deixá-lo escapar significaria consagrar a ideia usual de que, entre a acusação de uma mulher pobre e negra, ainda por cima imigrante, e a posição de um branco da cobertura do andar de cima, prevalece sempre esta. Ou alguém acha que um figurão brasileiro seria detido nas mesmas circunstâncias, na primeira classe de qualquer voo?
Agora, vem a nova onda de acusações à acusadora, que seria mentirosa contumaz. Mentiu de fato algumas vezes, mas, no aspecto que diz respeito diretamente ao caso, nada garante que o tenha feito. Aliás, o jornal "Le Figaro" desmente nesta terça-feira a versão de que a camareira teria arrumado outro quarto, antes de delatar o ataque a seus superiores do hotel Sofitel.
A versão aparecera nos tabloides norte-americanos, mas o Figaro apoia o desmentido no levantamento do controle eletrônico de abertura e fechamento de quartos do próprio hotel.
Ou seja, há, de um lado, diz-que-diz da mídia sensacionalista e, do outro, evidências objetivas.
Ainda assim, está ocorrendo o que previa a colunista Maureen Dawd: "Quando um predador habitual se choca com uma mentirosa habitual, a mentirosa muito provavelmente perderá, mesmo que seja um raro caso em que ela esteja dizendo a verdade".
Não sei se está ou não, só ela e DSK sabem ao certo. A versão da defesa, de sexo consentido, pode judicialmente livrar a cara do ex-chefe do FMI, mas do ponto-de-vista da relação homens/mulheres, ele continua sendo culpado, pelo menos na minha opinião: numa situação em que quem tem o poder é disparadamente o homem, uma mulher, em tal situação de inferioridade, resistiria ao assédio?
Por fim, entram as teorias da conspiração, essa coisa abominável. Ainda vou criar um site chamado www.odeioteoriasdaconspiracao.com.br.
Tudo teria sido armação da direita francesa, do presidente Sarkozy, em conluio com o Sofitel, ou da direita norte-americana que queria vê-lo fora do FMI, enfim uma besteirada sem tamanho, desmontada pelos fatos: se DSK não fosse um predador habitual e não buscasse sexo com a camareira, consentido ou não, nada teria acontecido. Ou seja, se conspiração houve, Strauss-Khan foi parte dela, o que é obviamente um absurdo. Mas, às vezes, é mais sedutor acreditar no absurdo.

Clóvis Rossi

Nenhum comentário:

Postar um comentário