sábado, 18 de junho de 2011
‘Eu, no lugar do Lula, extraditaria o Battisti correndo’
Tomado pelo teor da entrevista que concedeu ao blog, o ministro Ayres Britto considera que Lula errou ao não devolver Cesari Battisti à Itália.
“Eu, no lugar do Lula, extraditaria”, disse o ministro. Esclareceu porém que, a seu juízo, não é papel do Supremo “sindicar” a decisão do presidente.
Em matéria internacional, afirmou Britto, a Constituição atribui exclusivamente ao Congresso a competência para censurar o presidente.
Abaixo, a parte final da conversa que o repórter manteve com o ministro:
- Está mesmo convencido de que Lula poderia não extraditar Battisti? Digo com toda a pureza d’alma, com toda honestidade: eu, no lugar de Lula, extraditaria o Battisti correndo. No meu primeiro voto, disse: esse homem, pra mim, não é ideólogo coisa nenhuma, não conheço uma só ideia política dele. Cometeu crime de sangue. Uma pessoa que se dispõe a participar de uma organização qualificada nominalmente como armada já está predisposta ao que der e vier. Então, eu extraditaria. Agora, se você me pergunta: o Lula podia não extraditar? Minha resposta técnica é: sim, ele podia não extraditar. Eu disse ainda no meu voto –no primeiro e no último— que, decidindo não extraditar, ele responderia por essa decisão perante a comunidade internacional e perante o Congresso Nacional, a quem compete julgar o presidente da República por crime de responsabilidade. Deixei isso consignado no meu voto. Agora, o Supremo, órgão do Poder Judiciário, não é tutor do presidente da República, enquanto encarnação de nossa soberania, enquanto chefe de Estado. Não cabe ao Supremo esse papel. Se me permite, quero lhe dar uma informação complementar.
- Por favor. Fui pesquisar a legislação penal italiana. Me fiz a seguinte pergunta: e se Battisti fosse brasileiro, condenado aqui e homiziado na Itália, o governo italiano poderia fazer o que o brasileiro fez? A resposta é sim.
- Por quê? Eu procurei no Código de Processo Penal italiano. O que está dito lá? Sem tirar nem por: não se concede extradição sem o pronunciamento da Corte de Apelo, igual ao Brasil. O Executivo não concede extradição sem que o Judiciário se pronuncie favoravelmente a ela. Aí vem outro dispositivo: a decisão favorável da Corte de Apelo não obriga a extradição. Assim mesmo. Aí vem o seguinte dispositivo: da decisão da Corte de Apelo cabe recurso para a Corte de Cassação, uma corte suprema de cassação da Itália. Mais um artigo: quem decide o mérito da extradição o substantivo ‘mérito’ está escrito lá é o ministro da Graça e Justiça, que o fará em 45 dias da decisão da Corte Suprema. Último dispositivo, surpreendente: o silêncio do ministro da Justiça implica a automática soltura do extraditando, se ele estiver detido. Então, veja bem: a Itália pratica a extradição de modo ainda mais brando, digamos assim, do que aqui no Brasil. Há também um dispositivo do código italiano que diz assim: ninguém será extraditado se uma das partes tiver razões para supor –não é nem fundadas razões— que o extraditando será submetido a atos de perseguição ou de discriminação. Aí vem os motivos. Essa cláusula é uma réplica do tratado firmado pela Itália com o Brasil. E termina dizendo o seguinte: ou por razões ou condições pessoais ou sociais. E não pode deixar de ser assim. Se você for ver o tratado Brasil-Portugal, Brasil-Reino Unido é assim mesmo.
- Depois que o STF aprovou a extradição de Battisti, os advogados do governo italiano levantaram uma dúvida quanto ao poder discricionário de Lula. E o tribunal decidiu que o presidente teria de seguir o tratado Brasil-Itália. Lula escorou a decisão de não extraditar num parecer que, em essência, dizia que Battisti poderia sofrer perseguição na Itália. Praticamente ressuscitou a tese que Tarso Genro utilizara para conceder o refúgio, que o Supremo derrubou. Acha razoável? O tratado contém uma cláusula que nos chamamos de textura aberta. Fala em perseguição ou agravamento da situação pessoal do extraditando.
- Não lhe parece despropositado supor que a transferência de Battisti do presídio da Papuda, em Brasília, para uma prisão italiana implicaria em agravamento das condições pessoais do preso? Mais: a Itália recorreu ao Supremo e o tribunal entendeu que a decisão de Lula, por soberana, não é passível de recurso de nação estangeira. Nem entrou no mérito… Isso foi um dos fundamentos da decisão, para não entrar no mérito. Foi uma preliminar. Mas houve acréscimo de fundamentação. A lei que estabelece as condições de refúgio no Brasil é mais dura. Exige uma interpretação preponderandete objetiva. Fala em fundadas razões. O tratado, não. É muito mais brando do que a lei de refúgio. Contém janelas que não foram abertas pela lei de refúgio. Por exemplo: supor o agravamento da situação pessoal. Isso não está na lei de refúgio. Isso facilitou a vida do Lula, para dizer o seguinte: não estou decidindo com base na lei de refúgio, mas com base no tratado.
- Mas não estava claro que a Itália seria obrigada a converter a condenação de Battisti de pena perpétua em 30 anos de prisão, como manda a lei brasileira? São duas condiçoes: que haja detratação, desconto da pena a cumprir no Estado estrangeiro da pena já cumprida no Brasil e converter a pena perpétua em pena temporalmente limitada ao máximo de 30 anos. Mas mas há outros ingredientes. Por exemplo: se fosse negado a ele algo que certamente não seria negado no Brasil, o direito à progressão de regime penitenciário. Começa com regime fechado, passa a semi-aberto e, finalmente, aberto. O Lula pode supor que esse tipo de humanização da pena e outros aspectos não seriam aplicados ao Battisti.
- Acha, então que o tratado ofereceu a Lula argumentos para reter Battisti no Brasil? Eu acho. Até porque há essa amplitude do tratado, que reflete a própria legislação italiana, de textura aberta.
- Considera Justas as críticas de autoridades italianas à decisão brasileira? Como disse, eu, no lugar do Lula, extraditaria o Battisti. Acha natural que haja críticas. Inclusive porque o povo da Itália está na suposição de que foi o Supremo quem impediu a extradição, quando não foi isso que ocorreu.
- Mas foi essa a impressão que prevaleceu, ministro, mesmo aqui no Brasil. Ficou-se com a sensação de que o STF preferiu se abster de analisar o mérito da decisão de Lula. Quando eu votei pela última vez nesse caso, rememorei meu voto proferido lá atrás, no pedido de extradição. Desde aquela época eu já dizia: Se Lula eventualmente descumprir o tratado de extradição, não cabe ao Supremo apená-lo, castigá-lo ou censurá-lo. Isso se resolve em instâncias políticas – uma externa, no plano internacional; outra interna, no Congress Nacional. Pela Constituição –artigo 49, que trata das competências do presidente da República no plano internacional a sindicância desses atos é de competência exclusiva do Congresso. O Supremo está fora disso. O Supremo não é tutor do presidente, não sindica, não controla os atos internacionais do presidente.
- Caberia acionar o presidente por crime de responsabilidade? Quando o presidente coloca o país mal na fita, não cometeu nenhum ilícito penal ou administrativo. Mas ele pode, em tese, responder politicamente como gestor despreparado, desqualificado, que não está à altura do cargo. E aí é cabe ao Congresso. Mas nunca vi presidente sendo chamado a responder no Congresso por ato de soberania.
Josias de Souza
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